Opinião

Torta de algoritmo

A culpa não é da receita, é do cozinheiro; a tecnologia só faz o que foi programada para fazer: otimizar padrões

André Pallú

Sócio fundador da cccaramelo 19 de dezembro de 2025 - 14h00

Mais um dia normal no escritório. E, de repente, no final da tarde, vem aquela sensação de abstinência de algo doce. E nesse caso, bem específica: a torta banoffee da Crime.

(Pausa para a dica: prove.)

Voltando ao problema da abstinência. O app de delivery resolve. Bom, resolvia. A loja já fechou. E justo a melhor banoffee de todas? Infelizmente ela só existe na Crime.

De repente, já estou longe pensando: e se o algoritmo do app de delivery selecionasse as melhores receitas e compartilhasse com todas as lojas? Já pensou? Todas as tortas banoffees, de todos os lugares, feitas com a mesma receita da melhor torta. Mas peraí. Se todas as tortas fossem iguais, existiria a melhor torta? Ela seria capaz de gerar um desejo tão específico?

A torta de algoritmo ainda não existe nas pâtisseries. Mas já existe na comunicação. E mais do que existir, transformou nosso mercado com eficiência, escala, previsibilidade e por aí vai. Mas talvez esteja na hora de começar a pensar nos efeitos no longo prazo: será que quando todo mundo segue o mesmo algoritmo, todo mundo fica igual?

A resposta está no próprio conceito. O algoritmo identifica comportamentos parecidos e aplica a mesma lógica sempre que encontrar algo familiar. Ele repete o que funcionou ontem, reforça o que funciona hoje e tenta prever o que pode funcionar amanhã. Será que é por isso que vemos uma super padronização nos posicionamentos, linguagens, formatos e conceitos das marcas?

Numa busca rápida, que nem precisa ser no ChatGPT, pode ser na memória mesmo, tente lembrar do rebranding recente de grandes marcas. Todas usam os mesmos ingredientes: minimalismo, cores chapadas e fontes suíças clássicas.

É aí que entramos no paradoxo do algoritmo: para não ser ignorado pelo algoritmo, você precisa ignorar o algoritmo.

Mas calma, a culpa não é da receita, é do cozinheiro. A tecnologia só faz o que foi programada para fazer: otimizar padrões. O problema é quando nós começamos a nos comportar como o algoritmo. Quando começamos a seguir o padrão de sucesso em vez de criar.

O algoritmo precisa do diferente para continuar funcionando. Ele precisa de ruptura para se calibrar. Precisa de desvio para entender o que é interesse humano real. Precisa de algo que não segue a lógica para criar uma nova lógica. Quem só segue a recomendação do que performou ontem, pode virar estatística amanhã.

E o problema não está na criatividade, está na coragem. Ignorar padrões fundamentados por dados é desconfortável. Mas a criatividade nunca foi sobre segurança. Nunca foi sobre reproduzir. Nunca foi sobre otimizar. Criatividade sempre foi sobre ruptura, sobre ousadia.

Se quisermos continuar usufruindo do algoritmo, com todo seu potencial, precisamos parar de obedecê-lo. Não para abandonar, mas para ensinar. Para lembrá-lo – e lembrar a nós mesmos – que o que move pessoas não é a média: é o inesperado. No fim, a melhor torta existe porque surpreendeu com um sabor que você, até então, nunca tinha provado tão bom.