Coffee Break: Poesia em tempos de cólera

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Comunicação

Coffee Break: Poesia em tempos de cólera

O Brasil precisa de diálogo, não de ruptura. De um projeto que deveria estar acima de qualquer ideologia, vaidade, divergência e de qualquer pretensão de autoria


16 de abril de 2015 - 2h29

 Por Marcos Caetano (*)

Numa tentativa de buscar palavras mais leves em tempos de tanta confrontação, resolvi falar de poesia. Mais precisamente de Vinicius de Moraes. Dotado de cultura e talento extraordinários, Vinicius foi um dos únicos gênios doces da história, uma combinação quase impossível de verve e suavidade. Seu jeito carinhoso de tratar tudo e todos por “inho” marcou a Bossa Nova, recheando-a de barquinhos, marzinhos, parceirinhos, cantinhos, barzinhos, banquinhos e toquinhos. Tenho uma grande certeza de que, nestes tempos bicudos, precisamos de menos palavrões e mais palavrinhas. De mais “inhos”. Os “inhos” do Poetinha, que hoje são mais urgentes do que palavras de ordem. Porque o Brasil precisa de diálogo, não de ruptura.

Uma das histórias mais divertidas e didáticas sobre a personalidade de Vinicius ocorreu no dia do funeral de um de seus amigos mais queridos. O defunto estava prestes e ser levado para o sepultamento e nada de Vinicius chegar. Todo mundo no velório estava profundamente incomodado, até que alguém resolveu telefonar para o grande ausente. O Poetinha atende, falando baixo: “Olha, eu ainda não pude ir porque estou com um ladrãozinho aqui em casa. Mas ele já está saindo e daqui a pouquinho eu chego, viu?”

No entanto, é preciso dizer que mesmo as mais doces e singelas criaturas têm lá suas manias. Ao mesmo tempo que queria botar letra na música de todo mundo, ele não gostava de ver seus parceiros compondo com outras pessoas. Morria de ciúmes de Toquinho e quase teve uma síncope quando este começou uma parceria com Chico Buarque. Tentou de todas as formas desmantelar a parceria da talentosa e jovem dupla. Toquinho e Chico desconversavam e continuavam trabalhando. E bem. Basta dizer que o primeiro produto da nova dupla foi o antológico Samba de Orly. De forma que, quando finalmente constatou que a parceria era inevitável e a música nova estava prontinha, o Poetinha mudou de tática. Assim que os amigos lhe mostraram a letra, disse que até gostou, mas que havia “várias coisinhas a serem melhoradas”.

O samba era virtualmente perfeito, mas Vinicius não desistiu: torrou a paciência até convencê-los a mudar um verso do samba. A alteração não representava nada, mas era o suficiente, segundo o Poetinha, para que ele fosse proclamado coautor. E assim foi feito. Acontece que, por alguma razão insondável, pura obra do acaso, um único verso — justamente o de Vinicius — acabou censurado pela ditadura militar e cortado da letra. A solução, óbvia, foi trazer de volta o antigo verso. O Samba de Orly voltou, assim, à sua forma original. Mas nem isso foi capaz de desanimar nosso poeta: “O verso eles cortaram, mas o meu nome dos créditos ninguém cortará jamais.” E essa foi a história do dia em que Vinicius de Moraes se tornou autor de uma canção que jamais escreveu.

Na vida profissional, muitas vezes nos deparamos com debates sobre a autoria das ideias. Um debate que, em tempos de redes hiperconectadas e construção coletiva, perde cada vez mais o sentido. Não estou defendendo o plágio nem a apropriação indébita do trabalho de outras pessoas. Estou falando, sim, do exercício que deveríamos fazer para nos tornar menos obsessivos com a autoria das coisas. Se soubermos administrar a vaidade e consentir que novos autores se juntem aos nossos projetos, poderemos produzir coisas muito maiores e capazes de beneficiar muito mais gente.

Concluo com uma provocação poética em tempos tão ásperos: a grande construção coletiva que deveríamos fazer hoje é a de um projeto de futuro melhor para o Brasil. Um projeto que deveria estar acima de qualquer ideologia, vaidade, divergência e de qualquer pretensão de autoria. Não devemos fazer isso por nós ou por nossas biografias — mas pelo bem maior. E por todos.

* Marcos Caetano é diretor global de comunicação corporativa da BRF

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