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Mídia: onde pulsa a comunicação

Ana Paula Duarte, da Unilever Brasil, analisa as transformações da mídia nos últimos anos e exalta orçamento baseado rigorosamente no consumidor


9 de junho de 2023 - 14h20

 

De atividade técnica que, no passado, ganhava relevância apenas na fase final do desenvolvimento de uma campanha, já que dizia respeito a articular a estratégia de onde veicular as peças que já estavam criadas, a mídia, ou o meio, é, hoje, tão ou mais importante que a mensagem, já que muitas vezes determina o estilo do conteúdo. Com tudo isso, a própria atividade dos profissionais de mídia tem mudado constantemente, tanto nas agências, quanto nos anunciantes.

Nesta entrevista, Ana Paula Duarte, diretora de mídia da Unilever Brasil e líder de digital, mídia e commerce para personal care América Latina, do alto de seus 21 anos de casa, sendo os últimos oito na mídia, analisa toda essa transformação. A executiva revela a organização da área dentro da gigante de bens de consumo, compara os modelos estrangeiros e o brasileiro, no que diz respeito à união (ou não) entre mídia e criação, e aponta como todo investimento é rigorosamente baseado no consumidor, inclusive para saber quando vale investir num horário ou espaço premium.

Ana Paula Duarte, diretora de mídia da Unilever Brasil e líder de digital, mídia e commerce para personal care América Latina (crédito: Arthur Nobre)

Meio & Mensagem – Recentemente, publicamos artigo de uma executiva de agência sobre quanto as mudanças da mídia tornaram até difícil alguém da área descrever seu cargo numa ficha técnica. Qual o panorama para quem trabalha mídia no lado anunciante do balcão?

Ana Paula Duarte – Isso é muito interessante mesmo, até porque o termo mídia é muito amplo. Dentro de mídia existem diferentes perfis de profissionais e de expertises. Vou dar um exemplo dos perfis que temos aqui na Unilever, do lado anunciante. Temos bastante foco e expertise em mídia e um time que é dividido em Comercial, responsável pela negociação de todos os meios – TV, digital, out-of-home, até influenciadores a gente faz a negociação, como um canal de mídia extremamente importante; tem uma parte que chamamos de Operação de Mídia, que é o controle financeiro, dos reports, contratos com todos os fornecedores de tecnologia, que hoje são muitos; e a parte com a qual as pessoas mais se relacionam, que é o planejamento estratégico e execução de campanhas de mídia, que fica muto com a agência, com a aprovação interna dos times da Unilever também. Mais recentemente, tem outros especialistas que se juntaram aos times de mídia, como especialistas em criação de audiências, coleta e uso de dados, que fazem o gerenciamento das DNPs, por exemplo, e em retail media – toda a mídia para o varejo, de conversão – também passaram a fazer parte do time. Por isso, quando falamos “mídia” é extremamente amplo. Depende a qual parte da mídia está se referindo. Hoje, um time completo, vai ter diferentes perfis de especialistas.

M&M – A separação entre mídia e criação nas agências, algo que não existia por aqui, tem crescido no Brasil, sendo que alguns executivos de fora elogiavam justamente essa característica no modelo brasileiro. Qual sua opinião sobre essa nova dinâmica em curso?

Ana Paula – Acredito na liberdade de escolha e na livre concorrência. A cada empresa cabe escolher, junto com sua agência, o melhor modelo que vai servir aos objetivos estratégicos daquela empresa, porque dependendo do objetivo estratégico pode haver diferentes modelos. Eu, pessoalmente, morei fora, a trabalho pela Unilever, duas vezes – nos EUA e na Inglaterra. Na Inglaterra, inclusive, ocupei uma vaga de mídia que era global. Tive muito acesso às agências puramente de mídia. Nesses casos, nesses mercados, o core dos talentos são talentos de mídia. A discussão estratégica é mais rica, mais profunda, mais técnica e mais de longo prazo também. Existe um capability e um know-how. A forma como esses talentos são criados para pensar estrategicamente sobre mídia é extremamente interessante. Obviamente, viver todos os dias também um modelo como o do Brasil, em que a criação está junto com a mídia, tem seus benefícios, quando é bem realizado. Você consegue alavancar melhor a criatividade quando as duas coisas andam juntas, mas mídia é uma área extremamente técnica, de bastante rigor e aprendizado. Já vi agências que eram muito boas em criação e não necessariamente tão boas em mídia e vi o contrário, agências muito boas em mídia que não necessariamente eram boas em criação. Por isso acho que quando você tem uma diversidade de marcas, de categorias e diferentes dinâmicas de mercado cabe a cada empresa analisar qual modelo vai funcionar melhor para o que está querendo naquele momento, se é criação junto com a mídia, se é separada. Acredito nesse poder de escolha e na livre concorrência.

M&M – Para você, que tem uma carreira longa na Unilever, que tipo de mudanças no escopo de atuação dos profissionais de marketing e mídia vieram para melhorar a vida e, por outro lado, do que é mais desafiador dar conta agora?

Ana Paula – Mudou radicalmente. Estive 12 anos e fiz todas as cadeiras possíveis de marketing na Unilever, seja operação local, América Latina ou global, inovação e até trade e customer. Há oito anos, fui para a parte de digital, de mídia, e agora também de retail media. Se tem algo que veio para facilitar é a noção de que você não sabe tudo, não precisa ser especialista em tudo. Tem que contratar essa expertise de fora e trazer especialistas para assuntos especializados. Esse foi o maior ganho de cultura das empresas, principalmente para digital, para dados, de ver que precisavam ir para o mercado para trazer pessoas e formar times mais complementares. Hoje, quando vou para uma discussão de time, tem obviamente muita gente de longa data, mas também muita gente nova na Unilever. E esses diferentes perfis se complementam. São especialistas de diferentes áreas que, juntos, conseguimos fazer um plano mais forte, mais integrado e melhor. Quando comecei a carreira de marketing, tinha a história de que o marketeiro precisava saber tudo, dar todas as respostas. Com a complexidade e evolução de todos os capabilities, ficou claro que era preciso times maiores e com diferentes expertises. Já a grande dificuldade é a priorização da agenda. A quantidade de interfaces e de relacionamentos com qualidade para gerenciar no mercado cresceu, sejam os veículos de mídia (que cada vez são mais), sejam as agências de criação, de mídia, de influenciadores; nos fornecedores de tecnologia também a quantidade de interfaces cresceu muito. Para gerenciar tudo isso, cada um precisa estabelecer dentro do seu time quem vai ser a interface com quem, para ter relações com o mercado que sejam profissionais e com qualidade, porque nem todo mundo vai saber de tudo. Hoje, por exemplo, se tenho que falar de dados, tenho especialista em dados no meu time que peço para ir àquela reunião, para falar um pouco sobre como vamos coletar, como vamos usar. Se é para falar de data privacy, tem outra pessoa, uma gerente que vai. É um ponto que encontramos para ter uma melhor interlocução com o mercado.

M&M – Fala-se muito, hoje, sobre a relação mídia e commerce. Como e o quanto essas duas áreas têm dialogado hoje e como você vislumbra o futuro dessa dupla?

Ana Paula – São duas áreas que precisam andar muito juntas. A experiência, para o consumidor, tem que ser integrada, holística. E para mensurar resultado, devemos ser capazes de mensurar como um todo. Na Unilever, desde julho do ano passado, mudamos a estrutura. Toda parte de retail media passou a ser liderada pelo time de mídia de cada uma das unidades de negócio. Toda a interface e interlocução com os players de retail media – Amazon, Mercado Livre, RDS – passou a ser feita pelo time de mídia e, obviamente, temos uma integração com o time de e-commerce, operação comercial, logística de produto. São duas áreas que precisam estar sempre tendo visibilidade total, tanto do investimento quanto do plano e que cada vez mais vão ter que ajustar as formas de trabalhar para evoluir e entregar algo ao consumidor de forma mais integrada. Cada empresa tem seu modelo, mas, na Unilever, posso falar que existe integração das áreas . Retail media já é uma área comandada pelo time de mídia, junto com a agência, que faz a execução dos planos. E a área de e-commerce trabalha bem próximo do nosso time também.

M&M – O levantamento do Agências e Anunciantes está apontando que houve aumento de 22% nos investimentos em mídia da categoria Higiene e Beleza, ano passado. Qual deve ser o panorama este ano?

Ana Paula – Atuamos tanto em higiene e beleza, que tem uma importância enorme, mas também em nutrição e em sorvetes. São cinco unidades de negócio diferentes, com dinâmicas muito distintas. Um dado superimportante para mencionar é que a Unilever está presente em 100% dos lares brasileiros, com pelo menos um produto e acredita na força da mídia para levar a mensagem de todas as nossas marcas de forma efetiva para o consumidor. A Unilever é um dos maiores anunciantes brasileiros desde sempre e vai continuar sendo, justamente por acreditar no poder da mídia para a efetividade do negócio. Esse dado, sim, mostra uma retomada do mercado no pós-pandemia e a Unilever, como o mercado, faz parte dessa retomada.

M&M – Você está cuidando de personal care, que é um ramo muito competitivo no Brasil, uma vez o nosso é um dos maiores mercados globais para esse segmento. Em que aspectos essa alta concorrência especificamente influencia as estratégias e planejamento de mídia da companhia?

Ana Paula – Vale fazer uma ressalva que a líder do “negócio” de personal care no Brasil é a Poliana Sousa. Eu peguei uma vaga em que sou líder de digital, mídia e commerce para personal care para América Latina, Brasil incluso, e responsável por mídia para Unilever Brasil, tenho esse duplo chapéu. Como você disse, o Brasil é um mercado extremamente competitivo, não só de marcas multinacionais, mas como de marcas locais que a gente respeita bastante e, claramente, o mercado faz, às vezes, a gente adequar nossa estratégia, dependendo do cenário competitivo, mas na maior parte das categorias em que a Unilever opera, ela é líder. E, de novo, quando pensamos em mídia, pensamos em longo prazo e não só em curto. E pensamos nos objetivos de negócio. As estratégias são alinhadas com cada líder de negócio, personal care com líder de personal care, beauty com a líder de beauty, nutrição com nutrição e assim por diante. A estratégia de mídia é personalizada para atender cada unidade de negócio. Temos, obviamente, uma consolidação, como Unilever Brasil, mas respeitamos profundamente as dinâmicas de cada uma das categorias.

M&M – Que categorias de produtos deverão receber mais reforços de mídia em 2023 e por quê?

Ana Paula – Toda a estratégia de meios, canais ou veículos onde vale mais investir é algo que sempre estamos olhando e fazemos uma análise bem profunda desde o início do ano para saber onde vamos direcionar os investimentos. Não abrimos percentual por meio, mas fazemos uma análise profunda totalmente com base em aprendizados do consumidor. Olhamos todas as pesquisas de consumidor, depois todos os resultados que tivemos dentro das categorias para definir para onde vai o dinheiro de forma mais efetiva. Vamos acompanhando mensalmente os investimentos e adequando de acordo com a necessidade. Um ponto importante é que não é baseado em opinião pessoal, numa tendência ou outra, mas realmente olhando o consumidor de todas as classes sociais. Atendemos todas as classes, com um portfólio muito abrangente. Há marcas mais nichadas, que terão um plano de mídia completamente diferente de outra que é extremamente massiva e tem penetração enorme no Brasil. São realidades de marcas diferentes. Pode ter uma pequena e outra gigantesca, que é quase do tamanho de uma empresa dentro da Unilever. Nesse sentido, a estratégia muda radicalmente de uma marca para outra.

M&M – A inflação tornou-se um tópico global e atingiu também a mídia. Além disso, no final do ano passado houve, ainda, aquela confluência de Copa, Black Friday e Natal, o que tornou os espaços mais disputados. Neste momento, qual é a situação nesse sentido?

Ana Paula – Desde sempre a Unilever olhou para a inflação de mídia. Eu comecei na área há oito anos, mas muito antes de eu chegar já se olhava para todos os parâmetros de inflação de mídia e tem reports muito claros de eficiência em mídia que conseguimos em cada uma das negociações que a gente faz. Temos um time dedicado que faz as negociações com o mercado, olhando parâmetros mercadológicos – quanto o meio cresceu, audiência, quanto foi a inflação. Porque acreditamos muito no modelo ganha-ganha. Quando vamos para as negociações com os veículos, vamos com a clara noção do que a gente acha que é justo, quais são os parâmetros e abrimos esses parâmetros também para os veículos. Tem uma relação – e a Unilever é conhecida por isso, principalmente o time da Unicell, que temos internamente – bastante profissional com o mercado. Sabem que quando vão negociar com a Unilever, que a empresa se preparou antes para essa negociação, que olhou para a inflação, para como está o mercado utilizando aquele meio. E temos tão claros os KPIs, de até onde vale, que fico tranquila quando vamos falar “não”. Somos bem transparentes nesse sentido. Diria que uma das áreas onde a Unilever é mais rigorosa é justamente no controle de preço, de inflação, mas não só no sentido do preço pelo preço e sim da análise mercadológica. Até porque outro ponto extremamente importante é que muitas vezes não só o que é mais barato é mais efetivo para as marcas. Você sabe, com análises estratégicas, que vale pagar um premium, para estar naquele meio, naquele veículo, num horário ou programa determinados. É tudo baseado em dados. Depois, vendo as pesquisas que vêm de consumidor, vemos onde está e não está funcionando. Existe um controle de métricas de eficiência, mas não é só sobre eficiência (de preço).

M&M – Considerando todos esses desafios sobre os ombros do profissional de mídia, estejam vocês em agências ou anunciantes, que argumentos você acha que são os melhores para atrair e manter novos talentos nessa área?

Ana Paula – A mídia é extremamente dinâmica. Então para pessoas que têm perfil de se adaptar… é aquela frase super usada, mas que para a mídia é fundamental: tem que ter capacidade de aprender, desaprender, reaprender. Esse é o perfil que vai ter sucesso dentro de mídia. Muda tudo muito rapidamente, é muito dinâmico, são muitas relações e interfaces. Se a pessoa não tem essa capacidade de adaptabilidade, curiosidade, estar sempre revendo o que aprendeu e aprender coisas novas, mídia não seria a área que eu recomendaria. Um profissional de mídia precisa estar com o pulso no mercado continuamente. E você falou um pouco do quantitativo e o que é métrica, e o qualitativo, o que é efetividade, inovação e pioneirismo, onde vamos fazer alguma disrupção, que também é importante. E nem sempre você vai encontrar isso no mesmo perfil. Acredito piamente na diversidade de times e times complementares. Em ter uma pessoa muito disruptiva, que vai trabalhar inovação e estratégia de forma brilhante e ter uma pessoa também muito focada em números, eficiência, reports e que vai te entregar isso de forma brilhante também. É o reconhecimento da pluralidade dentro da mídia. Tanto que quando abrimos uma vaga de mídia, deixamos bem claro qual é o perfil. São vagas bem diferentes.

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