O antes e depois das campanhas de cerveja
Marcas reveem tons das campanhas, demonstrando estarem atentas ao debate sobre igualdade de gênero
Marcas reveem tons das campanhas, demonstrando estarem atentas ao debate sobre igualdade de gênero
Isabella Lessa
2 de fevereiro de 2017 - 9h00
O machismo ainda está presente na comunicação de muitas marcas no Brasil e no mundo. E, embora não seja exclusividade desse segmento, a cerveja é uma das categorias mais simbólicas quando se fala em objetificação e estereótipo de gênero. Nos últimos dois anos, porém, algumas marcas têm mudado o tom de sua comunicação, muitas após a repercussão negativa entre os consumidores. Confira o “antes e o depois” das campanhas de quatro grandes cervejas do mercado brasileiro:
Skol
Às vésperas do Carnaval de 2015, a Skol estampou diversos outdoors com frases como: “Topo antes de saber a pergunta”, “Tô na sua, mesmo sem saber qual é a sua” e “Esqueci o não em casa”. A última passou por uma intervenção das amigas Pri Ferrari, publicitária, e Mila Alves, jornalista, divulgada no Facebook na época. Com fita isolante, elas escreveram “e trouxe o nunca” no anúncio. As acusações de apologia ao estupro fizeram com que a Skol trocasse os cartazes. Com outro tom, os novos dizeres continham o recado “Neste Carnaval, respeite”.
Em comunicado, a marca afirmou que substituiu as peças “por respeito à diversidade de opiniões”. E, a partir de então, passou a envolver-se com causas como a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, da qual foi patrocinadora oficial na edição passada. Atualmente, está no ar o terceiro filme da campanha “Redondo é sair do seu quadrado”, com criação da F/Nazca. Intitulado “Viva a Diferença”, o comercial convida as pessoas a se livrarem de preconceitos e utiliza atores com diferentes tipos físicos e etnias. Para Thaís Fabris, fundadora e diretora da consultoria 65/10, está, de fato, acontecendo uma mudança na abordagem das marcas de cerveja, seja pelo aumento no poder de consumo da mulher, seja pela questão da representatividade. “Os consumidores têm o poder de mudar o ponteiro de negócios de uma marca. E a mulher representa quase metade dos consumidores. Além disso, 65% das mulheres não se identificam com a forma que são retratadas. No caso de Skol, a comunicação mudou muito e tem muito mais a ver com o conceito Redondo”, diz.
Antes
Depois
“Viva a Diferença” celebra a beleza das diferenças no verão: “Preconceito ninguém quer ver”
https://www.youtube.com/watch?v=gRXPrO5S634
Budweiser
A Budweiser, que tem a música e o esporte como pilares globais de marketing, também foi acusada por sustentar a cultura do estupro com a campanha “Up fow whatever”, veiculada nos EUA em 2015. Uma das mensagens escritas no rótulo da garrafa de Bud Light dizia: “a cerveja perfeita para tirar o ‘não’ do vocabulário esta noite”. A Anheuser-Busch admitiu que passou do ponto e emitiu um pedido de desculpas. No mesmo ano, a Africa criou uma campanha estrelada pela lutadora Ronda Rousey, distanciando-se da objetificação da mulher. De acordo com Matias Menendez, diretor de criação da agência, a marca deve estar antenada a assuntos fundamentais, como a igualdade, para ter a responsabilidade necessária quando for comunicar. “É fazer uma campanha que não apenas fale da mulher, mas saber como falar sobre mulher na comunicação e fazer algo que contemple todo mundo. Na manifestação contra o Trump a favor das mulheres, havia mulher, homem, idosos, jovens. Para nós, isso é algo muito grande”, afirma. A atual campanha da Budweiser no Brasil, #Deixequedigam, mostra um beijo gay e uma mulher gorda. “Se a gente quer falar sobre todos os consumidores é difícil esquecer dessa questão da diversidade. Usamos um tom provocador e em alguns momentos duvidamos, mas as pessoas gostaram dessa sinceridade. A maioria das marcas cria personagens que não são reais, garotos propagandas que não são reais. Hoje estamos rodeados de pessoas, as redes sociais nos deram a opção de falar sobre tudo, de dar um like, de falar o que está errado. Queremos ser uma marca autêntica”, diz.
Antes
Depois
#DeixeQueDigam valoriza a autenticidade
https://www.youtube.com/watch?v=vsFQDnNF9LI
Heineken
Em 2014, ação da Wieden + Kennedy São Paulo para a Heineken propôs que, enquanto os homens assistissem à final da Chanpions League, suas esposas e namoradas aproveitassem a liquidação da Shoestock. A construção de gênero da peça gerou críticas por parte de consumidores na internet. Dois anos depois, a Publicis criou para a marca uma ação em que esse estereótipo de gênero é quebrado: “Clichê” dava a entender que os rapazes iriam conferir o jogo do campeonato europeu enquanto suas parceiras seriam levadas a um spa. O que ocorreu foi o contrário, as garotas foram para Milão conferir a partida no estádio. De acordo com Domênico Massareto, CCO da Publicis, essa foi a campanha mais vista da historia da marca no mundo. “Indica que ela é relevante para o consumidor, pois não só colocou em termos iguais ambos os gêneros, mas deu a recompensa e a virada no jogo. Quem falou que mulher não pode gostar de futebol também?”, diz. O profissional afirma que é preciso considerar que a Heineken é uma marca premium, portanto isso molda o planejamento que a marca devolve para o consumidor, além de um segundo ponto, que é a tagline da marca, “Open your world” (abra seu mundo). “Parte de uma premissa que todo mundo e autêntico e tem sua forma se expressar. Por si só ficaria difícil manter uma conversa, desdobrar uma comunicação baseada em estereótipos. A marca não quer fazer barulho por fazer barulho”.
Antes
Depois
Itaipava
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) suspendeu em 2015 um anúncio da Itaipava criado pela Y&R. A peça comparava o volume da lata e da garrafa da bebida com o do silicone de Aline Riscado, garota-propaganda da cerveja. Em entrevista ao Meio & Mensagem na época, a entidade afirmou que as novas demandas e comportamentos sociais pautam a atualização do código de regulamentação e, consequentemente, alteram padrões que não condizem mais com a realidade da sociedade. As últimas campanhas de Itaipava, como “História de Verão”, já não dão tanto destaque para os atributos físicos da modelo. “O contexto social afeta a propaganda de forma geral. A gente trabalha em um negócio no qual nosso maior papel é estar a par do que acontece no mundo. A gente precisa sim trazer o debate, que existe e reflete. Mas ele não é o ponto de partida. Não foi uma feminista que nos obrigou a repensar isso, é uma evolução natural. A prioridade da Itaipava e de todas as cervejas não é polarizar. A briga da cerveja é por share, por preferência. Mas é necessário ter certos cuidados na comunicação”, analisa Marcello Penna, VP de atendimento da Y&R.
Antes
Depois
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