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Opinião

O investimento em diversidade está diminuindo no Brasil?

Além de imperativo moral, tema é questão econômica estratégica ignorada por muitas empresas


16 de abril de 2024 - 6h00

Com um atraso significativo de pelo menos três décadas, comparado a outras democracias multiculturais, o mercado brasileiro dá passos lentos quando o assunto é diversidade. A morte de George Floyd, nos Estados Unidos, e o crescimento do Movimento Black Lives Matter em todo o mundo fizeram com que o mercado brasileiro finalmente “acordasse” para a importância do investimento em diversidade como um imperativo moral. Afinal, o Brasil tem um elemento importante: o tamanho da população negra. Diferente dos Estados Unidos, onde afro-americanos representam cerca de 13% da população, no Brasil, pessoas de ascendência africana, indígenas ou não-brancas (pardos) são quase 60% dos brasileiros.

Além da questão moral, que grita aos olhos de qualquer estrangeiro visitando o Brasil por conta do racismo estrutural e o colorismo de nossa sociedade “pigmentocrática”, há ainda outro fato que por muito tempo foi negligenciado pelo mercado brasileiro: o custo econômico do racismo. Ou seja, quanto o país perde por conta do racismo que impede a mobilidade social de milhões de pessoas, impactando a qualificação profissional, produtividade e até mesmo a arrecadação de impostos. Segundo um estudo do Citibank, os Estados Unidos deixaram de ganhar 16 trilhões de dólares (dados de 2020). Não precisa ser matemático para saber que no Brasil esse custo tem proporções ainda maiores.

Como consultor em Diversidade e Inovação, percebi que durante o ciclo 2020-2022 houve, sim, um grande progresso, ao menos retórico, no investimento em políticas de diversidade, com a criação de grupos de afinidade, eventos públicos, compromissos assinados e um certo comprometimento de algumas lideranças referências do mercado com a inclusão e diversidade. Porém, parece que essa “lua de mel” está chegando ao fim.

O acompanhamento dos relatórios das corporações e o volume de investimentos em projetos podem indicar que o tema da diversidade, em especial a racial, não parece ser mais uma prioridade das grandes e médias empresas brasileiras. E isso é muito preocupante, afinal, estamos falando de um país que aprofundou as desigualdades sociais na pandemia e ocupa a posição 84 no IDH mundial, mesmo estando entre as 10 maiores economias do planeta.

Não é por acaso que Florianópolis é a cidade mais bem posicionada nos indicadores sociais e Salvador a última. A primeira com mais população euro-descendente e a última, a com mais descendentes de africanos que ainda pagam o preço da escravidão e seu nefasto legado e traduz em um grande déficit de patrimônio que impacta, inclusive, o acesso ao crédito.

Em 2019, escrevi o livro “Oportunidades Invisíveis” (Ed. Matrix) onde argumentei que quanto mais diversa uma empresa é, mais inovadora será. Fiz uma pesquisa extensa em livros internacionais e trouxe cases de países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e até mesmo da África do Sul – que compartilha conosco um dos maiores índices de desigualdade – e foi a criadora do modelo de segregação “apartheid”, que aqui tomou uma proporção diferente, pois não foi um marco legal, mas cultural.

No livro, eu também advogo a ideia de que as empresas devem se mover no caminho da diversidade não apenas pelo fato da segregação racial que vivemos ser moralmente inaceitável, mas por elas estarem sendo menos inovadoras e, consequentemente, perderem dinheiro por não conseguirem se comunicar de maneira ampla ou simplesmente não acessarem nichos de mercados étnico-culturais ou regionais. Muitos não sabem, ou ignoram essa informação, mas os chamados ícones globais afro-americanos são fruto da sagacidade do mercado em identificar parcerias sólidas com criativos negros, a exemplo da parceria do grupo de rap RUN DMC com a Adidas nos anos 90, a parceria de Dr. Dre, fundador da Beats com a Apple ou do império criado com JAY-Z no rap (vale a pena ver a biografia dele e a história da parceria com a empresa Champagne Cattier).

Fico perplexo em ver tantas startups criativas fundadas por pessoas não-brancas sendo ignoradas pelos “corporate ventures”, tantos criadores de conteúdos talentosos serem ignorados por não terem milhões de seguidores e tantos eventos de grande impacto lutarem para conseguirem patrocínio, sobretudo se estiverem no Norte e Nordeste. Isso diz muito sobre a visão de longo prazo do nosso mercado.

Agora, em 2024, encerra-se a chamada “Década Afrodescendente” estabelecida pela ONU como um ciclo onde os países com populações da diáspora africana e também do continente se comprometeram em investir na educação, empregabilidade e melhoria das condições de vida de seus cidadãos de origem africana. Fico curioso para saber quais números levaremos para os fóruns da avaliação da ONU em relação ao mercado brasileiro.

A nova Lei da Igualdade Salarial, por exemplo, preconiza a divulgação pública dos dados de salário entre pessoas negras e não-negras e temos números alarmantes de empresas que se vendem no discurso como muito diversas, mas que possuem poucos profissionais negros contratados. É preciso, entretanto, pensar a diversidade não apenas na área de Recursos Humanos, mas também na Comunicação e Marketing, Pesquisa e Desenvolvimento e Supply Chain.

Diversidade não é moda e nem trend de redes sociais. Precisamos encarar a diversidade como parte da estratégia de mercado das empresas e pauta dos conselhos de administração e dos indicadores a serem monitorados por investidores dessas corporações. Só assim teremos um progresso real nesse tema.

Como disse certa vez um dos gurus de Wall Street, John W. Rogers Jr., presidente do conselho da Ariel Investments, com 14,9 bilhões de dólares em investimentos: “Diversidade e Inclusão afetam a capacidade de uma empresa ter sucesso. Não quero investir em empresas retrógradas, pois elas correm o risco de ficar obsoletas”.

Paulo Rogério Nunes, é consultor em Diversidade e Inovação na Casé Fala e autor do livro “Oportunidades Invisíveis”.

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