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Carlos Tramontina: “Está havendo uma mistura do jornalismo com outras coisas”

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Mídia

Carlos Tramontina: “Está havendo uma mistura do jornalismo com outras coisas”

Após mais de 40 anos de jornalismo na Globo, Tramontina migra para YouTube com podcasts no Estúdios Flow


19 de julho de 2023 - 6h05

Carlos Tramontina-cred-arthur nobre

Carlos Tramontina, ex-Globo, estreou neste ano dois programas no formato podcast no Flow: Tramonta News e Portas Abertas (Crédito: Arthur Nobre)

Quem andou por 44 anos pelos corredores dos estúdios Globo foi Carlos Tramontina. O jornalista pisou pela primeira vez na redação em junho de 1978, como estagiário, e se despediu da empresa em maio de 2022.

Nesse período, passou por todos os jornais da emissora, tanto como substituto quanto no papel de titular. Por exemplo, Tramontina foi o editor-chefe nos telejornais Bom Dia São Paulo e SP Já, dividiu a apresentação do SPTV com Débora Meneses e foi âncora por 24 anos da 2ª edição do SPTV.

Além disso, desde 1982 mediou debates para governadores e prefeitos ao redor do Brasil pelas afiliadas da rede Globo. Todavia, durante a pandemia, quando a Globo começou o reposicionamento como empresa de mídia – “jovializando”, como disse –, Tramontina começou a reavaliar a trajetória. O profissional também escreveu obras literárias, como o relato autobiográfico da escalada ao Himalaia em A Morada dos Deuses. Nas redes sociais, Tramontina também virou meme ao dizer, em vez do horário local, a frasee: “Seis e Ônibus”.

Atualmente, nos Estúdios Flow, Tramontina apresenta o Portas Abertas, programa de entrevistas com personalidades ilustres, como Ernesto Paglia, Casagrande e Mariam Chami. Além disso, no segundo programa nos Estúdios, o Tramontas News, encontrou a chance que o profissional queria para aproximar e trazer intimidade aos conteúdos jornalísticos que produzia.

Ao Meio e Mensagem, Carlos Tramontina conta mais sobre as mudanças nas carreiras, as relações entre jornalismo e publicidade e as expectativas para fase inédita na carreira de podcaster.

Meio & Mensagem – Como foi e o que motivou sua mudança na carreira?
Carlos TramontinaQuando teve a pandemia, fiquei em casa por um ano e quatro meses, assim como outros funcionários da Globo que tinham mais de 60 anos. Nisso, a Globo estava passando por uma série de mudanças, se jovializando, buscando novos públicos. Ao mesmo tempo, estava em determinado momento da carreira e me perguntava se não poderia fazer outras coisas. Sempre fui convidado para fazer múltiplas outras atividades e não podia porque a carreira jornalística ligada a uma empresa de jornalismo me limitava. Com isso, conversei com a direção da emissora no final de janeiro de 2022, era um ano com Copa do Mundo e Eleições, comunicando que ficaria até o final daquele ano. Não poderia sair de uma hora para outra, porque era titular do principal jornal local em São Paulo e editor-chefe e apresentador de um programa aos domingos, o Antena Paulista.

Meio & Mensagem – E como foi essa aproximação com o Flow?
Carlos Tramontina – Depois que saí fui muito procurado para dar entrevistsa em diferentes veículos e plataformas, e em uma dessas vezes, fui ao Flow. No final da conversa, o Igor “3k” Coelho me perguntou: ‘Você já fez rádio?’; ‘Nunca’; ‘Você já fez podcast?’, ‘Nunca, aliás estava tremendo de medo em vir aqui’. Começamos a conversar efetivamente em junho do ano passado e veio resultar nesses dois programas, o Tramontas News e o Portas Abertas.

Meio & Mensagem – Sobre o que são esses programas?
Carlos Tramontina – O primeiro programa é o Portas Abertas, onde eu entrevisto uma pessoa que pode ser uma celebridade ou conhecida, mas principalmente alguém que tenha histórias para contar, que tenha vivido diferentes, experiências profissionais ou pessoais, que tenha informação, que tenha um conteúdo alto astral. O outro programa é o Tramontas News, que é parte dessa revolução pela qual estou passando. Meus amigos, os íntimos, os mais próximos sempre me chamaram de Tramonta, desde sempre, mas a marca sempre foi Tramontina, apesar de não ter nada a ver com a marca de facas Tramontina. Então, fizemos uma junção sendo minha desconstrução absoluta: Tramonta é absolutamente íntimo. A gente vai falar de forma simples e compreensível sobre os assuntos que estão rolando por aí, e não precisa ser de política ou economia, mas pode até ser, só não vai ser tratado de maneira chata.

Meio & Mensagem – Gostaria de entender contigo, qual a relação entre o jornalismo, as redes sociais e os influenciadores? Qual o papel do jornalismo nisso tudo?
Carlos Tramontina – Olha, confesso que não sei. Quando me perguntam se sou influenciador, eu não quero assumir isso, não sou influenciador de nada, sou apenas um cara conhecido em função do trabalho que realizei em 43 anos e tem se colocado de maneira diferente para as pessoas. Acho o seguinte: tem uma coisa que é o jornalismo, na forma que ele sempre existiu: o profissional comprometido com a informação. O podcast não é jornalismo, é informação, até porque no formato são conversas, um bate papo com alguém, não temos a obrigação de fazer o contraditório em relação a toda vida que aquela pessoa adotou. Eu posso até dizer que não concordo com ele, mas é diferente de resgatar um fato de dez anos para traz e confrontar a pessoa, ou questionar “ah, o senhor vale pelo que disse no passado ou pelo que está dizendo no presente?” Isso é jornalismo. Acho que está havendo uma certa mistura do que é jornalismo com outras coisas: o jornalismo continua e continuará a ser o compromisso com a informação precisa, correta, rápida e ágil. As demais plataformas serão todas informativas, sobre diferentes assuntos, com diferentes entrevistados. No fim, tem lugar para todo mundo.

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“Eu nunca pensei em fazer publicidade porque não poderia, é incompatível com meu trabalho jornalístico”, diz Tramontina (Crédito: Arthur Nobre)

Meio & Mensagem – O jornalista deve ser diplomado? Qual o papel da faculdade para a formação do profissional?
Carlos Tramontina – Penso que qualquer profissional deveria fazer uma faculdade, seja de Ciências Sociais, Economia etc, para ser jornalista. A questão fundamental é a seguinte: se você for jornalista, você será comprometido com uma série de coisas. Por exemplo, você não vai fazer publicidade, não vai vender teu espaço, isso são cláusulas pétreas. Influenciador não é jornalista, é uma pessoa que publica o que pensa, o que diz, como age e é seguido por pessoas que são influenciadas ou influenciáveis, mais ou menos. Até aí, tudo bem, todo mundo cumpre um papel. Agora, o fato é que todas as pessoas que publicam nos seus blogs e sites suas opiniões a todo instante ou as pessoas que transmitem acontecimentos quando são testemunhas destes, não as colocam na condição de jornalistas. Muitas até acham que são, mas não são, porque no centro da questão está o compromisso com a informação e isso faz toda a diferença. Agora, o diploma não é tão eficiente nesse aspecto. Se a pessoa tiver uma boa educação social, educacional, pode ser qualquer que seja, ela terá as bases para desempenhar bem o seu papel – inclusive o jornalístico – porque compreenderá as questões éticas que envolvem a profissão.

Meio & Mensagem – E como fica as questões de publicidade e trabalhos com marcas, por exemplo? Você já pensou em trabalhar com o tema?
Carlos Tramontina – Nunca pensei em fazer publicidade porque não poderia; é incompatível com meu trabalho jornalístico. Eu nunca pensei em publicar alguma coisa dizendo que acho isso ou aquilo porque alguém depositou na minha conta um certo valor para eu achar alguma coisa. Isso é incompatível com atividade jornalística, por isso que volto para o que disse anteriormente: jornalismo é jornalismo, outra coisa é outra coisa. A princípio, nenhum jornalista pode fazer publicidade, mas você sabe que em qualquer veículo de comunicação existe publicidade e que, sem publicidade, não haveria o próprio veículo. Você publica uma reportagem no jornal ou revista ao lado tem um determinado patrocínio. A questão é quando o patrocinador tem interesse em influenciar o conteúdo da reportagem e isso não pode nunca existir no jornalismo. Agora, o que acontece é que, recentemente, jornalistas passaram a trabalhar em diferentes plataformas e se comunicar com as pessoas diferentes. Nesse aspecto, dependendo das condições, pode haver patrocínio para eles, porque, volto a dizer, ele é jornalista, mas não tem os compromissos jornalísticos estritos que são característicos dos veículos de comunicação jornalísticos. O compromisso jornalístico existe independentemente do formato, agora, quando vou para outro formato, sendo apenas informativo, muda um pouco o papel do profissional.

Meio e Mensagem – Dito isso, gostaria de entender o que motivou você a fazer jornalismo e seguir na profissão?
Carlos Tramontina – Acho que todos nós, jornalistas, quando decidimos pela profissão somos um pouco revolucionários. A gente acha que vai reescrever histórias próximas da gente, a história da nossa cidade, do nosso País e a história do mundo. Ao mesmo tempo, queremos viver os momentos da História, sejam eles quais foram. De certa forma, somos até um pouco ingênuos, muito românticos. Com o tempo, descobrimos que não fazemos revolução. Nós não mudamos o mundo, mas descobrimos que somos testemunhas de tudo que acontece e consolidamos a verdade, que é a importância do nosso trabalho para a democracia, sempre. A democracia que, com todos os problemas que têm, continua sendo disparadamente o melhor sistema político que possa existir. Agora, depois de fazer 43 anos de jornalismo, ligado a uma empresa com as características de trabalho mais rígidas, chega em determinado momento que dizemos ‘Poxa, eu queria fazer alguma outra coisa, usar a minha experiência como perguntador e conversador’, porque acima de tudo, o jornalista mais do que tudo é um contador de casos. Contamos para as pessoas o mais correto possível sobre que coisas que aconteceram ou, às vezes, a gente conta ao vivo o que está acontecendo. Mas, depois de 43 anos, eu queria ter um pouco mais de liberdade para viajar, não trabalhar nos feriados, nos finais de semana, poder ficar um pouco mais com a família e, talvez, experimentar algumas coisas novas para minha carreira, como fazer podcast. Estou testando, comprando um desafio para mim mesmo. Aí, você pode me perguntar, ‘por que depois de tanto tempo se aventurar nisso?’. São formas diferentes de tratar a informação, sem o rigor do horário, da roupa ou do jeito. Passei a vida inteira trabalhando em cima do tempo e do espaço: o tempo de cada duração de cada reportagem e o espaço do texto. Agora, não tenho mais que preocupar com isso, tenho tempo que quiser, no horário que quiser, posso fazer ao vivo, posso fazer gravado e, por fim, isso é muito interessante para quem não fez isso durante todo tempo de carreira.

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