Desaprender para pacificar

Buscar
Publicidade

Opinião

Desaprender para pacificar

Pensar e agir de maneira mais flexível é o que poderá nos tirar de bolhas que têm sido sementes da intolerância e falta de abertura a opiniões contrárias


13 de dezembro de 2022 - 6h00

(crédito: kaboompics com/pexels)

Após a eleição mais polarizada da nossa história, um dos aprendizados mais úteis para todos nós talvez seja a urgência em aprender a desaprender. Como assim? É exatamente o que você leu. Trata-se de uma forma de pensar e agir de maneira mais flexível, possibilitando que os pontos de vista se encontrem, ainda que de maneira difusa, mas que possam dialogar entre si. Isso será essencial para que se reconstruam as pontes e os relacionamentos que foram quebrados nesse período.

A tarefa não é fácil, pois de certa forma é uma agressão contra os nossos conhecimentos arraigados. Contudo, para viver e evoluir em um mundo Bani, do inglês, brittle, anxious, nonlinear e incomprehensible (frágil, ansioso, não linear e incompreensível, em português), segundo a definição do antropólogo americano Jamais Cascio, essa habilidade é essencial.

E isso, certamente, passa pela comunicação. Vivemos alimentados por bolhas de informação em nossas redes sociais, que acabam filtrando o que recebemos de conteúdo, muitas vezes sem nos darmos conta. Os próprios algoritmos ditam o que podemos ver, uma vez que estamos retroalimentando-os com nossos interesses. A cada clique ou segundos a mais em um determinado reel a que assistimos, estamos enviando mais dados para eles.

Uma bolha pode isolar as pessoas das críticas às suas posições e pensamentos, prejudicando o livre exercício intelectual, pois gera uma falsa sensação de segurança acompanhada pela satisfação de “estar sempre certo”. Com isso, germina-se a intolerância, que tem potencial destrutivo para a vida em sociedade. Em um ambiente assim, não há abertura para opiniões contrárias.

Some-se a isso o nível de sofisticação da indústria das fake news, que se valem de tecnologias como o deep fake, por exemplo, para despejar uma quantidade enorme de notícias falsas, contribuindo para a poluição das redes e, consequentemente, para a desinformação das pessoas.

Nosso desaprendizado passa por res-significar algumas coisas. Por exemplo, a imprensa continua sendo um pilar essencial para a democracia. Contudo, nem todo mundo que se autointitula “imprensa” tem o compromisso com a verdade. Isso exige cada vez mais cuidado ao selecionar as nossas fontes de informação crível. As redes sociais são alienantes? As redes oferecem voz a todos como uma plataforma de compartilhamento de conteúdos. O filtro deve ser feito por você. E, aqui, há uma verdade inconveniente, pois tendemos a seguir perfis que trazem ou corroboram o que a gente acredita. Um bom exercício é tentar furar a bolha e seguir perfis com opiniões contrárias às suas.

E o WhatsApp é o vilão desta história? Infelizmente, tornou-se uma ferramenta de propagação de fake news. Vale evitar replicar conteúdo fora de contexto nessa plataforma.

E, tão ou mais importante que os pontos mencionados acima, precisamos repensar a forma de nos comunicar. A praticidade da comunicação assíncrona nos leva a pensar que tudo pode ser resolvido por mensagem ou áudio no WhatsApp. Não pode. Nada substitui uma conversa ao vivo ou, no mínimo, por telefone. Pense nisso antes de entrar em uma discussão em outro meio. As chances de ruído e de falta de entendimento são enormes. Basta lembrar de um estudo da Universidade da Califórnia, que apontou que, na comunicação de nossas emoções e atitudes, apenas 7% dizem respeito ao conteúdo. Do restante, nossos gestos e expressões faciais representam 55%, e 38% nosso tom de voz. Isso se perde quase que totalmente ao utilizar uma ferramenta de mensageria.

Nesse sentido, cada um de nós pode ser um agente de transformação para a reconstrução do diálogo, respeitando pontos de vista e, principalmente, propondo conversas baseadas em dados e evidências de fontes sérias e comprovadas. Sem perder de vista que ouvir os outros é parte essencial dessa equação. Não há possibilidade de conversa sem nos despirmos dos preconceitos e ouvir.

Uma das formas que contribuem para esse exercício é aplicar as técnicas de comunicação GIVN (fonte: Conquer). Sua comunicação é gentil, ou seja, procura entender a realidade e o esforço do outro de maneira empática? Ela traz inspiração para o próximo? Ela é verdadeira? Vem de fontes confirmadas, que eu conheço, ou estou apenas replicando sem checar? E, por fim, ela agrega legitimidade ao momento da conversa? É necessária? Essa mudança começa com a gente, dentro de casa, na empresa e em nossos relacionamentos pessoais. E vamos praticar o desaprender diariamente!

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Um lugar solitário

    Assim ainda é a liderança feminina, mas não necessariamente precisa ser assim

  • It’s the end of the metaverse as we know it

    It’s the end of the metaverse as we know it

    A natureza onipresente da internet atual entra em conflito direto com a concepção do metaverso como um espaço distinto para o qual se entra