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Opinião

50 anos e o que tem pela frente

É o momento ideal para as empresas investirem em campanhas e treinamentos internos para que os colaboradores entendam, de fato, a importância de mulheres mais experientes nas organizações


18 de julho de 2022 - 10h18

(Crédito: lenoleum/Shutterstock)

A primeira vez em que entrei na redação de um jornal foi aos 18 anos, quando cursava meu primeiro ano da faculdade de jornalismo. Estava completamente encantada com a possibilidade de trabalhar ali, e a primeira coisa que notei foi que não havia mulheres com mais de 30 anos. Um ano mais tarde, comecei a trabalhar como freelancer no mesmo jornal e parecia nítido que até os 30 eu teria de pensar em outra coisa para fazer. Não existia mercado para “velhos” daquela idade. Para o bem e para o mal, hoje, três décadas depois, o panorama mudou muito e a comunicação digital abriu um novo leque de opções.

Quando completei 30 anos, fui gerente de homepage e entretenimento em um portal de internet. Aos 40, dirigi a área de conteúdo de uma agência de publicidade. E, no mês que vem, que completo 50 anos, como ocorre com muitos executivos – homens -, acredito estar no auge da minha carreira: dirigindo o editorial do Yahoo em três mercados e atuando também como country manager da companhia no Brasil.

E o que vem pela frente? Quantas mulheres com 60 anos vemos atuantes em corporações, em cargos de liderança e vislumbrando boas oportunidades em suas carreiras? Lembrando que pesquisas de longevidade, divulgadas recentemente pela ONU, apontam que muitas pessoas da minha geração poderão ultrapassar os 100 anos. Eu posso, então, estar chegando à minha primeira metade, pois passei 65% do tempo trabalhando, já que meu primeiro emprego foi aos 17 anos, como auxiliar em um consultório de oftalmologia.

De acordo com um levantamento realizado pela Grant Thornton em 2022, as mulheres ocupam 38% dos cargos de liderança no Brasil, número que caiu 1% em relação ao ano anterior. A pesquisa “Atitudes Globais pela Igualdade de Gênero”, do Instituto Ipsos, ainda aponta que 27% das pessoas admitem se sentir desconfortáveis em ter uma mulher como chefe. Muitas vezes me pergunto: como é ser uma mulher de 60 anos chefe na indústria de comunicação e tecnologia? E ao mesmo tempo penso: “bom, daqui a 10 anos poderei responder a esta pergunta com toda a experiência adquirida ao longo da jornada e espero que seja uma das minhas melhores vivências”.

Mas, por que eu falo isso? Porque para escrever este artigo, busquei por pesquisas que falassem sobre mulheres em cargos de liderança com mais de 50 ou 60 anos e não encontrei nada. O que é um tanto quanto preocupante, pois cansamos de ver estudos e dados sobre os homens 50+ no mercado de trabalho.

Em dois eventos recentes que participei, foi discutida a importância da diversidade etária aliada à equidade de gênero nas empresas. Eram eventos de mulheres para mulheres, totalmente focado no público feminino. Nunca ouvi nada a respeito em eventos que não fossem dedicados apenas para mulheres. Acredito que esse seja o momento ideal para as empresas passarem a investir em campanhas e treinamentos internos para que os colaboradores entendam, de fato, a importância de mulheres mais experientes nas organizações e como a vivência delas pode ser explorada no dia a dia.

Há algo mais a falar sobre o avançar da idade. Falo em meu nome, obviamente, mas tenho certeza de que encontrarei vários ecos: à beira dos 50, nunca me senti tão bem. Estou na minha melhor condição física e de saúde, pratico exercícios físicos – cinco dias por semana, me sinto confortável com meu corpo, aprendi a dosar minha energia e meu tempo, inclusive entre o trabalho e a vida pessoal. Eu me respeito quando estou cansada e preciso parar, porque sei que não vou render mais. Esse equilíbrio me tornou uma profissional melhor, que reconhece e aproveita a bagagem que carrega. Que ouve muito – afinal, não consigo acompanhar tudo. Que se permite tentar, para errar e aprender.

Sabe o tal autoconhecimento? Não acho que ele tenha necessariamente a ver com a idade, mas, para mim, chegou com esse amadurecimento. A Alessandra de 50 anos é totalmente diferente da de 40. E é melhor!

Recentemente, tive dois insights sobre isso. Para um treinamento, fiz o teste Clifton Strengths, da Gallup, que usa uma metodologia para avaliar, entre 34 características, as cinco que você tem como mais relevantes, que seriam as suas cinco principais forças, sendo que uma delas se sobrepõe às demais. A minha é input.

Saber disso foi como tirar um véu que embaçava minha vista de tudo o que eu imaginava a respeito da minha vida profissional. Me fez lembrar de uma conversa que tive com uma outra mulher, jornalista e escritora que admiro bastante, a Adília Belotti. Eu, nos meus 30 e poucos anos; ela, nos seus 50 e poucos. Eu dizia que achava que, de alguma forma, tinha sorte na minha então iniciante carreira de liderança, pois usava muito a minha intuição para tomar decisões. Ela me respondeu que não era intuição, mas uma mistura de conhecimento, pesquisa, experiência, ouvir pessoas, ir e voltar com ideias até formar uma conclusão. Input.

Diversidade e inclusão dentro das empresas

O outro insight ocorreu poucas semanas atrás, conversando com uma pesquisadora para um treinamento sobre diversidade para o time do Yahoo Brasil. Ela me disse que precisávamos aprofundar o olhar para tratar a diversidade dentro da diversidade. “Uma mulher branca, cis, de classe média, que nasceu, cresceu e foi criada próximo dos Jardins tem uma experiência de vida completamente diferente da mulher branca, cis, de classe média, que nasceu e cresceu na periferia”.

Foi quando mais um véu caiu dos meus olhos. E então parei para refletir sobre mim: uma mulher nascida na Vila Sacomã, morando ao lado da comunidade de Heliópolis, a maior de São Paulo nos anos 70 e 80, acostumada a brincar nas ruas do bairro com realidades completamente diferentes da minha, que vinha de uma família de classe média baixa, mas estudava em uma escola particular. Uma escola de padres, que algumas vezes por ano levava seus alunos para passar um dia na comunidade de Heliópolis para ajudar as merendeiras das escolas, brincar com as crianças do maternal e distribuir doações. Um projeto do padre Júlio Lancellotti. Depois, uma faculdade feita a partir de uma bolsa de estudos, o trabalho fixo a partir dos 17 anos, assumir o sustento da família a partir dos 20 anos e sempre desde então.

Essa história não tem como estar descolada de quem eu sou, de como lidero, das minhas prioridades na vida. Sempre soube dessa bagagem, mas é estranho – e uma feliz revelação – só me dar conta agora de que isso afeta cada decisão que tomo, com quase 50 anos.

Como disse aquela mesma amiga, a Adília Belotti: “é tão divertido fazer 50 anos, você vai adorar. Tem tanta coisa nova para descobrir e se permitir fazer”. Ela tem razão. Ainda me pego algumas vezes pensando naquela redação de jornal, décadas atrás, sem mulheres de 30 anos ou mais. É bom fazer parte de uma onda de mudança. Para melhor!

O que dizer de tudo isso? Apenas que devemos viver todos os anos com intensidade, aproveitando as oportunidades, experiências, descobertas e diversão que a vida nos reserva… E que muitas outras mulheres possam desfrutar desta mesma sensação de liberdade e identificação.

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