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Rã ou Sapo?

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Opinião

Rã ou Sapo?

Ideias não nascem fortes, pelo contrário, são frágeis quando pequenas. Campanhas memoráveis só se tornaram campanhas porque alguém acreditou nelas, soube identificá-las


29 de setembro de 2016 - 17h21

Foto: Reprodução

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É senso comum entre nós, publicitários, que a qualidade dos trabalhos veiculados está cada vez mais baixa. Não é preciso ser um expert no assunto para perceber o baixo nível das campanhas que aí estão. Comerciais que não empolgam, mensagens pouco consistentes e superficiais, uma comunicação “meia boca”. Vez ou outra, somos surpreendidos por uma campanha boa, mas essa não é a regra, o conjunto da obra não tem empolgado. As razões para isso? São muitas, aliás, variam de acordo com quem responde.

Para uns, a culpa é da criação, para outros, da pesquisa. Alguns vão culpar a juniorização dos clientes e por aí vai. Eu acredito que seja pelo conjunto da obra: somos todos signatários dessa enorme ficha técnica. Mas, se eu pudesse sugerir um ponto para ser trabalhado, investiria no critério. Identificar uma boa ideia, quando essa ainda não se materializou, é o segredo.

Ideias não nascem fortes, pelo contrário, são frágeis quando pequenas. Campanhas memoráveis só se tornaram campanhas porque alguém acreditou nelas, soube identificá-las. E, isso, envolve toda a nossa cadeia produtiva. Mas o critério vem com o tempo, com a experiência que só os anos são capazes de moldar.

Me recordo que quando criança meu tio veio nos visitar com a família. Morávamos em uma minúscula cidade no interior de São Paulo. Até hoje acho que ainda é pequena, se chama Apiaí. Era longe de tudo e de todos. Uma estrada de terra, cheia de curvas e um clima para lá de hostil, com temperaturas consideradas glaciais para esse pequeno indivíduo baiano, davam a tônica desse isolamento. Para melhorar, nossa casa não ficava na cidade e, sim, numa vila reservada aos funcionários da empresa que o meu pai escolheu para trilhar o seu destino. Canal de TV, só a Globo, mas pegava mal e porcamente. Telefone? Era uma opção e dependia do humor da telefonista.

Resumindo, era longe pra burro, isolado da civilização e qualquer visita era celebrada. Receber meu tio, vindo da Bahia, com toda a família era motivo de festa. Mais do que isso, era restabelecer contato com a civilização. Sei que pareço estar exagerando, mas quando se mora numa vila com apenas oito casas, onde metade delas ficava desocupada, a 5 km da cidade, aos 6 anos de idade, você se sente de fato um pouco isolado.

Enfim, lá estava meu tio Paulo, contando as novidades da Bahia e do mundo, as tendências e o que estava na moda. De tiradas rápidas, parceiro, preenchia por completo aquele vazio causado pelo isolamento. Homenzarrão, forte, bem-humorado, meu tio Paulo era e é realmente uma figura. É um cara com muitas qualidades, mas o que ele gosta mesmo é de comer. É o que chamamos de um “bom garfo”. Papo vai, papo vem, ele nos pergunta se já havíamos comido gia? É como se chama a rã lá na Bahia. Isso pra mim era uma novidade.

– Você come sapo? – perguntei.
– Sapo não, rã! É diferente! – respondeu ele.

Pouco me importava a diferença, estava mais interessado na caçada. Esse era um dos meus passatempos preferidos, o que não faltava naquela vila no meio do mato era bicho. Besouro, cobras, tatu, tinha animal de todo tipo e qualidade. Caçar e pescar era o meu passatempo. Uma versão Pokémon Go ancestral. A conversa sobre quão gostosa era a tal da rã evoluiu para uma aventura gourmet. Afinal, era a última novidade vinda do mundo exterior. Um, dois e lá estávamos todos nós na beira do lago, com lanternas em punho. Não demorou muito e meu tio logo me apontou uma rã. Pulei em cima e agarrei. Não tinha para ninguém. Orgulhoso, exibi o meu troféu. Foi quando começou uma discussão. Meu pai olhou e falou:

– Paulo, isso aí é sapo!
– Imagina, é rã. Vai por mim, eu conheço.

Eu também achava que era sapo, mas diante do estrangeiro, advindo da civilização, quem era eu para discordar. Para falar a verdade, fiquei foi muito empolgado, pois o que mais tinha naquele lago era sapo ou melhor, rã. Uma a uma fomos varrendo a beira do lago e enchendo o saco, foi uma farra. E pensar que durante muito tempo eu havia ignorado aquela iguaria. A coleta ia de vento em popa até que alguém me apareceu com um bicho diferente nas mãos. Parecia com a rã, mas era mais liso e tinha as pernas mais alongadas. Na dúvida, fomos mostrar para o especialista que foi taxativo no seu diagnóstico:

– É sapo! Pode soltar.

Para a alegria do pobre anfíbio, lá se foi ele. Lá pelas tantas, quando já estávamos com o saco cheio até a boca, Seu Viana, morador do lago, apareceu com os seus filhos para ver o que estávamos fazendo.

– Caçando rã – falou meu pai mostrando orgulhoso o conteúdo do saco – Vamos fazer uma fritada lá em casa.

Seu Viana, homem simples e matuto, nascido e criado no meio do mato, olhou com atenção para aquele emaranhado de pernas e não demorou para cravar o diagnóstico:

– Isso aí é sapo.

E antes que alguém pudesse contradizê-lo, emendou:

– Olha só essas bolsas ao lado dos olhos, é veneno, as rãs não possuem.

Meu tio esmoreceu, meu pai gargalhava. Iniciamos uma triagem minuciosa. Seu Viana era implacável

– Sapo, sapo, sapo, sapo….

Logo, não restou nada no saco. E não demorou muito para concluirmos que a única rã que caçamos naquela noite foi solta, confundida com um sapo. Faltou critério. Talvez, por isso, estejamos assistindo a tantos sapos na TV.

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