A Nestlé vai desistir do chocolate?
A venda da divisão de doces nos Estados Unidos para a Ferrero vai além de um alinhamento de portfólio e sinaliza o foco da empresa em alimentação saudável
A venda da divisão de doces nos Estados Unidos para a Ferrero vai além de um alinhamento de portfólio e sinaliza o foco da empresa em alimentação saudável
Luiz Gustavo Pacete
18 de janeiro de 2018 - 7h44
A compra da divisão de doces da Nestlé nos Estados Unidos pela italiana Ferrero, anunciada nesta terça-feira, 16, foi a segunda grande transação envolvendo Mark Schneider, CEO da companhia suíça desde dezembro de 2016. Os analistas de mercado já davam a venda como certa e indicavam que esse movimento da Nestlé — em se desfazer de marcas de chocolates e confeitos como BabyRuth, Butterfinger e Crunch – vai muito além do que apenas redirecionar esforços no portfólio, mas compõe a missão de Schneider: orientar a companhia para um portfólio mais saudável.
O movimento da empresa, desde que Schneider assumiu, está em linha com o que outras grandes companhias de alimentos como PepsiCo, General Mills e Kraft Heinz vêm fazendo. Em dezembro do ano passado, a Nestlé pagou US$ 2,3 bilhões pela fabricante de vitaminas Atrium Innovations. Já sua divisão de doces nos Estados Unidos foi vendida por US$ 2,8 bilhões. De acordo com a Euromonitor, naquele país, o market share da Nestlé em chocolates é de 8,3%, atrás de Hershey’s, Mars e Lindt, a presença de mercado da Ferrero é de 3,2%. No mundo, a Nestlé ocupa a terceira posição com 9,6% de share, atrás de Mars e Mondelez.
Apesar do novo direcionamento estratégico da Nestlé, o argumento oficial dado pela empresa, de acordo com a Reuters, foi o baixo desempenho da divisão de chocolates nos EUA. Raphael Moreau, analista sênior de alimentação e nutrição da Euromonitor, afirma que uma das principais marcas da Nestlé no mercado americano, a Butterfinger, sofreu contra concorrentes com um posicionamento premium e marketing agressivo, incluindo Lindt e Mars. “Embora as empresas de private equity tenham demonstrado interesse, é provável que a Ferrero esteja disposta a pagar um prêmio de preço mais alto para alcançar seu objetivo estratégico de aumentar sua presença nos EUA. A transação pode fazer da Ferrero um dos maiores players de chocolate do mundo”, diz Moreau.
Gabriel Rossi, consultor e professor da ESPM, aponta que se trata de uma redução de portfólio, porém, há também a preocupação da empresa de crescer em novos nichos e segmentos promissores. “Cabe lembrar que o fato de uma marca ser forte e tradicional no mercado, além de ser flexível, não significa que a sua extensão seja um sucesso em relação aos concorrentes com maior economia de escala, mais rápidos e com melhor relacionamento com os fornecedores da categoria”, afirma.
De acordo com Luís Eduardo Ribeiro, diretor da Lelo Logística, esse movimento reflete diferentes momentos da Ferrero e da Nestlé. “A Ferrero busca escala — produtividade e força de negociação — e ganha participação de mercado se consolidando como gigante de doces e chocolates no mercado americano. Já a Nestlé quer apostar em segmentos saudáveis ou de margens maiores, como café, comida para animais, água e suplementos nutricionais”. Ele reforça que com a venda, a Nestlé ganha reforço de caixa para aquisições com foco saudável. “Outros negócios podem acontecer em breve de acordo com negociações que a empresa vem fazendo com a Merck”, diz Ribeiro referindo-se às tentativas da empresa suíça de tentar comprar a unidade de consumos da farmacêutica Merck.
Luiz Morcelli, CMO do Ahoy! Berlin, responsável pela chegada da Berlin School ao Brasil, afirma que o negócio é um sinal claro do caminho que a Nestlé está tomando. “Desde que escolheu esse novo CEO, que veio de uma empresa bem tradicional alemã, ela sinaliza o foco em produtos mais saudáveis com uma venda significativa num mercado de consumo tão pesado como americano. E, além dessa venda emblemática, ela é a principal candidata a adquirir as operações da Merck na área de produtos de consumo, como vitaminas e suplementos nutricionais”.
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