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Opinião

Alexandre Gama: O dia em que Baldessari nasceu de novo

Coisas ultrapassadas estão tão secas que basta uma fagulha de inovação para entrarem em combustão


18 de abril de 2019 - 6h19

(crédito: reprodução/Nicole shibata)

John Baldessari é um influente artista contemporâneo americano, reconhecido por seu trabalho extremamente criativo. E por um ato único e também criativo de destruição.

Em uma tarde de sexta-feira em San Diego, Califórnia, no verão de 1970, em 24 de julho, auxiliado por amigos e um grupo de estudantes da Universidade da Califórnia (UCSD), ele reuniu todas as suas pinturas feitas entre os anos de 1953 e 1966, levou-as a um necrotério local e as queimou num crematório. Ao todo, foram cerca de 123 pinturas cremadas — a título de comparação, os restos queimados das pinturas eram equivalentes ao peso de nove pessoas.

Ele coletou as cinzas das pinturas queimadas, colocou-as em uma urna e fez uma placa de bronze, gravando seu nome completo e as datas “maio de 1953” a “março de 1966”. Baldessari inicialmente deu o nome de “Cremation Piece” ao ato, mas, mais tarde, adicionou uma série de fotos documentais a ele e mudou o título para “The Cremation Project”.

Jornalistas e historiadores de arte se perguntaram: “Ele realmente queimou suas próprias pinturas?” e “Por que ele faria uma coisa assim?”. Mas para Baldessari, aquele ato teve um objetivo muito simbólico e ao mesmo tempo prático: materializar sua transição da pintura para a arte e fotografia conceituais e sinalizar publicamente seu desapego da fase inicial e do passado.

Essa história é particularmente relevante hoje em dia, quando ver o fogo da inovação comendo solto em coisas que sempre estiveram estabelecidas, tem sido uma constante.

Na verdade, a maior parte dos incêndios que têm transformado negócios, modelos, métodos e práticas em cinzas não são provocados, como o de Baldessari, mas sim espontâneos, como aqueles incêndios que aconteceram recentemente nas matas do norte da própria Califórnia. As coisas ultrapassadas estão tão secas que basta uma fagulha de inovação em algum momento para entrarem em combustão.

Mesmo assim, nem todo mundo tem jeito para Fênix.

Poucos se dispõem a tacar fogo na própria carreira ou obra para renascer de outra forma, com outras crenças, aprendendo coisas novas e deixando antigas certezas serem respeitosamente enterradas. E para falar a verdade não é algo fácil de fazer também.

O próprio Baldessari aparece num documentário em vídeo que gravou antes de ter a ideia do “Cremation Project”,fazendo as primeiras (e malsucedidas) tentativas de destruir uma grande pintura abstrata. A câmera mostra que a pintura está em um determinado ângulo, apoiada em um suporte de madeira. Baldessari começa a correr, salta meio hesitante de encontro à tela e é rebatido por ela como bola de tênis que bate na raquete.

A pintura fica ilesa.

A cena é engraçada e reveladora: será que Baldessari subestimou a resistência da tela esticada, ou estava indeciso sobre querer realmente destruir o trabalho?

De qualquer forma, ele tenta de novo e, aí consegue rasgar e atravessar a tela. O vídeo mostra Baldessari, mas obviamente ele saiu do outro lado uma outra pessoa.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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