Uma festa com os nervos à flor da pele
Com obras atrasadas e imprevistos, a Rio 2016 apresenta impasses que se mostram difíceis de administrar
Com obras atrasadas e imprevistos, a Rio 2016 apresenta impasses que se mostram difíceis de administrar
De 2004 a 2008 morei em Pequim e pude acompanhar de perto toda a preparação da cidade para os Jogos Olímpicos de 2008. Pode-se falar o que for da China, mas é preciso admirar a sua capacidade de planejamento e execução de projetos, um dos poucos hábitos comunistas que sobreviveram ao capitalismo selvagem que dá o tom no “Império do Meio” hoje. Foram investidos mais de US$ 40 bilhões dos quais apenas 20% nos 40 novos estádios, arenas e instalações relacionados diretamente aos Jogos.
O grosso do dinheiro foi aplicado mesmo em intervenções urbanas e melhorias de transporte público que garantiram um salto de qualidade na dinâmica na capital. Foi construído um novo aeroporto e ampliadas as estradas de acesso à cidade. O sistema metroviário foi duplicado – com uma linha especial que leva os passageiros da estação de Dongzhimen, no distrito de Dongcheng, ao aeroporto – e concluído o sistema de VLT. Avenidas vicinais foram construídas para melhorar o escoamento no sistema de anéis da cidade, que também foi ampliado.
Durante todo o tempo em que morei lá, as obras infernizaram minha vida e a dos pequineses. Os congestionamentos eram monumentais, o metrô circulava sempre cheio, canteiros de obras se espalhavam por todos os lugares criando uma eterna poeira que deixava tudo meio barrento, dos carros e prédios às barras das calças (isso numa cidade já conhecida pelos seus altos níveis de poluição). Mas com um detalhe: em janeiro de 2008, todas as obras haviam terminado, restando apenas finalizar o tratamento paisagístico dos anéis e do entorno dos estádios.
Isso fez toda a diferença. Os pequineses tiveram de janeiro a agosto para entender o legado que os Jogos Olímpicos trouxeram para a cidade. Perceber como a vida melhorou, os deslocamentos ficaram mais rápidos e a própria cidade, mais bonita. Quando os jogos começaram, em 8/8/2008 (na melhor tradição das superstições asiáticas, já que o som do número 8 se aproxima do som do ideograma da prosperidade), os chineses, no geral, e os pequineses, em particular, abraçaram o evento com orgulho.
No Rio, um cenário que misturou a crise política e econômica federal, a quebra financeira do estado e o atraso em algumas das obras viárias (sem contar o desabamento da ciclovia do Joá, esta por falta de competência mesmo), a relação dos cariocas – e dos brasileiros, segundo pesquisa recente do Datafolha – com o evento azedou. Mas as Olimpíadas não podem ser culpadas por isso. O evento é belíssimo e a festa tem tudo para ser muito bonita e emocionante. Os atletas estão preparados e as competições vão acabar empolgando a todos.
Mas o fato é que, a dias das Olimpíadas, o Rio sofre com boa parte das obras por entregar. O deslocamento na cidade é um martírio diário para milhões de pessoas. A insegurança aumentou, a despeito do reforço da Guarda Nacional. Muitos funcionários públicos recebem salários pela metade (quando recebem). E essa exasperação parece que continua até a abertura dos Jogos, dia 5. O carioca chega aos Jogos com os nervos à flor da pele. Não houve, como em Pequim, um tempo para que as pessoas entendessem o legado das Olimpíadas: os três novos corredores que se espalham pelas Zona Oeste e pela Zona Norte, o VLT no Centro, a reurbanização da área portuária, a ampliação ainda tímida do metrô para a Barra e os teleféricos nas comunidades.
As críticas são compreensíveis e juntam tudo – incompetência gerencial e crise econômica, especialmente – no mesmo saco gigante de amarguras e decepções que inclui os Jogos Olímpicos. Mas há quem queira torcer e participar da festa olímpica. E esse desejo não significa alienação da realidade. Esta, é sempre possível melhorar a cada dois anos nas urnas. E que venham os Jogos!
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