Os Shirley Cards e a perpetuação do racismo no audiovisual
Projeto da AKQA e da diretora Juh Almeida atualiza técnicas predominantes nos filmes para promover representatividade racial nas produções
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Isabella Lessa
27 de outubro de 2021 - 6h00
Ao longo de todo o século 20, os laboratórios fotográficos faziam uso dos chamados Shirley Cards – fotos de mulheres brancas com referências de cores, exposição à luz e densidade – para calibrar máquinas de impressão fotográfica e, assim, chegar a um padrão.
A prática dificultava a retratação dos tons de pele negra, resultando em imagens desfocadas, chapadas e sombreadas. Os primeiros passos para ampliar as opções de tons marrons nas emulsões químicas dos filmes ocorreu nos anos 1960, a partir da pressão de fabricantes de móveis e chocolates. E, nos anos 1990, mesmo com câmeras capazes de processar tons de pele mais claros e escuros, os cartões Shirley multirraciais ainda traziam modelos com tons de pele claros.
Soma-se a isso o viés racial presente nas ferramentas de inteligência artificial (IA) para edição de imagens: essas tecnologias são ‘treinadas’ a reconhecer rostos de bancos de imagem compostos por fotos de pessoas brancas, em sua maioria.
Com o intuito de quebrar essa lógica, a AKQA e a diretora de cena Juh Almeida, da Pródigo Filmes, lançaram o RGBlack (Reframing the Greatness of Black – Retratando a Grandeza da Pele Negra). Além de encorajar o debate do viés racial sob a ótica das tecnologias utilizadas pelo mercado audiovisual, o projeto divulga informações sobre princípios técnicos e estéticos de iluminação, beleza e colometria para retratar a pele negra nas câmeras. O conteúdo está disponível no site.
No filme que apresenta o movimento, cocriado e dirigido por Juh, os Shirley Cards são revisitados. “A ressignificação das Shirleys desafia o racismo institucional, fazendo escavações nada sutis em narrativas opressoras que incluem perspectivas desatentas sobre a vivência negra. Acredito muito que o RGBlack celebra e traz à luz pautas antes ignoradas e silenciadas na indústria do cinema e da fotografia. Sonho grande e acredito que ressignificar a Shirley é um primeiro passo para mudar o mundo por meio da fotografia”, afirma a diretora.
Veja o filme:
Segundo ela, pensar o racismo no audiovisual significa quebrar a transmissão da mensagem social e psicológica sutil que dita a dominância da pele branca como padrão em todos os departamentos da imagem — no backstage, fichas técnicas, bastidores e nas mídias. “A tecnologia deve ser o equalizador final, deve principalmente atender às necessidades de todos sem um preconceito inerente ou viés racista. Não podemos mais presumir que a cor branca é o padrão. Também é fundamental exigir da indústria visual uma nova maneira de compreender a equidade racial e cultural que não gire em torno de estatísticas, legislação e acesso a instituições”. Nesse contexto, inserir uma visão algorítmica de equidade que abarque todo o espectro de tonalidades de pele nos aparelhos tecnológicos é o caminho a ser seguido, explica.
O projeto da área de Impacto da AKQA dois anos atrás, quando, a partir de uma análise interna, a agência percebeu que alguns de seus trabalhos não retratavam fielmente a beleza da pele negra. Para corrigir esses erros em projetos futuros, a equipe pesquisou técnicas de calibração de cores, iluminação, diferenças entre tons de pele, maquiagem e cabelo, examinou o uso de IA no processamento de imagens.
“Vivemos em uma era visual. As imagens moldam a maneira como percebemos e entendemos o mundo ao nosso redor. Ao considerar como o racismo estrutural se reflete na tecnologia fotográfica, é essencial compreender que a tecnologia é um artefato humano projetado dentro de um contexto social e que nossas escolhas tecnológicas irão favorecer ou desfavorecer certos grupos com base nas estruturas de poder existentes “, diz Yago Freitas, produtor sênior da AKQA.
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