Como a reformulação da Lei de Cotas pode impactar as agências?
Após a renovação do projeto político sobre cotas, surgem oportunidades para o mercado publicitário absorver novos talentos
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Renan Honorato
13 de dezembro de 2023 - 6h00
O mercado publicitário vem fazendo esforços para ampliar ações afirmativas de diversidade e inclusão. No mundo acadêmico, por outro lado, aconteceu neste ano a renovação da lei de cotas no ensino superior. A questão que fica é entender como a indústria absorve esses novos talentos criativos. Além disso, saber quais foram as adaptações dos cursos de publicidade e propaganda nas sala de aulas.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), organizados pelo IBGE, mostram o crescimento para 19,2%, em 2022, da população universitária no geral – eram 17,5% em 2019.
Ao mesmo tempo, agências e marcas começaram a praticar projetos e ações efetivas de representatividade, diz. Em 2020, George Floyd morreu após uma violenta abordagem policial. Desde então, movimentos globais de reafirmação da cultura negra e contra abusos policiais foram amplificados pelo ocorrido. “Eu sempre uso 2020 como um marco importante para o Brasil se rever enquanto negro” diz a diretora de estratégia da Gana, Mylene “Mycra” Alves.
Ao final de outubro de 2023, o Senado Federal aprovou a reformulação da Lei de Cotas. As vagas reservadas fazem parte do projeto político de equidade racial e socioeconômico aprovado em 2012.”Ainda não percebo uma absorção proporcional dos alunos que estão se formando pelo mercado. Ainda temos um déficit entre quem se forma há uma década de política de cotas e o dia-a-dia das agências”, diz Mycra.
No estudo de 2016, a pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil pelo Instituto Ethos, o quadro societário da maioria das empresas era composta por 4,7% de negros. “Entendemos a política de cotas e bolsas como fundamental para gerar continuidade de acesso dessas pessoas às instituições de ensino superior e, posteriormente, ao mercado de trabalho”, diz Roberto Tourinho, presidente do Sinapro-SP.
O coletivo Publicitários Negros compilou as principais agências e empresas de publicidade com lideranças negras. Das 21 empresas, Gana e Silva se destacam – por serem agências que foram criadas com a premissa de terem maioria de pessoas negras na equipe. “Tão importante quanto investir e ampliar a contratação de colaboradores diversos, é auxiliar na manutenção destes profissionais no quadro de funcionários”, ressalta Tourinho.
Para o Sinapro, a movimentação das agências ainda é otimista, tendo em vista os programas para capacitação profissional ao longo da carreira oferecidos por elas. Apesar disso, as proporções entre pessoas brancas e negras – sendo considerados pretos e pardos – são discrepantes. Pela Pnad, 29% entre pessoas brancas entre 18 e 24 anos, estavam matriculados em universidades em 2022. Porém, se analisarmos a população negra, as taxas caem para 15,3%.
Com outros professores, Eneus Trindade, chefe do departamento de RP, publicidade e turismo da USP, participou do movimento de reformulação das diretrizes de ensino superior proposto Ministério da Educação em meados de 2017. Desde então, as propostas estão aguardando a assinatura do atual responsável pela pasta no governo federal. “Nós trazemos como uma preocupação da formação o tema transversal da diversidade, seja ela de gênero, etnia ou as perspectivas de classes sociais”, explica.
Além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) mostra que pretos e pardos, entre 25 anos ou mais estudam, em média, 1,7 anos a menos do que pessoas brancas. Na Universidade do Rio Grande do Sul, em parceria com a agência DZ, a professora Elisa Piedras criou o projeto Rumos Mais Pretos. Esse é um programa de fomento a ampliação de estágios remunerados para negros e negras nas agências de Porto Alegre.
No curso de publicidade da Universidade de São Paulo, por exemplo, os alunos de escolas públicas – outro grupo contemplado pela Lei de Cotas – chega a 51%. Sendo 30% considerados pelo programa como pretos, pardos e indígenas (PPI). Apesar disso, Eneus revela que a proporção de indígenas ainda é inexpressiva nos curso na universidade. Mesmo que a Prefeitura de São Paulo aponte quase 13 mil pessoas autodeclaradas indígenas vivendo no município.
Porém, a desigualdade racial também resvala na corpo docente. A partir dos dados do Censo 2022, a reportagem teve acesso ao número de professores das faculdades de São Paulo. Na ESPM, são oito docentes negros – três autodeclarados pretos e cinco, pardos – para mais de 100 brancos. Na PUC-SP, são 1.139 professores brancos para dez pretos e 24 pardos; e na USP, são 5.313 brancos, 217 pretos e nove pardos. Enquanto isso, na FAAP, a proporção cai para 290 brancos e três negros.
“A gente está falando de uma década em comparação a 300 anos de pessoas escravizadas, tudo isso está marcado em nossos pensamentos”, diz Mycra. A profissional acredita na publicidade como aquele setor que reflete os anseios do consumidor ao mesmo tempo que influencia novas percepções. “Sou completamente a favor da política de cotas, esperamos que ela siga, porque para termos efeitos precisamos de uma geração que foi submetida à esse tipo de projeto”, ressalta.
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