Um lugar solitário
Assim ainda é a liderança feminina, mas não necessariamente precisa ser assim
Assim ainda é a liderança feminina, mas não necessariamente precisa ser assim
Ao ler o título deste artigo, você pode dizer que há muito mais vozes femininas líderes atualmente, que avançamos fora e dentro das corporações. Sim, é verdade. Nós avançamos. No entanto, isso ainda não nos deu a posição de liberdade, de congregação e tampouco a dimensão do espaço e a voz a que temos direito. Digo isso porque ainda é solitário para muitas mulheres que se veem em uma reunião envoltas apenas de líderes homens – eu já estive nessa situação; para as que tentam buscar o balanço da vida profissional e pessoal, mas se pegam questionando se isso é possível. É um sentimento ainda predominante, que temos de combater.
Recentemente, eu me deparei com uma pesquisa da TheLi.st, que mostrou que 53% das mulheres que ocupam cargos de liderança sentem solidão no trabalho e, à medida que vão crescendo na carreira, esse sentimento aumenta. Para os homens pesquisados, o contrário: conforme eles avançam em suas jornadas profissionais, a sensação de isolamento diminui.
Quando analiso essa pesquisa, automaticamente faço uma reflexão sobre a minha carreira. Ao longo da minha trajetória, muitas vezes me senti sozinha. Desde o início, trabalhei em mercados que, até hoje, são majoritariamente liderados por homens.
Vi-me, em inúmeras situações, rodeada de apenas figuras masculinas (em reuniões, em viagens a trabalho), e com um desconforto que bloqueava minha participação, minha capacidade de contribuir com ideias, opiniões e tomadas de decisões. Coloquei em xeque em vários momentos minha capacidade de chegar à liderança e meu desejo de continuar investindo na carreira. Eu me questionei solitariamente, tive apoio de alguns mentores homens e me senti entendida por amigas mulheres.
Num dado momento, encarei o desafio de transformar os estereótipos atribuídos às mulheres em propagandas de bebidas. E é difícil mudar o status quo. Com meu time, procuramos mulheres ilustradoras que redesenharam os tradicionais cartazes de bebidas expostos em bares e restaurantes. No lugar de propagandas de modelos servindo ou ostentando a bebida em trajes mínimos, surgiram campanhas de mulheres reais, empoderadas e que dividem o mesmo desejo dos homens de se divertir com seus amigos.
Foi o começo de uma onda. De um compromisso de não retratar mais a mulher como objeto. Alguns meses depois, recebi a ligação de uma grande emissora de TV, dizendo que pela primeira vez em sua história, sua principal imagem do Carnaval – a de uma mulher negra seminua – iria mudar: ela sambaria vestida. Entendi o poder que as nossas decisões, como líderes em organizações, têm em mudar drasticamente paradigmas até então fortemente enraizados na cultura brasileira. Nós temos o privilégio de criar conversa, implantar questionamentos, transformar conceitos e mudar cultura.
Hoje, como CEO de uma das maiores empresas de bebidas destiladas do mundo, onde nós mulheres somos 50% dos profissionais em cargos de liderança, e orgulhosamente, somos lideradas globalmente por uma também mulher CEO, tenho a certeza de que estamos progredindo. Me sinto menos solitária nesse lugar. Mas tenho certeza de que ainda há muito a ser feito.
Trabalhar por uma política forte em prol da equidade de gênero, no dia a dia, é motivo de satisfação pessoal e profissional. Vejo avanços significativos no mundo corporativo rumo a uma agenda que inclui, valoriza as diferenças e que cria oportunidades iguais e justas. No entanto, ainda somos minoria. Em encontros de líderes CEOs é notória a ausência de mulheres em cargos de liderança. A pesquisa da McKinsey e Lean In, do ano passado, dá a conta de que a proporção de promoções em diretoria é de 100 homens para 87 mulheres; e isso fica mais triste quando o recorte é entre mulheres negras. É um contrassenso quando olharmos o perfil sociodemográfico do Brasil. Nós, mulheres, somos 52% da população brasileira, e as negras são o maior grupo populacional do país, com 28%.
Como líder, tenho a convicção de que meu papel é abrir caminhos para outras mulheres. Ser exemplo e força ativa para que mais e mais mulheres possam escalar hierarquia; oferecer espaço de aprendizado contínuo e escuta ativa para construir culturas e ambientes em que a segurança psicológica seja o remédio para exterminar essa solidão que nos envolve.
Como organizações, temos responsabilidades sociais e dever de discutir os avanços, mas não só isso. Precisamos entender e dar atenção a interseccionalidades. Não basta projetar a liderança feminina. É preciso projetar a liderança feminina de representatividade. Na hora de criar programas, políticas e incentivos à equidade de gênero nas empresas, devemos considerar o pilar racial como norteador. Como signatária do Mover, eu tenho a oportunidade de trabalhar os temas de raça e gênero de forma integrada e em conjunto com 50 outras empresas. Essa é a prova de que não precisa haver solidão. Estamos juntos.
Se eu posso dizer algo de incentivo para concluir esse espaço, me dirijo às mulheres: sejam corajosas, ousadas, pensem grande, não tenham medo de dizer quem vocês são, dividam suas ideias. Não duvidem de sua capacidade de chegar a um lugar de liderança. A liderança feminina só é solitária se nós não nos unirmos.
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