Assinar

“Quem imaginou que o NYT venderia comida?”

Buscar

“Quem imaginou que o NYT venderia comida?”

Buscar
Publicidade
Mídia

“Quem imaginou que o NYT venderia comida?”

Rosental Calmon Alves, do Knight Center, fala sobre os rumos do jornalismo


18 de janeiro de 2017 - 9h39

 

rosental

Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas

Ad Blockers, chatbots e fact checking. Apesar de o jornalismo ter incorporado dezenas de novas palavras relacionadas ao mundo digital que, em alguns casos, representam desafios, em outros, soluções, o mercado não abandonou a discussão do modelo de negócios. Como as empresas de mídia com origem em plataformas tradicionais serão rentáveis no mundo digital? Essa e outras perguntas relacionadas aos desafios do jornalismo e das empresas jornalísticas são respondidas por Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, com sede em Austin, no Texas.

Por e-mail, Rosental escreveu ao Meio & Mensagem sobre o atual fenômeno das notícias falsas, o embate entre empresas de mídia e plataformas como Google e Facebook, além de novos modelos de negócios como os do New York Times que, no ano passado, iniciou venda de comida. “Não tenho nenhuma dúvida de que o jornalismo vai sobreviver. O que está em cheque atualmente é a sobrevivência de empresas jornalísticas”, diz Rosental.

Meio & Mensagem – Como definiria o ano de 2016 para o jornalismo, tanto aspectos negativos como positivos, e o que esperar da profissão nos próximos anos?
Rosental Calmon Alves – Foi outro ano muito difícil para o jornalismo. Continuamos em um período de transição entre a era industrial e a era digital. O jornalismo sofre as consequências do desmantelamento do modelo de negócio. Aqui nos Estados Unidos, pode-se dizer que o que tem sustentado a vasta maioria dos jornais são os cortes nas despesas, mas este modelo de negócio baseado no encolhimento é obviamente finito. O principal problema é a contínua queda do faturamento publicitário, muito mais acelerada do que a queda em circulação dos impressos ou de audiência da TV.

M&M – Deu pra tirar alguma lição desse cenário?
Rosental – Jornais descobriram em 2016 que precisam reduzir sua dependência da publicidade, pois ela continua indo embora. Mais empresas jornalísticas acharam formas de diversificar suas fontes de receita, através de novos negócios como, por exemplo, vendas diretas, eventos e aquisição de ou alianças com outras empresas que podem aumentar seus negócios ao se juntar a um meio de comunicação. Neste ano, o New York Times começou até a entregar comida em casa, além de vender vinho e promover excursões. Quem podia imaginar o New York Times vendendo comida ou virando agência de turismo? Novas formas de publicidade na área do native content também abriram esperanças nos meios impressos de que a publicidade não está morrendo totalmente para eles na internet. Outra boa notícia em 2016 foi a eficácia dos paywalls, os chamados muros porosos, medidos ou flexíveis, com os quais os jornais podem estar nos dois mundos: suas notícias não desaparecem das redes sociais, sua influência continua, mas cria-se um estímulo para a aquisição assinaturas digitais. Aparentemente houve um aumento do faturamento com assinaturas digitais, principalmente no Brasil e principalmente entre grandes jornais.

“Todo mundo está olhando para os meios grandes e tradicionais que estão encolhendo, mas poucos reparam os meios pequenos, nativos digitais, muitos dos quais se consolidando e crescendo”

M&M – O embate entre plataformas como Facebook e Google, também produzindo conteúdo, versus veículos tradicionais de mídia, se acirrou. Quem hoje concorre com o jornalismo de boa qualidade?
Rosental – Facebook e Google não produzem notícias, mas elas, ainda que sem querer, ajudam na explosão das notícias falsas e demoraram muito a reconhecer que não são apenas plataformas neutras, mas sim empresas gigantescas que precisam assumir suas responsabilidades. Na realidade, o fake news tem sido um problema sério há muito mais tempo. O que houve em 2016 é que o problema ganhou mais visibilidade, tanto durante a crise política do Brasil quanto aqui nos Estados Unidos, durante a campanha eleitoral. Só no final do ano se convenceram de que tinham que fazer alguma coisa. O mecanismo de alertas criado pelo Facebook e as primeiras ações do Google para retirar sites de notícias falsas de suas redes de publicidade são passos iniciais importantes. A proliferação do fact checking journalism tanto em meios tradicionais como em novos meios especializados também é um bom começo num esforço do jornalismo de qualidade para enfrentar esse desafio. O problema é que uma notícia falsa se espalha com muito mais rapidez do que o seu desmentido. Ninguém gosta de ser enganado, por mais que queira que a mentira seja verdade. Não existe essa coisa do mundo pós-verdade. A verdade sempre prevalece. Mas também não há que ficar esperando que as pessoas se eduquem, criem esse desconfiômetro naturalmente. É preciso que as empresas de comunicação, com ajuda das agências de publicidade, trabalhem em campanhas cívicas de alfabetização midiática e jornalística, para que as pessoas saibam distinguir o que é jornalismo daquilo que parece jornalismo, mas não é. Acho que precisamos ter uma atitude mais proativa neste sentido.

M&M – Existe algum nicho promissor no jornalismo que pode atrair investimentos e dar retorno?
Rosental – Todo mundo está olhando para os meios grandes e tradicionais que estão encolhendo, mas poucos reparam os meios pequenos, nativos digitais, muitos dos quais se consolidando e crescendo. São modelos novos, de nicho, como verticais especializados. Não ganham muito dinheiro, isto lá é verdade, mas também não gastam muito e estão avançando. Eu tenho seguido com atenção também novos modelos, como o jornalismo sem fins de lucro que têm proliferado muito aqui nos Estados Unidos e também em outras partes do mundo, inclusive no Brasil. Não tenho nenhuma dúvida de que o jornalismo vai sobreviver. O que está em cheque atualmente é a sobrevivência de empresas jornalísticas, e não a sobrevivência do jornalismo.

“O branded content não é apenas a velha matéria paga ou informe publicitário que, na minha época, nós da redação, chamávamos pejorativamente de conteúdo disfarçado de notícia que devia ser combatido a todo custo. Trata-se de um novo gênero de publicidade em evolução”

M&M – Nos últimos anos, muitas alternativas comerciais surgiram: branded content e outros híbridos. Quais os limites envolvidos nesses formatos?
Rosental – Nesses tempos bicudos de tempestade perfeita, crise circunstancial (recessão) e crise estrutural (sumiço da publicidade tradicional), as empresas jornalísticas tradicionais precisam encontrar novas formas de publicidade, já que as velhas não funcionam. A resposta para a ineficiência e os preços extremamente baixo dos banners publicitários na web e nos celulares não pode ser simplesmente mais banners, mais propaganda intrusiva, antipática e insuportável. Se vamos continuar usando a publicidade para financiar o jornalismo, mesmo que em menor escala que o fazíamos nos anos dourados da era analógica, temos que encontrar novas formas. Os jornalistas não podem simplesmente estar alheios a esse processo, a essa busca tão importante para o futuro do jornalismo. Viemos de uma tradição em que o jornalista podia dar-se ao luxo de se isolar completamente do marketing e dos interesses comerciais da empresa jornalística. Nos sentíamos meio que missionários ou semideuses que estávamos aqui para salvar o mundo, certos de que alguém arranjaria o dinheiro para pagar nossos salários e manter nossas empresas empregadoras vivas. Quanto mais longe desta gente do dinheiro (do marketing e do comercial), melhor. Isso acabou. Estamos todos no mesmo barco e precisamos ajudar, participar da busca de um modelo econômico sustentável para a atividade jornalística. Claro temos que estar atentos ao fato de que as fronteiras éticas que separavam a igreja e o estado no mundo anterior, não devem ser desrespeitadas, mas também não devem servir como impedimento de que pensemos juntos soluções saudáveis para o problema estrutural que temos. Os jornalistas têm muito a contribuir. É neste contexto que aparecem o branded content e outras formas inovadoras de publicidade digital.

“A resposta para a ineficiência e os preços extremamente baixo dos banners publicitários na web e nos celulares não pode ser simplesmente mais banners, mais propaganda intrusiva, antipática e insuportável”

M&M – Por que o destaque ao branded content?
Rosental – O branded content não é apenas a velha matéria paga ou informe publicitário que, na minha época, nós da redação, chamávamos pejorativamente de picaretagem ou conteúdo disfarçado de notícia que devia ser combatido a todo custo. Trata-se de um novo gênero de publicidade em evolução, que aproveita as características do meio digital e que pode ser feito de maneira ética e sem violar os princípios jornalísticos, desde que tomados os devidos cuidados. Por exemplo, deve estar caracterizado explicitamente como publicidade, com clara diferenciação visual para que ninguém pense que é notícia. A separação entre editorial e comercial é sagrada e intocável para que o jornalismo sobreviva. Mas a colaboração entre ambas, dentro dos limites éticos, é imprescindível para que se encontrem novos modelos sustentáveis para que o jornalismo prospere nesta nova era.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Os novos realities que a Endemol Shine pretende trazer ao Brasil

    Os novos realities que a Endemol Shine pretende trazer ao Brasil

    The Summit, Fortune Hotel e Deal or No Deal Island estão sendo negociados com players para estrear em solo brasileiro

  • CazéTV e Globo estreiam no Intercontinental de clubes com 8 marcas

    CazéTV e Globo estreiam no Intercontinental de clubes com 8 marcas

    Enquanto a Globo tem a Betano como patrocinadora, canal de Casimiro Miguel conta com Ademicon, Betano, Banco do Brasil, H2Bet, KTO, Ourocard Visa e Netflix