Opinião

COP e marketing: as novas regras do jogo de marca

Evento passou, mas deixou ensinamentos profundos sobre quais marcas irão prosperar daqui em diante

Olga Martinez

Sócia da Amélie Consulting 19 de dezembro de 2025 - 6h00

A COP 30 consolidou algo que o mercado já vinha percebendo, mas ainda não nomeava com a contundência necessária: a agenda ambiental e social deixou de ser periférica e passou a ser estruturante. Não se trata somente de carbono, floresta, regulamentação ou pressão das exportações como pontos econômicos ou financeiros. Trata-se de perenidade — no sentido mais literal e urgente da palavra.

Para quem trabalha com marcas, comunicação e estratégia, isso tem um significado profundo: as marcas que prosperarão não são apenas fortes; são marcas que fazem bem. São marcas que entendem que crescer e gerar lucro não é contraditório com contribuir para um planeta mais saudável e uma sociedade mais justa. Na verdade, é justamente essa combinação que sustenta competitividade, confiança e relevância de longo prazo.

O consumidor brasileiro já decidiu — e espera liderança das marcas

Durante muito tempo, sustentabilidade foi vista como “nice to have”. Isso acabou. Os consumidores já deixaram claras as suas expectativas:

  • 75% dos brasileiros preferem comprar de marcas comprometidas com impacto socioambiental (Globo/MapBiomas, 2023);
  • 84% afirmam que as empresas devem contribuir ativamente com a sociedade (Accenture Life Trends, 2023);
  • 57% pagariam mais por marcas sustentáveis (NielsenIQ, 2023);
  • Marcas percebidas como responsáveis crescem 6x mais rápido (Kantar Purpose Study Brasil, 2023).

Isso não é mais debate reputacional. É negócio. É preferência. É sobrevivência.

E é um chamado direto para as lideranças de marketing: não basta comunicar — é preciso transformar.

A virada de chave: sustentabilidade não é sobre imagem — é sobre sistema

O Brasil vive um momento singular. Empresas exportadoras já se adaptam à legislação europeia anti-desmatamento (EUDR). Investidores cobram métricas ESG. Cadeias globais exigem rastreabilidade. E governos começam a integrar impacto ambiental e social às políticas de competitividade.

A verdade é simples: não precisamos esperar as regulações. O mundo já mudou de direção.

E as marcas que desejarem existir daqui a dez anos precisam fazer o mesmo.

Algumas empresas e marcas já estão trabalhando nessa direção, mas quem está ainda no começo da jornada, como integra esse pensamento dentro do modelo e do processo do negócio atual?

O propósito como compromisso

O propósito não é um slogan, uma frase poderosa para fazer briefings de comunicação, o proposito precisa ser uma declaração de intençoes, na qual o impacto e papel no mundo da marca são claros e explícitos. Para isso, na definição do seu propósito e posicionamento de marca, já precisa identificar os elementos de sustentabilidade que a marca va apoiar, quais são as ODS (objetivo de desenvolvimento sustentável) que estão alinhados com o seu propósito

Não é sobre “storytelling”; é sobre “storydoing”, esse propósito tem que virar realidade

A Natura mostra isso há décadas, com cadeias produtivas regenerativas na Amazônia e parcerias estruturantes com mais de 40 comunidades. Isso não só reforça reputação — é a empresa com a melhor reputação do Brasil em 2025 (Ipsos), e líder em ESG pelo 11º ano seguido (Merco) — como gera vantagem competitiva real: portfólio diferenciado, margens consistentes e expansão internacional.

O posicionamento de marca ganha uma abrangência adicional

Durante muito tempo, marketing trabalhou sem uma visão completa do impacto dos produtos. Conhecíamos ingredientes, posicionamento, embalagem — mas raramente entendíamos o efeito desses produtos na saúde, no meio ambiente, nas comunidades. Agora existe uma expectativa e necessidade concreta de evoluir constantemente na direção do impacto positivo.

A pegada de carbono, uso de água, origem dos ingredientes e circularidade das embalagens são dimensões do planejamento e desenvolvimento que vão ter uma relevância maior. Ter claims de produto, diferenciais baseados nessas dimensões pode começar a ser uma vantagem competitiva.

Uma conversa que me chamou particularmente a atenção é a da reputação, o greenwashing, as empresas e marcas qeu fazem discursos lindos sobre os seus projetos de sustentabilidade e nunca falam dos problemas, não são transparentes sobre os desafios e as falhas…essas empresas estão em risco reputacional constante.

O foco na socio-bio-economia foi muito forte, modelos de negócio e ingredientes que sustentam comunidades, desenvolvem as florestas de forma sustentável estão surgindo com muita força e vão receber cada vez mais investimento dos entes públicos e de investidores privados. Esse é um lugar de grande potencial para inovação.

O marketing como o catalizador da transformação

Nesses movimentos todos aparece uma oportunidade para o marketing, liderar e integrar a agenda estratégica, articulando todas as partes da cadeia, como fio condutor e dono da integridade da marca.

Precisamos de um marketing que vai liderar uma conversa maior, conseguindo incorporar no pensamento estrategico os elementos de sustentabilidade, ser o catalizador dessas conversas, alinhando desde o processo produtivo até a execução.

A Natura constrói cadeias de fornecimento profundamente integradas, onde impacto e eficiência operam juntos. A Ambev reduziu milhões de litros de água com startups aceleradas pela Quintessa — inovação aplicada diretamente no P&L. O Grupo Pão de Açúcar reduziu desperdício ao integrar startups como Food To Save, evitando 1,5 tonelada de alimentos perdidos em 2024 (Exame). A Dow, ao desenvolver programas com agricultores para regenerar o uso do solo, aumentou previsibilidade e produtividade.

O segredo comum?

Parcerias criam velocidade. Velocidade cria eficiência. Eficiência cria competitividade.

E o marketing precisa voltar a ser a área que costura essa integração — não apenas a área que comunica o resultado.

4. A cultura – transparência, ousadia e valores

As conversas da COP claramente provocam o setor privado para achar soluções, entrar no jogo de uma maneira mais inteira e transparente. Até agora muitas empresas ficaram nas margens das discussões, governos e cientistas debatendo, as empresas de combustíveis fosseis muito envolvidas nas negociações, mas o restante ficou num lugar secundário, mais periférico por bastante tempo.

A conversa agora expandiu significativamente, não se fala só de emissões de carbono, a sócio-bio economia ganhou uma relevância enorme, o uso da água, a necessidade de ter cidades resilientes, as florestas tropicais, os instrumentos de financiamento dessas transformações, a inteligência artificial e a tecnologia com alavancas da transformação…agora tem lugar para todos, essa expansão traz uma nova responsabilidade e necessidade de participação ativa das empresas e das marcas.

Para entrar nesse campo com credibilidade vai ser necessário trazer uma nova perspectiva cultural, um novo nível de transparência e honestidade, é preciso uma postura radicalmente diferente. Os belos discursos pontuais e o greenwashing não vão mais ser possíveis.

Mas essa participação precisa de uma nova postura, fazer parte dessa conversa vai precisar de uma nova construção cultural, a transformação real começa quando uma empresa decide olhar para si mesma com honestidade e ouvir os outros de maneira aberta e sincera. É nesse ponto que cultura deixa de ser um discurso e se torna a força que permite mudar produtos, relações de cadeia, decisões comerciais e até modelos de negócio.

As empresas que estão avançando não são as que acertam sempre, mas as que criaram ambientes onde aprender, ajustar e evoluir se tornou parte da forma de trabalhar. ser honestos e transparentes é o ponto de partida da mudança. Estar dispostos a desafiar os paradigmas do mercado e do nosso proprio modelo vai ser essencial para a mudança ser real

A Natura, por exemplo, só conseguiu construir cadeias regenerativas na Amazônia quando deixou para trás a lógica tradicional de compras e passou a tratar comunidades como parceiras estratégicas — e isso redefiniu seu modelo de operação e seu valor de marca. A Ambev só reduziu mais de 55% de seu uso de água porque abriu espaço para equipes e startups testarem soluções sem o medo de errar, ressignificando a crença de que grandes operações não podem inovar rápido. O Pão de Açúcar só transformou desperdício em oportunidade quando desistiu da ideia de que perdas eram inevitáveis. E a Dow só avançou em práticas regenerativas quando passou a enxergar agricultores como aliados do negócio, e não apenas fornecedores.

No fundo, essa mentalidade não é sobre ser perfeito, mas sobre caminhar de forma mais humana e realista, considerando todas as dimensões de marca, desde a origem do produto ou serviço até o cliente final.