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9 de outubro de 2014 - 8h12
Quem já passou por um evento sob a marca TED, sabe: os painéis são rápidos, inspiradores e diferentes. Embora estejam agrupadas em blocos temáticos, as apresentações podem ser bem diversas a ponto de despertar interesses em várias direções. Quer ajudar refugiados políticos? Quer implementar um projeto que amplie a transparência corporativa? Ou fazer jornalismo independente? No terceiro dia do TED Global, que acontece até esta sexta-feira, 10, no Rio de Janeiro, numa estrutura montada na praia de Copacabana, foram reunidos temas em quatro sessões que passaram da crise na Síria aos avanços da neurociência, com direito a momentos artísticos.
A primeira sessão do dia, chamada de Field Work, contou com a ativista Doreen Khouri, que trabalha, a partir de Beirute, com sírios que tentam sobreviver aos conflitos no país. Ao formar grupos com pessoas que vivem em duas cidades (Aleppo e Raqqa), a organização que dirige procura ajudar projetos que combatam o sofrimento causado pelo bombardeio e pela violência que atinge as famílias. De fato, são cidadãos que tentam assumir o controle de suas vidas, ao montar um esquema de coleta de lixo e a até administrar escolas, um dos alvos de ataques de terroristas. “Pouca atenção se dá a quem está comprometido com a não-violência. E, ao apenas centrar a discussão a um problema de fronteiras e política, tira-se da questão a existência dessas pessoas”, criticou Doreen.
Ainda nessa área, o israelense Oren Yakobovich, cofundador da Videre, entidade que, por meio de câmeras ocultas, revela ao mundo situações de violência e dominação sobre comunidades. Para isso, vale-se de aparelhos bem pequenos, que não puderam ser exibidos. Com esses equipamentos, são feitas imagens e denúncias. A ONG treina as pessoas a usarem as câmeras e, assim, os problemas são confrontados. “Hoje há uma nova frente na luta pelos direitos humanos. Câmera é mais eficaz do que qualquer arma, se a imagem é utilizada no momento certo e no lugar certo”, afirmou. O bloco teve também Charmiah Gooch, que apresentou o projeto que visa mapear empresas que aparecem como “anônimas”. Segundo ela, em 200 casos de corrupção estudados nos EUA, 70% das companhias envolvidas têm seus donos “escondidos”. Ou seja, não é possível descobrir a quem pertencem. Muitas empresas anônimas estão relacionadas às investigações do narcotráfico entre México e EUA.
Em outro bloco, Urban Canvas, um projeto feito uma dupla holandesa, Hahn e Haas, colocou a Vila Cruzeiro em destaque – eles começaram pintando uma casa e logo desenvolveram uma ação que coloriu a região, com a adesão da comunidade e via crowdfunding, e se expande para os EUA e Haiti. Houve também espaço para a Batalha do Passinho, que se mostrou como uma alternativa de jovens que frequentam bailes funk se divertirem e escaparem da violência.
Falando sobre a temática da vida nas cidades, Robert Muggah exibiu números da violência e de assassinatos no mundo, uma onda que se move para o hemisfério sul. Seu alerta foi sobre a juventude. Novas ações devem ser criadas para atender essa população. E, embora assombre com as estatísticas, Muggah sustenta que as cidades oferecem criatividade, dinamismo e conectividade, elementos que atraem jovens, sendo importante, portanto, gerar meios de agregar esses aspectos e abrir oportunidades para os futuros adultos confrontarem esse cenário.
A pesquisadora Joanna Wheeler, da Sustainable Livelihoods Foundation, da África do Sul, apontou um caminho, não somente para a juventude. Seu projeto consiste em fazer com que pessoas marginalizadas tenham voz e contem suas histórias. Isso pode parecer pouco. Mas, como explicou, quando se dá um passo para trás para se observar o quadro inteiro e narrar o que se passou com a vida, essas pessoas conseguem visualizar como o crime entrou em seu cotidiano. A partir desse reconhecimento e com o apoio de outros indivíduos, que estão ouvindo seus relatos, elas podem buscar formas de combater aquilo que lhes faz mal.
O chinês Su Yunsheng, por sua vez, também no bloco Urban Canvas, discorreu sobre o planejamento das cidades. Ele defende que é preciso investir nos centros e tirar o máximo possível dos carros das ruas, mantendo a densidade da região. Isso significa fazer uma opção pelas pessoas. Yunsheng é o engenheiro-chefe de um escritório de planejamento urbano e design urbano em Xangai. A tecnologia, em pequena ou larga escala, é uma das armas para tornar as cidades mais inteligentes e sustentáveis. “É preciso fazer com que a questão ecológica se encontre com a empresarial”, reforçou.
Brasileiros voltaram a aparecer em outro bloco, o Empowering Tech. Rodrigo Baggio, do CDI – ou Centro de Inclusão Digital -, detalhou a experiência de sua ONG, que já tem 715 espaços para comunidades e que impactaram 1,8 milhão de pessoas desde 1995. Há cinco anos, seu projeto chegou a Londres. Hoje, ele planeja crescer mundialmente com seu esforço que define como o uso da tecnologia para mudar vidas. O jornalista Bruno Torturra, que se tornou conhecido pelo Mídia Ninja nas manifestações de junho de 2013, descreveu à plateia do TED como era feito o trabalho que se destacou como jornalismo independente. Hoje diretor do estúdio Fluxo (outro projeto nessa área), ele demonstrou que outras narrativas são possíveis (a informação não vem apenas das fontes tradicionais) e que o live streaming, mesmo por meio de um smartphone, pode criar uma aldeia global. “A simplicidade da tecnologia aliada à objetividade ajuda o cidadão a ver o mundo no lugar de outra pessoa”, observou.
O bloco teve ainda Syed Karim (fundador da Outernet, que fornece acesso à internet usando pequenos satélites, o que chama de “Bit Torrent do espaço”) e Steve Song (fundador da Village Telco, projeto que procura ampliar a conectividade em regiões africanas, buscando utilizar um espectro “deixado em branco” pelos canais de TV). Mas atingiu picos de aplausos com o neurocientista Miguel Nicolelis, da Duke University, que coordenou o projeto Walk Again, que levou o paraplégico Juliano Pinto a dar um chute numa bola na abertura da Copa do Mundo, em junho passado. Mais do que ter possibilitado esse movimento, para o qual se utilizou um exoesqueleto, Nicolelis comemorou o fato de Juliano ter sentido a bola.
O neurocientista revelou que há cerca de um mês um grupo de pesquisas da Alemanha adotou o mesmo princípio de um de seus trabalhos de atividade cerebral transmitida por pulso magnético (que foi publicado na prestigiada revista científica Nature e foi feito com ratos). Os alemães fizeram o estudo com humanos. Houve uma porcentagem alta de transmissão de padrões. Ou seja, essas pessoas não se comunicaram por meio da fala, mas transmitiram esses padrões utilizando-se de pulsos magnéticos.
No último bloco do dia, Blueprint, outro nome do Brasil ganhou holofotes. Ilona Szabó de Carvalho falou de desarmamento e política de combate a drogas. Segundo ela, 50% dos homicídios no País estão relacionados ao tráfico. Ela defendeu um fortalecimento de movimentos sociais que ajudem a transformar a narrativa sobre o problema das drogas. Também se apresentou Melissa Fleming, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para refugiados, que salientou que os países ricos se queixam de estarem sendo invadidos por essas pessoas que têm de deixar suas terras para fugir a uma guerra ou massacre. No entanto, 86% dos refugiados vivem hoje em países em desenvolvimento. “Os países ricos deveriam reconhecer a humanidade dos países em desenvolvimento”, declarou. E pontuou que não se deve abandonar essa população desabrigada. Em média, refugiados vivem 17 anos no exílio. “Estamos fazendo pouco para ajudar essas vítimas. Mais do que simplesmente fazer com que eles sobrevivam, precisamos fazer com que eles possam prosperar no futuro”, afirmou, arrancando fortes aplausos.
O bloco teve como último painel o inglês Michael Green, que chamou atenção para o fato de o mundo determinar o que é desenvolvimento a partir de uma métrica criada há 80 anos: o PIB. Entretanto, ele ponderou que o PIB não avalia felicidade, investimento social, impacto de preconceitos sobre a população. Assim, Song criou o Índice de Progresso Social, que inclui 12 variáveis. “Vivemos num mundo em que o PIB é sinônimo de sucesso de um país. Nossas sociedades se tornaram motores para fazer crescer o PIB, mas ignoram felicidade, meio ambiente e justiça social. Quero propor uma forma que nos leve para os próximos 80 anos”, disse. Por meio desse índice, o Brasil hoje desfruta de uma boa posição. Dentre as nações latinas, acima dele está a Costa Rica. O maior índice pertence à Nova Zelândia. Os EUA são mais ricos do que a Nova Zelândia, mas não atingirem seu status de progresso social. “Há grandes oportunidades para os países avançarem nesse sentido. O bom é como acontece com o Brasil, que está conseguindo transformar o PIB em progresso social. Se ele adotar um agressivo plano de crescimento do PIB, por exemplo, poderá estagnar seu avanço social. E isso o colocará na posição da Rússia, não da Nova Zelândia”. E com o som do Brasil o dia se encerrou no TED Global. O grupo Casuarina subiu ao palco – que tinha recebido em outros momentos o duo Circle of Sound e a chilena Ana Tijoux – e fez o público dançar com samba. É agitado assim um dia de TED.