COP e marketing: as novas regras do jogo de marca
Evento passou, mas deixou ensinamentos profundos sobre quais marcas irão prosperar daqui em diante
A COP 30 consolidou algo que o mercado já vinha percebendo, mas ainda não nomeava com a contundência necessária: a agenda ambiental e social deixou de ser periférica e passou a ser estruturante. Não se trata somente de carbono, floresta, regulamentação ou pressão das exportações como pontos econômicos ou financeiros. Trata-se de perenidade — no sentido mais literal e urgente da palavra.
Para quem trabalha com marcas, comunicação e estratégia, isso tem um significado profundo: as marcas que prosperarão não são apenas fortes; são marcas que fazem bem. São marcas que entendem que crescer e gerar lucro não é contraditório com contribuir para um planeta mais saudável e uma sociedade mais justa. Na verdade, é justamente essa combinação que sustenta competitividade, confiança e relevância de longo prazo.
O consumidor brasileiro já decidiu — e espera liderança das marcas
Durante muito tempo, sustentabilidade foi vista como “nice to have”. Isso acabou. Os consumidores já deixaram claras as suas expectativas:
- 75% dos brasileiros preferem comprar de marcas comprometidas com impacto socioambiental (Globo/MapBiomas, 2023);
- 84% afirmam que as empresas devem contribuir ativamente com a sociedade (Accenture Life Trends, 2023);
- 57% pagariam mais por marcas sustentáveis (NielsenIQ, 2023);
- Marcas percebidas como responsáveis crescem 6x mais rápido (Kantar Purpose Study Brasil, 2023).
Isso não é mais debate reputacional. É negócio. É preferência. É sobrevivência.
E é um chamado direto para as lideranças de marketing: não basta comunicar — é preciso transformar.
A virada de chave: sustentabilidade não é sobre imagem — é sobre sistema
O Brasil vive um momento singular. Empresas exportadoras já se adaptam à legislação europeia anti-desmatamento (EUDR). Investidores cobram métricas ESG. Cadeias globais exigem rastreabilidade. E governos começam a integrar impacto ambiental e social às políticas de competitividade.
A verdade é simples: não precisamos esperar as regulações. O mundo já mudou de direção.
E as marcas que desejarem existir daqui a dez anos precisam fazer o mesmo.
Algumas empresas e marcas já estão trabalhando nessa direção, mas quem está ainda no começo da jornada, como integra esse pensamento dentro do modelo e do processo do negócio atual?
O propósito como compromisso
O propósito não é um slogan, uma frase poderosa para fazer briefings de comunicação, o proposito precisa ser uma declaração de intençoes, na qual o impacto e papel no mundo da marca são claros e explícitos. Para isso, na definição do seu propósito e posicionamento de marca, já precisa identificar os elementos de sustentabilidade que a marca va apoiar, quais são as ODS (objetivo de desenvolvimento sustentável) que estão alinhados com o seu propósito
Não é sobre “storytelling”; é sobre “storydoing”, esse propósito tem que virar realidade
A Natura mostra isso há décadas, com cadeias produtivas regenerativas na Amazônia e parcerias estruturantes com mais de 40 comunidades. Isso não só reforça reputação — é a empresa com a melhor reputação do Brasil em 2025 (Ipsos), e líder em ESG pelo 11º ano seguido (Merco) — como gera vantagem competitiva real: portfólio diferenciado, margens consistentes e expansão internacional.
O posicionamento de marca ganha uma abrangência adicional
Durante muito tempo, marketing trabalhou sem uma visão completa do impacto dos produtos. Conhecíamos ingredientes, posicionamento, embalagem — mas raramente entendíamos o efeito desses produtos na saúde, no meio ambiente, nas comunidades. Agora existe uma expectativa e necessidade concreta de evoluir constantemente na direção do impacto positivo.
A pegada de carbono, uso de água, origem dos ingredientes e circularidade das embalagens são dimensões do planejamento e desenvolvimento que vão ter uma relevância maior. Ter claims de produto, diferenciais baseados nessas dimensões pode começar a ser uma vantagem competitiva.
Uma conversa que me chamou particularmente a atenção é a da reputação, o greenwashing, as empresas e marcas qeu fazem discursos lindos sobre os seus projetos de sustentabilidade e nunca falam dos problemas, não são transparentes sobre os desafios e as falhas…essas empresas estão em risco reputacional constante.
O foco na socio-bio-economia foi muito forte, modelos de negócio e ingredientes que sustentam comunidades, desenvolvem as florestas de forma sustentável estão surgindo com muita força e vão receber cada vez mais investimento dos entes públicos e de investidores privados. Esse é um lugar de grande potencial para inovação.
O marketing como o catalizador da transformação
Nesses movimentos todos aparece uma oportunidade para o marketing, liderar e integrar a agenda estratégica, articulando todas as partes da cadeia, como fio condutor e dono da integridade da marca.
Precisamos de um marketing que vai liderar uma conversa maior, conseguindo incorporar no pensamento estrategico os elementos de sustentabilidade, ser o catalizador dessas conversas, alinhando desde o processo produtivo até a execução.
A Natura constrói cadeias de fornecimento profundamente integradas, onde impacto e eficiência operam juntos. A Ambev reduziu milhões de litros de água com startups aceleradas pela Quintessa — inovação aplicada diretamente no P&L. O Grupo Pão de Açúcar reduziu desperdício ao integrar startups como Food To Save, evitando 1,5 tonelada de alimentos perdidos em 2024 (Exame). A Dow, ao desenvolver programas com agricultores para regenerar o uso do solo, aumentou previsibilidade e produtividade.
O segredo comum?
Parcerias criam velocidade. Velocidade cria eficiência. Eficiência cria competitividade.
E o marketing precisa voltar a ser a área que costura essa integração — não apenas a área que comunica o resultado.
4. A cultura – transparência, ousadia e valores
As conversas da COP claramente provocam o setor privado para achar soluções, entrar no jogo de uma maneira mais inteira e transparente. Até agora muitas empresas ficaram nas margens das discussões, governos e cientistas debatendo, as empresas de combustíveis fosseis muito envolvidas nas negociações, mas o restante ficou num lugar secundário, mais periférico por bastante tempo.
A conversa agora expandiu significativamente, não se fala só de emissões de carbono, a sócio-bio economia ganhou uma relevância enorme, o uso da água, a necessidade de ter cidades resilientes, as florestas tropicais, os instrumentos de financiamento dessas transformações, a inteligência artificial e a tecnologia com alavancas da transformação…agora tem lugar para todos, essa expansão traz uma nova responsabilidade e necessidade de participação ativa das empresas e das marcas.
Para entrar nesse campo com credibilidade vai ser necessário trazer uma nova perspectiva cultural, um novo nível de transparência e honestidade, é preciso uma postura radicalmente diferente. Os belos discursos pontuais e o greenwashing não vão mais ser possíveis.
Mas essa participação precisa de uma nova postura, fazer parte dessa conversa vai precisar de uma nova construção cultural, a transformação real começa quando uma empresa decide olhar para si mesma com honestidade e ouvir os outros de maneira aberta e sincera. É nesse ponto que cultura deixa de ser um discurso e se torna a força que permite mudar produtos, relações de cadeia, decisões comerciais e até modelos de negócio.
As empresas que estão avançando não são as que acertam sempre, mas as que criaram ambientes onde aprender, ajustar e evoluir se tornou parte da forma de trabalhar. ser honestos e transparentes é o ponto de partida da mudança. Estar dispostos a desafiar os paradigmas do mercado e do nosso proprio modelo vai ser essencial para a mudança ser real
A Natura, por exemplo, só conseguiu construir cadeias regenerativas na Amazônia quando deixou para trás a lógica tradicional de compras e passou a tratar comunidades como parceiras estratégicas — e isso redefiniu seu modelo de operação e seu valor de marca. A Ambev só reduziu mais de 55% de seu uso de água porque abriu espaço para equipes e startups testarem soluções sem o medo de errar, ressignificando a crença de que grandes operações não podem inovar rápido. O Pão de Açúcar só transformou desperdício em oportunidade quando desistiu da ideia de que perdas eram inevitáveis. E a Dow só avançou em práticas regenerativas quando passou a enxergar agricultores como aliados do negócio, e não apenas fornecedores.
No fundo, essa mentalidade não é sobre ser perfeito, mas sobre caminhar de forma mais humana e realista, considerando todas as dimensões de marca, desde a origem do produto ou serviço até o cliente final.