A carne de vaca pensa que é filé
Na década de 1970, ter um Leão de Cannes era como ter um Oscar. Hoje, os outrora glamurosos Leões foram transformados numa espécie de ISO 9002 da criatividade. Carne-de-vaca pura
Na década de 1970, ter um Leão de Cannes era como ter um Oscar. Hoje, os outrora glamurosos Leões foram transformados numa espécie de ISO 9002 da criatividade. Carne-de-vaca pura
Meio & Mensagem
27 de novembro de 2012 - 12h16
*Por Rodrigo Leão
É muito difícil dizer quando é exatamente que uma coisa deixa de ser legal para se tornar carne-de-vaca. Aliás, eu nem sei se carne-de-vaca é uma expressão aceita pelo Aurélio, o Houaiss, o Michaelis ou qualquer outro desses dicionários carne-de-vaca por aí. Sim, porque se alguma coisa se torna corriqueira, comum ou ordinária a gente pode dizer que se tornou carne-de-vaca.
Mas antes de se tornar carne-de-vaca a coisa tem de ter sido legal. Coisas que sempre foram xexelentas não podem ser rebaixadas à condição de carne-de-vaca. Ninguém vai dizer : “Ah eu parei de ir ao Largo da Batata porque ficou meio carne-de-vaca.” Ou “Eu não pego mais gonorreia porque ficou muito carne-de-vaca.”
“Hakuna matata”, como diria o Rei Leão, é o ciclo da vida: a coisa nasce hipster, cresce normal e termina carne-de-vaca. Por falar em leão, pegue os Leões de Cannes, por exemplo. Lá nos idos da década de 1970 do século passado, ter um Leão de Cannes na prateleira era como ter um Oscar, algo raro, chamativo e excitante. Eventualmente, todo mundo foi descobrindo como roubar no júri e fazer propaganda fantasma e ganhar Leão em Cannes ficou mais normal. Hoje, as megacorporações da propaganda andam arranhando as consoantes umas das outras na luta por Leões que são usados como Super Trunfos da criatividade — os acionistas falam que o Chief Creative Officer não é criativo, ele taca o Leão de Cannes na cara deles e grita “Super Trunfo”. E, com isso tudo, os outrora glamurosos Leões de Cannes foram transformados numa espécie de ISO 9002 da criatividade. Carne-de-vaca pura.
O tomate seco seguiu o mesmo caminho. Cumpriu sua trajetória de condimento hipster nos anos 1990 para a total situação carne-de-vaca hoje em dia, ao ponto de você ter de pedir pra tirar o tomate seco de onde ele não deveria estar, tipo: “Dá pra fazer o meu milk-shake de morango sem tomate seco?”
Mais ou menos como os festivais de propaganda. São tantos os festivais de propaganda na atualidade que as operadoras de turismo já começam a oferecer pacotes de viagem tipo “Visite sete festivais de propaganda em 15 dias pela América do Sul.” E, mesmo sabendo que os festivais cumprem a importante missão de ajudar a fingir que existe critério criativo na nossa profissão e que de forma alguma alguém deveria apontar as falhas desse sistema de aferição, o exagero e a ambição de todos em ganhar prêmios têm transformado os festivais e seus prêmios em carne-de-vaca. O cara mostra a pasta e aponta: “Esse anúncio aqui foi ouro no Guadalajara Brazilian Week Festival e esse outro aqui foi prata no Pedro Juan Caballero Latin Advertising Awards.” Eita!
É fato inconteste que com dois gaúchos com cabelo de argentino e um MacBook Pro com Keynote é possível criar uma empresa de pesquisa de tendências bem-sucedida hoje em dia. Agora, quero ver mesmo é alguém ser capaz de criar uma empresa de Identificação de Carne-de-vaca — ou já com nome em inglês para soar mais “profissa”: “Outsourced Cowmeat Detecting”. Porque chegar em escritório de multinacional arrotando “crowdsourcing”, “flash mob” e “netweaving” é fácil. Mas virar para o diretor de design e falar “Você não acha que esse estilo de design arredondadinho de vocês já tá dando no saco?” Isso eu quero ver.
Esta, senhoras e senhores, é a inexorável condição da nossa profissão: tudo que criamos vira carne-de-vaca rapidinho. Filmes, anúncios, spots, sites, aplicativos, promoções, concursos culturais, eventos, ativações nas redes sociais e o escambau. Tudo. Inclusive a fórmula do que significa ser uma agência criativa e como se mede esse parâmetro. Quem compra propaganda precisa se atentar para não comprar carne-de-vaca pensando que é filé.
*Rodrigo Leão é sócio diretor de criação da Casa Darwin e professor dos MBA de Marketing, MBA Executivo Internacional e Internacional MBA da FIA. Uma vez por mês ele escreve artigos para o Meio & Mensagem. Este texto foi publicado na Edição 1537, de 26 de novembro.
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