Não existe marketing do futuro
O que existe é profissional de marketing datado
O que existe é profissional de marketing datado
Outro dia, desavisadamente, fui convidado a definir o marketing do futuro em sugestivos 140 caracteres. Para ganhar tempo e pensar em algo minimamente inteligente, usei daquelas frases de efeito paralisantes (que não necessariamente fazem sentido na largada, talvez não façam nunca, mas nos dão alguns segundos de fôlego): “Amigo, não acho que exista o marketing do futuro” (silêncio).
Voltando para casa, o rosto de decepção daquelas pessoas me perturbava. Talvez eu tivesse cometido uma heresia. Talvez as pessoas esperassem uma resposta mais inspiradora. Estavam sedentos por terminologias e nomenclaturas. E eu nem usei todos os caracteres a que tinha direito. Então, quase terapeuticamente, comecei a escrever esse texto. E por mais que tenha me esforçado, não consegui pensar de forma diferente.
Se a essência do marketing é conhecer profundamente as pessoas (e eu acho que é), temos de voltar para o básico e não complicar. Existem as pessoas do futuro mudando a cada dia. O marketing precisa entender e acompanhar essas mudanças sempre. O resto são ferramentas, possibilidades, tecnologias e, claro, terminologias, nomenclaturas.
Marketing não é sobre infraestrutura, é sobre intraestrutura. É sobre cultura. E se isso tudo fizer mesmo sentido, a pergunta deveria ser outra: “nós, profissionais de marketing, estamos mudando na mesma velocidade que as pessoas?” Eu acho que não. Estamos mais preocupados em dominar a técnica e construir cases de curto-prazo, do que investindo tempo em gente e no verdadeiro entendimento do comportamento humano.
E o reflexo disso é a perda de relevância e, sobretudo, da capacidade de sermos protagonistas na transformação que todas as empresas estão ou estarão vivendo (caso não tenham morrido antes). Nós, profissionais de marketing, tradicionalmente, sabemos de tudo. Discutimos tudo. Temos opinião sobre tudo. Mas passamos ao largo das questões estruturantes de nossa profissão. Falta redefinirmos e atualizarmos nossa visão, cultura e propósito. Um tripé que em sintonia faz toda diferença. Porém, quando não em harmonia, leva empresas e marcas à extinção. Por que seria diferente com carreiras?
Reconhecidamente, somos bons em construir marcas. Mas, sugestivamente, nos faltam hoje posicionamento e proposta de valor. Sobre o que verdadeiramente entendemos? Que diferença isso faz efetivamente na vida das pessoas e das corporações?
Essa é a conversa. Sucesso passado não é garantia de sucesso futuro. Será que temos a maturidade e a coragem para construirmos esse novo ciclo? Não sei você, mas eu perco o sono com isso. Amo o que eu faço e quero me reinventar. Sei que preciso. E vou precisar continuamente. Isso que me move e me faz querer continuar fazendo o que eu faço. Só que de um outro jeito, para entregar outro tipo de valor e por motivos novos e mais inspiradores.
Em muito pouco tempo, vão ser muito raros os profissionais de marketing de sucesso que não entendam minimamente sobre tecnologia. Não acho que precisaremos ser exímios programadores. Mas precisaremos saber como se programa e, principalmente, como se usa a tecnologia a favor de uma ideia
Fazer marketing hoje precisa ser muito mais do que a literalidade que sempre foi suficiente. A transformação que o mundo passa hoje, passa também pela resignificação da relação das pessoas com as marcas. Novos valores estão em pauta. Novas perspectivas se abrem. A tecnologia empodera, expõe virtudes e vulnerabilidades. E, sobretudo, possibilita transformações exponenciais. Nesse contexto, vale a pena se contentar com a transformação periférica? Apenas incremental e no papel?
O profissional de marketing do futuro precisa olhar para o futuro hoje, com respeito, mas sem medo. Ter a capacidade de imaginar novas possibilidades de forma audaciosa e otimista e compreender que elas provavelmente surgirão mais cedo do que o esperado. Saber o que está na pauta das pessoas virou commoditie. Cada vez mais, temos de ter repertório, para desenvolvermos a capacidade de antever o futuro, as tendências, de ligar dados e sermos insightfull e criativos. Sim, não dá mais para delegar isso. É só isso que as máquinas não vão fazer. Existe inteligência artificial, mas emoção artificial não é emoção. Marketing é. O nosso patrimônio líquido será daqui para frente o nosso potencial criativo para construir conexões emocionais.
Em muito pouco tempo, vão ser muito raros os profissionais de marketing de sucesso que não entendam minimamente sobre tecnologia. E aqui, é mais do que ler ou ir ao SXSW. Não acho que precisaremos ser exímios programadores. Mas precisaremos saber como se programa e, principalmente, como se usa a tecnologia a favor de uma ideia, seja para melhorar a experiência ou para dar escala de forma eficiente.
Se os aplicativos que tanto gostamos são beta e se atualizam sem frescura. Por que temos tanta resistência? Seja na forma como lidamos com nossa carreira, seja no jeito com o qual trabalhamos. Precisaremos ter cada vez mais tolerância ao erro e a correr risco de forma consciente. Ninguém tem certeza do novo. Isso vale para os modelos de negócio de todas as indústrias, mas vale também para o nosso: marketing.
As pessoas mudaram. A sociedade mudou. As mudanças necessárias no marketing são — tão simplesmente — fruto disso. A relação das pessoas com as marcas será pautada cada vez mais, por significado, ganha-ganha, transparência e ética. Daqui para frente, será muito difícil alguém bem- sucedido em nosso mercado que não tenha essas características. Mas aqui vou além. Estou me referindo a um profissional altruísta. Que o tempo todo, em todas as atitudes e projetos, procure fazer bem fazendo o bem.
As possibilidades pela frente são infinitas e maravilhosas. A reinvenção é um dom divino e humano ao mesmo tempo. Fazer marketing passa por isso. Nossa profissão não é divina, mas é totalmente capital humano. Marketing é gente nas duas pontas. Se somente uma delas se transforma, perde-se a conexão.
Não existe marketing do futuro. Existe profissional de marketing datado. E isso não tem a ver com idade. Muito menos com tempo de carreira. Tem a ver com talento e vocação. Talento em entender pessoas. Vocação para liderar, autoliderar e ser o futuro hoje. Se eu voltasse no tempo e tivesse de novo aqueles 140 caracteres, aproveitaria melhor a oportunidade: “Amigo, não acho que exista o marketing do futuro. Mas torço para haver profissionais de marketing habitando por lá. É tudo sobre pessoas. Aposte nos jóqueis e não nos cavalos.”
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