A atenção de agências e marcas para a pauta racial arrefeceu?
Profissionais de marketing de influência analisam o mercado quanto à pauta racial e diminuição de investimentos das marcas em creators negros
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Caio Fulgêncio
17 de novembro de 2023 - 6h00
É inegável que, nos últimos anos, a diversidade se tornou tema recorrente nas discussões dos mais variados setores da indústria de comunicação. Na pauta racial, acontecimentos como os assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos, e do cidadão negro João Alberto Silveira Freitas, em uma loja do Carrefour, em Porto Alegre, ambos em 2020, impulsionaram os debates sobre o papel das marcas no enfrentamento ao racismo e na promoção da inclusão.
Além de estimularem a representatividade nas campanhas, esses movimentos resultaram no surgimento e crescimento de vários criadores de conteúdo negros e periféricos. No entanto, para profissionais especializados em marketing de influência, o que parecia consolidado se demonstrou distinto em 2023, sobretudo neste novembro, mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra.
“Infelizmente, esse é o pior novembro dos últimos quatro anos”, avalia Julio Beltrão, diretor artístico da Mynd. Ele lembra que, diante das reivindicações globais, muitas marcas correram para criar ou melhorar seus times de diversidade e isso refletiu nos investimentos em creators.
Um termômetro, segundo Beltrão, é o prêmio Potências, da própria Mynd, que celebra as personalidades pretas de destaque. A edição deste ano, marcada para o próximo dia 27, conta com metade dos investimentos das marcas em relação a 2022. “Grande parte dos profissionais pretos que tinham a caneta na mão e o poder de decisão ano passado estão desempregados. Fazer projetos afrocentrados no Brasil nunca foi tão desafiador”, diz.
O diretor acredita que o cenário atual causará mudanças nas campanhas e, consequentemente, no que é representado. “Esse efeito borboleta, fruto das demissões dos últimos anos, vai refletir automaticamente na perda de decisão, de patrocínios, impulsionamentos e campanhas. Com isso, vamos ter uma publicidade mais eurocentrada e com erros nítidos, como o caso que envolveu o Lab Fantasma. Será que o mercado perdeu o interesse (no assunto)?”, questiona.
Ricardo Silvestre, fundador e CEO da Black Influence, opina que há um “clima de conformismo”. Em outras palavras, ele diz que as marcas entendem que existe um problema estrutural e até o próprio papel nesse contexto. Porém, “acabam se colocando em um lugar de conformidade e preferem não assumir a responsabilidade”.
“A pauta (racial) diz respeito ao senso de pertencimento dos consumidores, que, quando são negros, não se sentem representados nas ações publicitárias. Daí, surge a escassez nas parcerias que poderiam ser muito prósperas para os dois lados, já que estamos falando sobre negócios, para além de uma questão identitária”, complementa.
O executivo inclui que, diante de ações pontuais, ainda existe um falso sentimento de missão cumprida por parte das empresas. “Na realidade, ainda temos um longo caminho, que passa pela educação e, principalmente, pela intenção em fazer a diferença e investir em projetos e empresas negras”, afirma. “Quero acreditar que em um futuro próximo tenham mais consciência sobre o poder dessa pauta para que ela possa ganhar mais espaço e se transformar em algo consistente e que não passe apenas por novembro”, acrescenta Silvestre.
O ambiente de incertezas é também terreno propício para problemas referentes à saúde mental. Mais do que uma questão cultural, de fato, o tema impacta na sobrevivência de muitos criadores, que passaram a fechar menos contratos do que no passado.
“Isso altera a autoestima, a saúde mental e impacta os investimentos, porque o criador deixa de investir no conteúdo para reter o dinheiro por medo do que pode acontecer amanhã. Então, a cadeia fica toda debilitada a partir do momento em que o mercado deixa de investir em talentos afrocentrados”, resume Beltrão.
Do ponto de vista de leitura do mercado, o diretor artístico da Mynd diz que o futuro mostrará se houve uma mudança nos períodos de investimentos. “Talvez, as marcas vão começar a investir a partir de janeiro, que é quando as campanhas para os prêmios começam a ser pensadas. Sabemos que a grande maioria das premiadas são aquelas que colocam rostos e questionamentos diferentes. Talvez tenhamos mudado de lugar”, finaliza.
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