Pyr Marcondes
4 de outubro de 2019 - 15h55
Quem pode ter o privilégio de assistir a palestra do Marcio Borges, VP da McCann/Rio, no MaxiMídia, denominada “Social Bots: Inimigos Reais do Ativismo de Marcas”, ficou, certamente, por um lado, fascinado, e, por outro, apavorado.
Social Bots são softwares que automática e vorazmente invadem os espaços amplamente abertos das redes sociais, prioritariamente hoje utilizados na disseminação de mensagens detratoras. Do mal.
São um fenômeno global, crescente, hoje totalmente descontrolado, que atinge a todos nós, como pessoas, e nossas marcas e negócios, no ambiente corporativo.
O Marcio foi mega cuidadoso em não provocar alarde exagerado sobre o tema, mas quem olhou com lupa a sua apresentação, saiu do evento certo de que uma invasão da Normandia digital está em pleno curso e as vítimas somos todos nós.
Acho que merece você investir os 8 minutos de leitura aqui, que é o que vai durar este texto, para ganhar uma noção um pouco mais profunda e real do que se trata e como isso influencia sua vida, queira você ou não.
Vou aqui seguir a lógica da apresentação do Marcio, para te conduzir ao tema. E tentar, com meu jeitinho estúpido de ser, acrescentar algum layer de reflexão sobre o impacto dessa história na nossa sociedade e sobre nossos negócios.
Vamos lá.
A perda geral de confiança em tudo
Marcio iniciou comentando que há uma crise de confiança generalizada no corpo social. Duvidamos de tudo, as grandes instituições perderam nossa credibilidade e, nesse contexto, tem crescido a relevância das marcas como ponto de referência das pessoas diante do mundo não só do consumo e do mercado de um modo geral, mas de valores e causas sociais.
Sim, marcas estão deixando de ser apenas referências mercadológicas, para passarem a ser também, referências morais. Ou não, dependendo do grau de consciência de seus gestores.
Um dos indicadores de que esse movimento ganha relevância e impacto em nossa indústria foi o Festival de Cannes deste ano, em que não só as campanhas premiadas, como os temas debatidos nas plenárias de conteúdo do evento, focaram em questões como propósito, engajamento, causas, etc. (Fiz na época matéria exatamente sobre isso, que se você quiser pode depois ler aqui.)
Um dos slides mais reveladores do Marcio em sua apresentação é um em que ele afirma que consumir é, hoje, um ato político.
Num ambiente novo engajado ao limite, não seria de se esperar algo diverso. E, também como alertou o Marcio, trata-se não de um modismo (que eu mesmo cheguei a imaginar que poderia vir a ser, mas depois de ouvir o Marcio, me convenci em definitivo de que, de fato, não tem volta.)
Radicalismo e infiltração como normas-padrão
Marcio nos mostra que há um radicalismo bipolar estigmatizando as sociedades e que as redes sociais espelham isso com clareza. Veja slide abaixo. Praticamente todos os grandes temas em discussão hoje no mundo refletem gráficos com este desenho.
(*) Fonte: William Brad, et al, in “Emotion shapes the diffusion of moralized content in social networks”
Esse enfoque resultou na manchete da matéria de cobertura da palestra do Marcio, “O que é moderado não tem voz”, feita pelo M&M, e que você pode ler aqui.
Aproveitando-se desse pano de fundo, ideologias, ativistas de causas, hackers digitais sociais, agentes políticos, prestadores de serviço inescrupulosos de empresas, e gente insana em geral, se utilizam dos social bots para disseminar mensagens de viés específico – como disse, usualmente detrator – para desestabilizar reputações, disromper discursos e teses, enviesar conversas e discussões de grupos online, invadindo as redes e se infiltrando em meio a elas de forma viral, como bem mostra o assustador gráfico abaixo.
(*) Fonte: “Missinformation and Misbehavior Mining ont he web”
A carinha deles
Esses bots não tem nada de mimosos, como já compreendemos até aqui. E são de vários tipos, como nos ensinou o Marcio.
Abaixo, os 4 mais clássicos.
Não é o Apocalipse, só que é sim
Como o Marcio sinalizou em sua palestra, ao conclui-la, não é o Apocalipse. Já enfrentamos a invasibilidade, o ódio, a infiltração insidiosa, a difamação orquestrada em inúmeras ocasiões e as sociedades evoluíram, de alguma forma, para mitigar essas invasões anti-éticas, com algum sucesso na História. Creio e luto por isso aqui do meu palanquinho todo santo dia, há anos.
Só que, ainda assim, é sim um Apocalipse. Há casos e mais casos avolumando-se em todo o mundo em que a vulnerabilidade da nossa sociedade geral, hoje totalmente conectada em rede, fica exposta, resultando em malefícios consideráveis para o corpo social em geral.
Escrevi aqui mesmo vários posts sobre o tema, mas dei uma segurada porque achei que estava virando o Cavaleiro do Espanto de plantão e que as pessoas, muitas delas, não estão de fato querendo ficar lendo e ouvindo uma bate-estaca repetitivo de que a tecnologia é hoje uma ferramenta altamente eficaz da anti-moral, em que pese todos os evidentes benefícios que ela igualmente gera.
Os social bots são um de seus mais avassaladores soldados. A invasão já começou. Somos todos vítimas dela. Não há como negar ou, o que em minha opinião é bem pior, desconhecer
Só conhecendo o mal, podemos combatê-lo de frente.
Obrigado Marcio pelo alerta.
(*) Aqui uma leitura complementar, artigo do Wall Street Journal sobre como a Amazon está sendo vítima de ataques de empresas rivais nas redes sociais.
(*) A apresentação do Marcio no Maximídia é, em verdade, fruto de um trabalho de anos que ele vem desenvolvendo nesse campo do conhecimento, e de uma dissertação de tese apresentada em setembro de 2018 na UFRJ, no Mestrado de Tecnologias e Linguagens da Comunicação, sob o título “Contágio Emocional em Rede: Reações e Engajamento nos posts publicitários brasileiros”. Além de VP da McCann, Marcio é também Pesquisador do Netlab da UFRJ ligado ao CNPq, e desenvolve agora uma nova linha de pesquisas sobre “Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais online”.
(*) Obrigado Maria Laura por me apresentar o Marcio.