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Música digital: quem paga o pato pelo conteúdo ilegal?

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Opinião

Música digital: quem paga o pato pelo conteúdo ilegal?

Em termos musicais, a pirataria é tão antiga quanto a venda de LPs, mas a diferença é que, na época, havia um esforço sério e conjunto da indústria musical contra essa prática


14 de agosto de 2024 - 14h00

Entidades do setor musical emitiram nota conjunta manifestando sua “preocupação com a irresponsável e descontrolada distribuição de MTGs (montagens) pelas plataformas digitais”. Afirmam que a criatividade jamais encontrou qualquer obstáculo no setor musical, que sempre incentivou as diversas formas de remix, utilização de samples e outras formas de expressão artística com usos derivados “sem qualquer entrave”. Por outro lado, denunciam a grave violação civil e criminal desse uso sem autorização dos titulares.

Responsabilizam ainda as agregadoras e as plataformas digitais, “que não somente as disponibilizam, mas criam suas próprias playlists para promover um gigantesco ilícito”. Por trás da nota (e das associações) estão, claro, as gravadoras, maiores prejudicadas pelos remixes desautorizados.

Responsabilizar as plataformas é equivalente a culpar a loja de discos pelas faixas eventualmente desautorizadas contidas em um LP. Parece infactível que o Spotify passe a revisar o conteúdo legal e contratos das 60 mil faixas que são inseridas diariamente na sua base. Tal qual a loja de discos, a plataforma pode até vir a ser responsabilizada de alguma forma, mediante uma tese jurídica que venha contornar a regra do Marco Civil da Internet que expressamente a isenta de responsabilidade nesses casos, mas seria como enxugar gelo.

A democratização da tecnologia permitiu que qualquer contrafator tenha seu pequeno estúdio de gravação no próprio celular. E é a mesma tecnologia que permitiu que qualquer um copiasse e vendesse fitas cassete quando a pirataria atingiu seu auge nos anos 1980. Em termos musicais, a pirataria é tão antiga quanto a venda de LPs. A diferença é que, na época, havia um esforço sério e conjunto da indústria musical contra essa prática.

Antes das plataformas digitais inaugurarem o comércio digital, que extinguiu a pirataria dos LPs, CDs e DVDs, as gravadoras se alinhavam com o governo, por meio das secretarias de repressão à pirataria, além de fazer campanhas nacionais sérias contra o conteúdo ilegal. No campo jurídico, eram buscas e apreensões frequentes em lojas e barracas de rua, com uma repressão fortíssima patrocinada pelas gravadoras, grandes estúdios de cinema e emissoras de TV. Era um trabalho de campo tão necessário quanto infindo: apreendiam-se em uma esquina produtos contrafeitos que amanheciam à venda a três quarteirões dali.

A venda na internet não é muito diferente da que é feita por comerciantes de rua. Remove-se o conteúdo indevido de uma plataforma, reaparece em outra. E, sim, está nascendo uma indústria pirata com alcance mundial, que será, em breve, potencializada pela inteligência artificial, enquanto os artistas fazem esforços isolados por justiça e clamam por ações mais eficazes da indústria.

Fato é que banir o conteúdo ilegal da internet é tão difícil quanto remover leite derramado na piscina. A diferença é que, ao invés de colocar as mãos na massa (e no bolso), a indústria musical espera que as plataformas digitais, intermediárias da transação, mantenham a piscina limpa.

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