Start no licenciamento
Como personagens que evoluem e passam de fase na dinâmica de um jogo, o mercado de games extrapolou as telas dos consoles, PCs e smartphones dando vida ao licenciamento de produtos dos mais variados segmentos.
Como personagens que evoluem e passam de fase na dinâmica de um jogo, o mercado de games extrapolou as telas dos consoles, PCs e smartphones dando vida ao licenciamento de produtos dos mais variados segmentos.
Meio & Mensagem
28 de outubro de 2019 - 18h01
Por Renato Rogenski e Thaís Monteiro
Como personagens que evoluem e passam de fase na dinâmica de um jogo, o mercado de games extrapolou as telas dos consoles, PCs e smartphones dando vida ao licenciamento de produtos dos mais variados segmentos. Ao associar sua marca a esse universo, as companhias esperam abocanhar uma parte do mercado gamer, que em sua totalidade deve gerar globalmente US$ 152 bilhões em receitas em 2019, segundo estudo da consultoria Newzoo.
Somente no Brasil são mais de 75 milhões de jogadores, que movimentam cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano, segundo uma pesquisa divulgada neste ano pelo Datafolha para a Brasil Game Show. Neste contexto, o licenciamento tem muito o que crescer. “No mundo inteiro, a indústria dos games já se tornou gigante e no Brasil o movimento não é diferente. O perfil do gamer vai do adolescente aos que possuem maior poder aquisitivo. Basta visitar os grandes eventos dedicados a esse público ou assistir aos campeonatos”, afirma Sabrina Freitas, head de licenciamento de marcas Globosat, que, em agosto deste ano estreou no licenciamento de games por meio de uma parceria com a desenvolvedora Ubisoft.
Apesar dos números expressivos e das expectativas do futuro, a avaliação entre profissionais do mercado é que o Brasil está muito longe de explorar todo o potencial que tem para desenvolver no mercado gamer, principalmente no quesito licenciamento de produtos. “Acredito que estamos na fase inicial, apenas tateando a amplitude dos resultados que podem ser alcançados num futuro bem próximo”, pontua Alexandre Volpi, CEO da Vertical, agência que licencia no Brasil a marca Playstation e os jogos God of War, The Last of Us e Uncharted.
Na visão de Marici Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Licenciamento de Personagens e Marcas (Abral), o País começou a olhar com mais cuidado para esse mercado há uma década, quando Angry Birds foi lançado. Somadas, todas as versões dos jogos da franquia tiveram 4,5 bilhões de downloads desde 2009 no mundo, de acordo com a Rovio, sua desenvolvedora. Na esteira dele, analisa Marici, outras marcas fortes passaram a atuar de forma mais presente no licenciamento, entre elas, Super Mario Bros, Pokémon, Minecraft, Call of Duty e League of Legends. “O segmento cresce e apresenta múltiplas oportunidades de negócios para a indústria e o varejo. O movimento de cultura pop vem promovendo oportunidades em diversas áreas e o setor de licenciamento tem, ainda, muito espaço para explorar”, explica.
Combo de oportunidades
O mesmo Angry Birds mencionado por Marici, aliás, foi determinante para a criação da agência Tycoon 360 no Brasil. A oportunidade de licenciar a marca do jogo no País, em 2013, fez a executiva Erica Giacomelli abandonar o seu sabático para criar a empresa que opera em um modelo de joint venture com a Tycoon, grupo que nasceu em 1990 e atua também em outros mercados da América. Atualmente, além de Angry Birds, a empresa em que é sócia e general manager licencia as marcas da Activision (Call of Duty, Crash Bandicoot, Spyro), Angry Birds, Authentic Games, Candy Crush e Ubisoft (Assassin’s Creed, Ghost Recon Breakpoint, Far Cry, Watch Dogs, The Division).
Na avaliação da executiva, o mercado ainda é muito carente e desinformado. “As indústrias querem entrar, mas não sabem como fazer. E os profissionais de marketing precisam de muita informação para defender a ideia para o time de vendas e o varejo. É um trabalho de educação que precisamos fazer com todo mundo”, pontua.
Se a venda de produtos já é um atrativo poderoso para entrar no licenciamento com marcas de games, os aspectos mais intangíveis também são sedutores na visão dos profissionais do meio. Para Erica, é um segmento que tem características muito propícias, porque tem conteúdos que se renovam com frequência (novas versões de jogos, por exemplo), menos dispersão por se conectarem diretamente com os fãs da franquia e nível de interatividade e conexão únicos com os consumidores.
Para ela, também é uma vantagem o fato de os games não estarem restritos a faixas etárias especificas, o que aumenta o seu ciclo de relacionamento com o consumidor, diferente das marcas infantis, que deixam de fazer sentido para as crianças a partir de certa idade. Com visões interdisciplinares do mercado de licenciamento de games, tanto Erica Giacomelli como Alexandre Volpi apontaram os segmentos de moda e acessórios, volta às aulas e presentes como aqueles que já entenderam melhor o potencial do segmento.
O jogo da indústria
Uma das varejistas que optou por investir nesse segmento crescente foi a Riachuelo que, desde 2015, comercializa produtos direcionados ao público geek e, hoje, tem itens licenciados de 15 marcas de games como Super Mario Bros, Zelda, Sonic, Sega, Fortnite e, mais recentemente, League of Legends, cujos produtos já estarão disponíveis no estande da marca na CCXP deste ano.
A empresa começou no segmento com itens de vestuário, mas hoje tem produtos relacionados a games nas categorias de acessórios, papelaria, garrafas de água, produtos para casa e outros. Júlia Medeiros, gerente de licenciamento da Riachuelo, adianta que há “boas perspectivas” da ampliação deste portfólio em breve. “Sentimos uma grande carência de produtos ligados ao universo dos games. Desde então, temos ampliado nosso portfólio de marcas e intensificando novas linhas de produto todos os anos. No final de 2017 já tínhamos um portfólio de marcas gamers bem interessantes, que nos permitiu participar da BGS e esse ano da Game XP, eventos direcionados ao público amante dos games”, contextualiza Júlia.
Outra marca que divide a CCXP com a Riachuelo e compartilha a percepção sobre as oportunidades nesse mercado é a Piticas. A marca investe em games desde 2016 a partir de uma linha de vestuário de Playstation. Hoje possui licenciados de jogos como OverWatch e WarCraft, da Blizzard. Ainda neste mês, a empresa lançou a coleção Marvel Gamer, na Brasil Game Show. Com ela, Felipe Rossetti, sócio-fundador da Piticas, espera que a receita com a venda de produtos licenciados de games suba dos 6% atuais para 10%. O próximo passo é “expandir o mix”, diz, com lançamentos de canecas, acessórios, bonés, chaveiros, pins, entre outros. O executivo destaca que o público consumidor desses produtos tem um tíquete médio mais alto e uma frequência de compra maior do que a média de mercado.
Este ano, a marca ainda lança uma linha de League of Legends na CCXP e de Pac Man em 2020. Além disso, Piticas antecipa que anunciará um patrocínio master a um time de e-sports. “Queremos nossa marca inserida nesse universo, e continuaremos fazendo produtos que não são para os gamers, mas que são os gamers, queremos a personalidade deles dentro do produto”, afirma.
Game global
O mais recente player a entrar no mercado de licenciamentos de games é a Globosat, já mencionada parceira da Ubisoft na criação de linhas de vestuários, acessórios de volta às aulas, decoração, colecionáveis e outros produtos relacionados aos jogos da desenvolvedora.
No momento a companhia estuda os universos dos jogos Rainbow Six e Just Dance, os primeiros a serem explorados. De acordo com Sabrina Freitas, Rainbow Six tem o apelo de trazer fatos e locais reais em sua narrativa e deve ir bem com o público masculino jovem adulto, apesar de colocar que pretende atender ambos os gêneros. Já Just Dance tem um público mais ampliado pelo próprio usuário do jogo, que inclui crianças, adultos, famílias, e poderá atrair a atenção de não jogadores, pois a Globosat explorará o game sob a perspectiva da moda, preservando a atitude positiva, alegria e espírito jovem da marca.
Até então, a programadora tinha uma área de licenciamento de três anos, com 70 milhões de produtos vendidos, porém focada nas marcas infantis de Gloob e Gloobinho. A expertise desenvolvida nesse mercado será explorada com games. “Apesar de o mercado infantil ser muito diferente do gamer, acreditamos que o conhecimento profundo do conteúdo é o que nos faz pensar em produtos atraentes aos fãs das nossas marcas. Os jogos também são conteúdo e trazem histórias cheias de profundidade”, coloca.
Para a executiva, o potencial de mercado do público que consome jogos eletrônicos se encontra, em parte, na grande quantidade de produtos piratas, artesanatos e de “faça você mesmo” que circulam nas comunidades. Ela define essa movimentação como “demanda de consumo reprimida”. “Mas com um mercado mais abastecido é que vamos poder testar melhor a elasticidade de preço e a jornada de consumo. Queremos acompanhar os gamers na experiência deles jogando e ajudar a extrapolar, a ter seu operador ou game favorito, por perto, mesmo quando não estiver jogando”, descreve.
Cinema e TV
Muito além de produtos de vestuário e papelaria, nos últimos anos os games têm ganhado espaço no entretenimento, seja na programação de redes de cinema e canais de TV aberta e por assinatura, ou até mesmo com shows no teatro e outros locais. O segundo filme da franquia Angry Birds, por exemplo, está atualmente em cartaz com produção da Sony Pictures, da multinacional Sony. Em maio deste ano, a empresa anunciou a criação do estúdio PlayStation Productions, com o objetivo de selecionar e adaptar jogos para filmes e séries de televisão. O investimento renderá o live-action de Uncharted, longa produzido por Sony Pictures com apoio da PlayStation Productions que terá Tom Holland como protagonista e será lançado em dezembro de 2020, e uma série sobre o game Twisted Metal, ainda sem previsão de lançamento. Outros exemplos são Tomb Raider: A Origem, baseado na série de jogos Tomb Raider e os filmes do jogo homônimo Need For Speed e Assassin’s Creed.
“Há um movimento nesse sentido desde o momento em que os games se tornaram mainstream, ou seja, alcançaram bilhões de pessoas a partir dos smartphones. Junte isso ao fato de que a o público mais jovem consome quase que exclusivamente conteúdo por meio dessas telinhas, com games, redes sociais e vídeos sob demanda. Nesse cenário fica evidente a imensa oportunidade de se desenvolver propriedade intelectual a partir dos games e com projetos transmidiáticos”, contextualiza Christian Lykawka, fundador da Rockhead Games
A Rockhead Games é desenvolvedora, entre outros, do Starlit Adventures, jogo mobile de aventura lançado em 2015. Atualmente, a empresa está em processo de coprodução de uma série animada baseada no jogo junto com outras empresas brasileiras e estrangeiras. A previsão é que os primeiros episódios fiquem prontos em 2021. Starlit Adventures já foi inspiração para revistas em quadrinhos e, de acordo com Christian, o lançamento do game quatro anos atrás já previa a expansão da marca em uma série animada.
Apesar de considerar as produções audiovisuais desafiadoras em termos de modelo de negócio, o executivo reconhece que filmes e séries aumentam radicalmente a exposição de uma marca em nível mundial. Da mesma forma, Alexandre Machado, dono da produtora 44 Toons, acredita que o audiovisual pode beneficiar os jogos. “Se o público foi capaz de se engajar com uma série ou filme, naturalmente vai querer experimentar mais daquele universo e o jogo deve expandir o que ele já viu”, opina.
A 44 Toons começou desenvolvendo games na década de 1990 (na época como 44 Bico Largo), mas expandiu seus negócios com a produção de quadrinhos, revistas e, mais recentemente, séries de TV e filmes para cinema a partir dos personagens lançados nos jogos criados pela empresa. A partir do protagonista Gustavo do jogo O Enigma da Esfinge, a 44 Toons criou a turma BugiGangue que ganhou espaço no cinema com o longa-metragem 3D BugiGangue no Espaço, de 2017. Outra série como Osmar, A Primeira Fatia do Pão de Forma, foi exibida no Gloob, TV Cultura e estará disponível na Amazon Prime Video em breve. “Um bom personagem trafega em qualquer mídia, quanto mais completo ele for, melhor sua aparição em uma nova mídia”, coloca Alexandre.
Nível hard
Se por um lado há um enorme potencial a ser explorado, do outro o mercado de licenciamento de games terá que superar uma série de desafios complexos para poder evoluir. Para Julia, a indústria tem dificuldade em acompanhar a velocidade do segmento e desenvolver produtos que criem uma conexão direta com o cliente que é apaixonado pelos jogos. Para tentar trafegar melhor nessa área, a companhia criou um departamento que ajuda a desenvolver suas linhas de produtos para esse consumidor. “Trabalhamos com a paixão do público, então temos a responsabilidade de oferecer um produto que não só atenda uma necessidade, mas que gere desejo e mexa com a sua emoção. São gamers criando para gamers”, relata.
Felipe também observa o alto nível de exigência desse target, que ele diz estar sempre atento a novidades, características e detalhes das estampas. Sob um ponto de vista mais expandido, para além da indústria, Alexandre, acredita que o principal desafio é o de fazer os produtos chegarem às prateleiras. Em sua visão, para quem possui uma propriedade de marca ligada a games, não basta apenas convencer as empresas a licenciarem produtos e serviços com suas marcas. É preciso também dar-lhes suporte para abastecer vendedores e lojistas com informações sobre as oportunidades desse mercado.
Na concepção de Erica, para que o mercado evolua mais, é preciso aumentar os canais de vendas, distribuição adequada e maior mix de produtos nos varejos que já comercializam produtos ligados de alguma forma a qualquer marca de games. Como exemplo, ela cita o mercado americano, que conta com diversos varejistas especializados, como é o caso da famosa rede de lojas para o segmento GameStop.
Apesar de todos os desafios, Alexandre vê boas perspectivas como tendências para um futuro próximo.
Em sua percepção, os pioneiros, que já investem no segmento e conhecem a dinâmica, sentem-se cada vez mais à vontade para assumir riscos. “Além disso, as ações promocionais, que contam com maior agilidade para chegar ao mercado, devem ganhar maior destaque. E veremos um crescimento consistente nos programas de licenciamento de propriedades clássicas de games, mais ligadas a estilo de vida e cultura pop”, afirma.
Game original
O quarto (e último) episódio da série Jornada Gamer, publicado no canal Meio & Mensagem no YouTube, traz relatos de jogadores sobre o significado da arena na sua trajetória pela profissionalização, de que forma as marcas se inserem nesse contexto e como essa relação pode melhorar.
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