Para onde caminha o ESG na comunicação?
Embora o tema, de modo geral, esteja em alta, a atenção dada ao "S", ou social, ainda é limitada, deixando em segundo plano a situação da maioria das pessoas
Embora o tema, de modo geral, esteja em alta, a atenção dada ao "S", ou social, ainda é limitada, deixando em segundo plano a situação da maioria das pessoas
A necessidade de as empresas se comprometerem, efetivamente, com as práticas de ESG (Environmental, Social & Corporate Governance) tornou-se uma prioridade no mundo corporativo em todos os segmentos. E em nosso meio – do jornalismo, da publicidade e da área de RP, entre outros que integram a indústria da comunicação –, esse tema não só ganhou relevância, como passou a influenciar a comunicação das marcas, das pessoas e das lideranças da publicidade, bastante focado ainda sobre a diversidade e inclusão.
Muitos líderes locais, principalmente de agências e anunciantes multinacionais e de outros players globais, dedicam tempo para discutir e “tentar” implantar, em suas organizações, o conceito de ESG e a inclusão das minorias. A maioria tem como exemplo os cases, dados e a literatura europeia e americana, criando um roteiro cuja prioridade está alinhada às exigências globais. Como esses líderes têm bom acesso aos meios de comunicação e às redes sociais – contando inclusive com empresas especializadas para cuidar das suas próprias redes –, o tema parece dominar o ambiente na área de comunicação, propagando-se além dela.
Ressalta-se ainda que os atributos de atual e chique também passaram a ser associados às pessoas que estão conectadas ao ESG e que expressam isso, criando um movimento muito forte de promoção do tema, inclusive presente nas campanhas publicitárias, nas ações e iniciativas dessas empresas.
Contudo, a direção dada ao tratamento do tema sob o foco do “S” do ESG, ou seja, do Social, ainda é bastante limitada, pois, exceções à parte, tem deixado em segundo plano a questão social associada à situação financeira e precária da maioria da população. O Brasil tem hoje 60 milhões de pessoas na linha de pobreza , 30 milhões ainda não têm acesso à água encanada e100 milhões ao serviço de esgoto. Na educação, somente 18,1 % de jovens entre 18 e 24 anos estão nas universidades .
Não é preciso lembrar que a população negra é a mais alijada de tudo isso, devido à falta de condições financeiras para ter a educação necessária a uma boa inserção social, além da discriminação racial. Os negros (pretos e pardos) representam 56% da população brasileira e, embora o número de alunos negros no ensino superior tenha crescido quase 400% entre 2010 e 2019, graças às políticas de cotas, chegando a 38,15% do total de matriculados, os negros ainda são minoria em cargos de liderança em empresas no Brasil. Por isso, quando se fala de inclusão dos negros, a abordagem deve ir além do que se propaga nas redes sociais sob uma visão globalizada. Ela deve estar na raiz das organizações da indústria da comunicação, para que deem uma contribuição efetiva em termos de inclusão, contratando mais negros e minorias – hoje, os negros compõem apenas 5% dos colaboradores dessa indústria – e também cuidar da formação dessas pessoas.
É preciso tratar o problema mais a fundo, mudando este cenário para que, efetivamente, se dê mais chances aos negros e a todos que compõem a população pobre. Em minha visão, isto também começa pela educação. E sob esse aspecto, será que as lideranças da indústria da comunicação, voltadas aos exemplos europeus e americanos, estão olhando efetivamente o contexto brasileiro, discutindo o acesso das minorias, se não temos escola de formação profissional acessível para preencher os cargos dentro da nossa indústria? Que escola estamos formando? Que responsabilidade temos como líderes do mercado?
E quando falamos em ESG, isso deve contemplar também a responsabilidade com a democracia, a liberdade de imprensa e o jornalismo, pois sabemos que sem democracia, não há publicidade e jornalismo, e a indústria da comunicação inexiste.
Por isso, esse tema também deve ser priorizado em nossas discussões de ESG e de diversidade. E aqui vai mais uma dúvida: será que estamos fazendo isso? Outro dia acompanhei uma conversa em que um CMO tinha métricas e ROI sobre investimento de mídia, e o “global” estava exigindo mais eficiência na aplicação desses investimentos. A conclusão foi a de que jornais e revistas foram os primeiros a serem “sacrificados”. E aí pergunto: que responsabilidade ESG tem essa empresa ao não olhar para um bem precioso que é o bom jornalismo? Investir nos blogs do bom jornalismo, nos jornais e revistas, sites e outros meios que colocam o contraditório em debate e que buscam a investigação como pilar do conteúdo, é uma grande responsabilidade ESG. Quando o jornalismo relata as ruas, a violência (mesmo que muita gente possa não gostar), ou que cobre o trânsito das cidades ou dá informação do clima, há sempre uma equipe de comunicação por trás – jornalistas, produtores, editores, entre outros profissionais.
Será que, ao apenas vender o produto e cuidar da marca, perdemos o princípio da boa comunicação? Creio que nossa prioridade como líderes da comunicação está invertida, ou então perdemos o princípio profissional, ou talvez, a ética profissional mesmo. “Vender, vender e vender, não importa os meios”, não é um caminho saudável, e muito menos deveria ser pauta para quem discute o tema ESG na Avenida Paulista (na Berrini ou em qualquer outro polo de negócios).
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