29 de junho de 2021 - 12h18
(Crédito: Fandsrabutan/ iStock)
Nestes dias em que as redes sociais foram inundadas por memes sobre o que é cringe – eu mesma consultei meu filho pré-adolescente pertencente à geração alfa para saber o que é o conceito – chamou também a atenção o barulho que o Nubank provocou ao anunciar a cantora Anitta como parte de seu conselho de administração. O povo da Faria Lima, aqueles que são liberais na economia e conservadores nos costumes, e fiadores do atual governo federal, torceu o nariz para a escolha. Argumentos como uma certa tatuagem que a artista tem em suas partes íntimas, seu posicionamento político e, principalmente, o fato de não ter diploma universitário muito menos ter feito MBA, de preferência em uma das chamadas Yve League, o seleto grupo das oito principais universidades norte-americanas, foram expostos nas redes e nos grupos de WhatsApp como impeditivos para a moça nascida em Honório assumir o posto.
Por sua vez, a justificativa do banco é que Anitta representa o conceito de diversidade, é uma empresária de sucesso ao administrar sua carreira nacional e internacionalmente, tem um patrimônio de US$ 100 milhões com apenas 28 anos, e dialoga sem barreiras com as camadas mais populares da população. E de quebra, tem competência técnica em um assunto que é considerado hoje o principal ativo no mundo digital, que é a disputa pela atenção ao lidar com um universo de 50 milhões de seguidores. Só para efeitos de comparação, o Nubank tem hoje cerca de 35 milhões de clientes. Marca suficiente para ter recebido recentemente aporte de US$ 500 milhões da empresa de investimentos do bilionário Warren Buffet, a Berkshire Hathaway.
É óbvio que há riscos na iniciativa. Quando se lida com celebridades não se está “comprando” apenas uma imagem e seus seguidores, mas um pacote completo do que aquela personalidade representa para o bem e para o mal: suas atitudes, opiniões e posicionamentos. Uma olhada nos comentários na postagem da página do Nubank no Twitter anunciando a nova integrante de seu board, em meados da semana passada, já dava a repercussão dessa decisão ao verificar alguns seguidores da marca ameaçarem encerrar suas contas na instituição financeira. Lembrando que muitos desses haters podem também ser robôs, já que Anitta se posiciona abertamente contra o atual ocupante da cadeira de presidente do País.
Um risco que deve ter sido calculado milimetricamente pela equipe de compliance e de comunicação da jovem fintech que se prepara para abrir o capital – diferentemente de outra crise pela qual passou ano passado quando uma de suas fundadoras, Cristina Junqueira, ao ocupar o centro do prestigioso programa Roda Viva, da TV Cultura, disse que a baixa presença de negros no Nubank era porque “não poderia nivelar por baixo”. A chegada de Anitta pode ter relação com esse episódio: trazer alguém que tem dedo no pulso do chamado povão e sofre diariamente preconceito por ser mulher, funkeira e bem-sucedida dialoga com essa mancha na reputação do banco ainda mais em um momento em que diversidade entrou para a agenda dos gestores de recursos.
Para além da polêmica, a decisão do Nubank também demonstra um caminho sem volta e ainda inicial para empresas e marcas percorrerem que é se aliar a produtores de conteúdos para gerar conversa e engajamento genuínos com suas audiências prioritárias. Apenas durante a pandemia alguns exemplos ocorreram e devem continuar a acontecer confirmando essa tendência, que me parece muito acertada.
A mais recente delas, anunciada no mesmo dia em que o Nubank divulgou a chegada de Anitta ao seu board, mas sem tanto alarde, foi a compra pela Petz do Cansei de Ser Gato, uma das maiores plataformas digitais de conteúdo e produtos exclusivos para gatos no Brasil. Fundado em 2013 pelas empreendedoras Amanda Nori e Stéfany Guimarães, o Cansei de ser Gato cria conteúdos bem-humorados e educativos para donos de gatos, além de produtos exclusivos para felinos.
Os conteúdos estão presentes nas principais mídias sociais, somando mais de 1,7 milhão de seguidores. Adicionalmente, o Cansei de Ser Gato possui no Spotify o “PodCat”, um dos podcasts mais escutados durante o ano de 2020 no Brasil.
Em abril, dentro de uma robusta estratégia de aquisições recentes, o Magazine Luiza comprou o Jovem Nerd, uma das maiores plataformas multimídia voltada para o público nerd e geek do País. Fundado em 2002 por Alexandre Ottoni e Deive Pazos, o Jovem Nerd produz conteúdo sobre cinema, séries, games, história e ciência e inclui programas como NerdCast, NerdOffice, NerdBunker, NerdPlayer e Nerdologia.
Em dezembro, o Grupo SBF, holding dona da Centauro, adquiriu a NWB, que possui os canais de YouTube Desimpedidos, Acelerados, Fatality, Falcão 12 e cerca de 80 afiliados. O negócio, que gira em torno de R$ 60 milhões, marcou a entrada do SBF no universo do conteúdo e do entretenimento. Com a compra, a Centauro pretende dar mais um passo importante dentro da estratégia de ser o principal e maior destino do esporte no Brasil, lembrando que a empresa também adquiriu a marca Nike por aqui. Na ocasião, a companhia divulgou que a “uma plataforma de engajamento é mais um pilar relevante na construção de um ecossistema. Com esse movimento, passamos a contar com o alcance dos canais proprietários e afiliados da NWB, além da possibilidade de criarmos novos conteúdos para estreitarmos relacionamento com a nossa base de clientes”.
Em tempos de economia da atenção e de sociedade em rede, processos acelerados pela pandemia, todas essas estratégias, cada uma com seu respectivo modelo de governança, levantam a importância do conteúdo autêntico e da criação de comunidades. Uma enorme estrada que se abre em nome de ser contemporâneo e relevante.
*Crédito da foto no topo: Reprodução