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Comunicação

Opinião: Pro dia nascer feliz

Que tal usar as redes sociais menos como uma plataforma de disputa de egos e ódios e mais como um lugar para aprendizado?


22 de dezembro de 2015 - 2h40

Por Marcos Caetano (*)

A foto do ator de Matrix, no formato de um balão de fala de história em quadrinhos saído da boca do saudoso comediante Mussum, foi a charge que talvez permaneça na história como um dos símbolos do ano de 2015. Keanu Reeves: ou “que ano horrivis”, no divertido idioma mussuniano. Que ano horrível, no nosso bom e velho — e tão maltratado — português. Não dá para discordar da fala do Mussum. Apesar da louvável tentativa de fazer humor com algo trágico, o meme é contundente: 2015 foi um ano catastrófico. Um ano no qual, coletivamente, o País teve bem pouco ou quase nada para celebrar. De forma que quem esbarrou com a felicidade no ano que se encerra certamente deveu o sentimento a méritos e conquistas individuais. Porque, no que dependeu do tal do cenário macro, da conjuntura, do conjunto da obra, a felicidade foi virtualmente impossível.

Este malfadado 2015 entra para a história como o ano em que “Mar de Lama”, que na Era Vargas era apenas uma expressão para denunciar a corrupção no governo, se tornou algo absolutamente concreto e avassalador no litoral do Espírito Santo. O episódio da barragem que ruiu e causou tanta devastação, combinado com os níveis ultrajantes de corrupção na política, nos deixou com a sensação de que vivemos tempos em que nada mais existe no sentido figurado. Tudo no Brasil vem sendo dolorosamente real e escancarado: da corrupção ao mar de lama em si. Mas, para mim, nada foi mais triste no ano que se encerra do que a divisão que notei entre os brasileiros. E não estou falando da típica divisão de classes e regiões, coisa que infelizmente sempre existiu por estas bandas. Estou falando de algo mais profundo, de pessoas que antes eram verdadeiras almas gêmeas e hoje se odeiam profundamente pelas mesas de bar e redes sociais — não necessariamente nessa ordem. Este foi o ano em que nos tornamos intolerantes até a medula e no qual tivemos de, bizarramente, escolher entre diferentes vilões da política. Odiar todos os vilões não parecia ser uma opção aceitável, ao menos pela maioria. De fato, foi um ano muito, muito esquisito.

Mas 2016 está aí — e é hora de perguntar o que podemos fazer para que ele seja melhor. Se eu tivesse de apostar em uma atitude, apenas uma, eu diria que temos de procurar concordar mais. Concordar em concordar. Não estou aqui defendendo uma sociedade utópica, na qual todos estão alinhados sobre tudo e as divergências são convenientemente varridas para debaixo do tapete. Mas é fundamental que uma sociedade se explique mais por seus pontos de concordância do que pelos de discordância. Nenhum país, empresa, movimento artístico ou grupo de biriba pode ser construído sobre uma base de discordância. A discordância também nos faz evoluir, mas não pode ser o alicerce de algo verdadeiramente sadio e produtivo.

Dou alguns exemplos. Que tal se em vez de discordar sobre qual político corrupto deveria perder seu mandato em primeiro lugar, em 2016 a gente concordasse com o conceito óbvio de que todos os políticos corruptos deveriam perder seus mandatos e irem em cana? Não seria bom se em vez de brincarmos de Meu Malvado Favorito a gente brincasse de Meu Bonzinho Favorito? Por que essa necessidade de escolher o mal menor se o nosso país precisa mesmo é do bem maior? Tem mais: e se em vez de disputarmos qual tragédia foi mais significativa para a humanidade, entre Paris e o Rio Doce, a gente se permitisse ficar triste com toda e qualquer manifestação de crime e violência no mundo — e fizesse algo de concreto para ajudar a combatê-la? O que acham da ideia de usarmos as redes sociais menos como uma plataforma de disputa de egos e ódios e mais como um lugar espetacular para aprendizados, troca de ideias e divulgação de causas que estimulem a construção?

Eu ficaria muito feliz se em 2016 a gente procurasse explicar o Brasil por soma e não por subtração. Pela soma de virtudes e pontos de concordância, em lugar da subtração de defeitos e divergências incontornáveis. Este é um veículo que fala com a elite intelectual do País. Uma elite que, por sua vez, atua em uma indústria que está entre as melhores do mundo. Eu sei que não estou escrevendo para qualquer mané. Sendo assim, eu digo para essa elite: nós somos melhores do que o que fomos em 2015. Nós somos melhores do que esses posts de “estou fazendo uma faxina na minha timeline, pois não aguento mais esses idiotas da ___________ (direita ou esquerda, complete segundo sua orientação política)”. Nós somos melhores do que um Congresso Nacional iluminado de verde e amarelo e um Palácio do Governo iluminado de vermelho. Por favor, amigos leitores, nós somos bem melhores do que isso!

Para encerrar, volto ao Mussum e ao Keanu Reeves. Gosto dessa pequena charge digital porque ela guarda vestígios das grandes armas que esse país sempre soube empunhar na hora de enfrentar tempos difíceis: o humor, a música, a arte, a cultura. A gente precisa rir mais em 2016. Cantar mais. Ler mais poesia. Fazer mais arte. Vocês sabem disso. Na ditadura militar, enquanto o couro cantava nas salas de tortura, o Pasquim debochava da dor e o bêbado usando chapéu coco fazia irreverências mil para a noite do Brasil. Pedimos eleições diretas e derrubamos o Collor dançando nas ruas. Na noite da eleição do Tancredo eu estava no Rock in Rio, e quem deu a notícia para a molecada de verde e amarelo foi ninguém menos do que Cazuza. Naquele show eu ouvi Pro Dia Nascer Feliz com um sentimento absolutamente diferente e com uma compreensão superior. Desde então, eu nunca mais ouvi essa música pensando num casal que virava a noite fazendo amor — mas sim como um hino à liberdade, à perseverança e a um Brasil melhor e mais feliz. Apesar de tudo.

Eu desejo, de coração, que a alegria que senti ao ouvir o Barão Vermelho tocando aquele pequeno clássico do rock nacional, na distante noite de 15 de janeiro de 1985, possa ser a mesma que vocês usarão para encarar o complexo ano de 2016.

(*) Marcos Caetano é sócio global da Brunswick Group LLC e escreve mensalmente para Meio & Mensagem

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