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Opinião

Do ICQ ao DETOX

Digital deve ser oportunidade para a construção de relacionamento mais humano, personalizado e sustentável com consumidores


6 de outubro de 2022 - 10h00

(Crédito: Reprodução)

Esses dias maratonei “Detox”, série francesa criada por Marie Jardillier que trata com humor e muita ironia nossa relação com nossos gadgets e nossa hiperconexão mobile. Com um elenco afinado, direção certeira e por meio de situações cômicas em que todos nós nos reconhecemos, a história se baseia em uma decisão de duas amigas por darem uma pausa no uso das redes sociais, depois de perderem o controle – e a própria reputação. Mais do que criar identificação com a loucura que é hoje a nossa vida sob demanda dos nossos celulares, a trama nos leva a fazer um paralelo com nosso ambiente do marketing e esse nosso gatilho de buscar respostas just in time sobre planejamento de comunicação. Sem dar spoiler da série, trago uma reflexão: quando o anseio por retorno rápido pode estar nos consumindo a atenção, somos nós os maratonistas da ansiedade por conexão ou os “maratonados” de uma vida em constante urgência de respostas e de busca por resultados?

Mesmo sentindo falta da proximidade nos últimos anos devido a pandemia, todos aumentamos a confiança (e até mesmo, o conforto) com as interações online. Quando não há dúvidas de que a aceleração digital tão urgente e útil nos provocou a pensarmos de maneira até então inesperada, me veio a ideia de que, também no marketing, temos que nos dar conta de que muitas vezes desaprendemos a esperar. Mérito da injeção de investimento que sistemas e plataformas receberam neste período tão desafiador da pandemia do Covid 19. Divulgado ainda em 2021, o estudo Market Review, realizado em todo o Brasil com mais 2 mil consumidores, demonstrou que 65% das pessoas já têm o hábito de pesquisar produtos em redes sociais, enquanto 69% já adquiriram itens que viram em anúncios nessas plataformas.

A velocidade das redes também impacta na nossa urgência de consumo. E, mesmo com a flexibilização dos protocolos de isolamento social em 2022, houve um crescimento de 22,2% de vendas em canais virtuais no ano, segundo um levantamento da CupomVálido. É nesta dinâmica do anseio por respostas imediatas que nós, estrategistas de comunicação e planejadores de marketing, estamos imersos. E aí vale a pergunta sobre o quanto estamos ficando viciados em resultados no curto prazo, com a mesma ansiedade por retorno imediato de mensagens com dupla visualização no Whatsapp ou por encomendas do tipo “chega amanhã” que Market Places nos oferecem.

Sob demanda

Nos já longínquos anos 90, tempo em que a internet ainda era mato e fazia aquele barulho do acesso discado (GenZs, um dia contamos para vocês como era), acessar gente do mundo todo em um dos primeiros aplicativos de bate-papo foi uma revolução. Era o saudoso e sonoro ICQ, um dos apps mais acessados no Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela Media Metrix, com mais de 90 milhões de usuários ativos em 2001. Lembro que, ainda adolescente, fiquei um feriado inteiro conectada (e deslumbrada) pela simples possibilidade de conversar sob demanda, com quem mais interessante parecesse – algo completamente inédito até então. A plataforma ainda não era um lugar onde marcas buscavam participar das conversas, mas foi certamente ali que uma geração inteira entendeu que o nome do jogo começa com “in”: interação individualizada e instantânea.

Adicionalmente e não menos importante, o “in” de intuição é o que faz uma baita diferença para que nós, profissionais do marketing, possamos mergulhar nos dados e emergir com ideias que reforçam a importância de surfar nessa realidade tão dinâmica que é a expressão de marca em nosso contexto digitalizado. Há uma década, em seu livro “Don’t make me think”, Steve Krug já mandava avisar que respeito à inteligência é “tornar a experiência do usuário o mais óbvia possível”, ao passo que ele nem perceba que está ali e atue da forma mais intuitiva que possa existir. E quando nós todos nos sentimos inconscientemente com o radar ligado por informação (vai mais um “in” para completar aí), são as marcas que entendem que, além de tornar simples e coesa a sua atuação, engajam as pessoas quando se colocam como cocriadoras de experiências e de conteúdo.

E nessa tendência da cultura do streaming, com consumo sem interrupção, que está a oportunidade de colocar as empresas em posição de se apropriarem de sua vocação: serem, acima de tudo, narrativas vivas. É por isso que, na economia do déficit de atenção, não importa (na verdade, nunca importou) o que as marcas querem falar, mas sim o que as pessoas querem e estão dispostas a ouvir e interagir com o que recebem através dos sentidos. Estratégias que têm essa humildade são as mais capazes de conectar, trazendo relevância para as mensagens comerciais e de propósitos que desejam transmitir. Como muito bem pontua Bia Granja, a fundadora e CCO do YouPix e um dos maiores repertórios sobre marketing de influência no Brasil hoje, o mercado tem apostado na transformação de diversos creators em marcas e, isso nada mais é do que a materialização de comportamentos e valores humanos sendo convertidos em relações de consumo. Na mesma direção aponta a afirmação do Gian Martinez, CEO e fundador da Winnin, “as marcas que não virarem creators vão competir em desvantagem com creators que viraram marcas”.

A imensa variedade de conteúdos sob demanda atualmente também contribui para tornar consumidores mais exigentes, com expectativas criadas por experiências de consumo mais individualizadas, com maior qualidade e em seu próprio tempo. E aí entra mais um sintoma da nossa cultura de “comunicação em streaming”: precisamos nos relembrar que relações não são construídas de uma hora para outra. E marcas são símbolos de relações, sejam elas transacionais, sejam “lovebrands”. Aqui o limite é tênue, pois ao alcance de um clique, é fácil (e extremamente satisfatório) alguém decidir apertar o “pular anúncio”.

O paradoxo do marketing imediatista, para nós mesmos que estamos inseridos profissionalmente nele, é que, ao contrário das experiências real time, as marcas de valor e sustentáveis serão cada vez mais construídas ao longo do tempo – e a partir de relações personalizadas e complementares. Esse modo de operar é desafiador e ao mesmo tempo extremamente rico, pois implica em desconstruir crenças de que é possível se comunicar e manter a conversa com tantas pessoas de maneira eficiente sem considerar suas diferentes vivências, classes sociais, linguagens, contextos regionais e culturais – ainda mais em um país tão grande e diverso quanto o Brasil. Um bom ponto de detox é sobre a visão de que a comunicação massiva, sem o apoio de toda um ecossistema de conversas, é capaz de realizar.

Outra provocação é sobre a busca non stop de retenção nesta cultura de streaming e de marcas produzindo conteúdo: fidelizar é aprisionar, coisa que ninguém quer de uma relação, por mais comercial que ela seja. Muito mais do que pensar em fidelidade da audiência e de clientes, é preciso refletir sobre valores e experiências que, como organização, somos capazes de

proporcionar, enaltecendo a atenção e o tempo do outro, simplificando ao máximo, solucionando problemas, entretendo, inspirando, emocionando, provocando e trazendo reflexões nas pessoas. Aqui mais uma vez entra a importância da diversidade de pensamentos, já que só ela amplifica a criatividade pela busca de trazer soluções sob múltiplas óticas e gera inovação de fato, porque nos provoca a estarmos muito mais atentos às convergências entre o que nos diferencia enquanto pessoas para, só assim, construirmos marcas que se diferenciem pela intimidade e criação de vínculos reais.

Comunicar não é emitir mensagens, mas sim provocar respostas. Que não necessariamente serão imediatas, como nós mesmos esperamos que sejam os resultados das nossas estratégias de marketing, com expectativa da velocidade de apertar um botão. E isso vale para as marcas que desejam criar conexões verdadeiras, dialogar com pessoas e manter viva a essência social da comunicação, seja ela oral ou digital: longe de querer sobrepor um ponto de vista, elas se posicionam como interessadas em colaborar.

Nesse sentido, o ICQ já tinha nos dado uma pista há um bom tempo atrás: o “aow” fura o silêncio, mas a conversa só engrena mesmo com tempo. Aí pode virar uma história compartilhada. É preciso estar atento e se permitir a um detox que substitua o gatilho do “para ontem” para o de “ir além”. Vamos juntos?

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