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O Futuro da TV (3)
Neste terceiro artigo da série, o poder transformador de Netflix
Neste terceiro artigo da série, o poder transformador de Netflix
Pyr Marcondes
25 de outubro de 2016 - 7h04
Nos dois primeiros artigos desta série O Futuro da TV, falamos sobre a relevância do conteúdo e de como ele vai se tornar uma arma de vendas para o setor de TV. Falamos sobre a chegada inevitável do método programático de compra nessa indústria. Falamos da TV virando internet e vice-versa. Falamos da expansão do ambiente mobile, do crescimento da TV Conectada, e de como a TV terá que pensar cada vez mais de forma customizada e por clusters, usando dados para isso e estando preparada para entrar definitivamente no mundo da performance mídia.
Aqui e nos próximos artigos da série vamos falar sobre Netflix, You Tube, Google, Apple, Facebook, Microsoft, Amazon, conjunto de players e modelos de negócio (criação, produção e distribuição) que ninguém chama da TV, mas que já é TV igualzinho ao resto, faltando apenas a indústria deixar cair em sua própria cabeça este imenso paralepipedo, que aliado a distribuição via apps e tvs conectadas do conteúdo televisivo, será, de fato, o futuro da TV.
Mas vamos começar longe disso, que é falando da estrutura da produção de TV que domina o mundo há décadas e que tem sua principal sede em Hollywood.
Aí o leitor vai imediatamente pensar que Hollywood é cinema e que nada tem a ver com TV.
Bom, faz tempo essas duas indústrias são a mesma e se chama indústria do entretenimento (bom lembrar também que tv aberta e tv paga não são indústrias diferentes também, mas faces de um mesmo negócio, chamado, por enquanto, de TV). Produções originais de cinema se transformam em pouco tempo em produções para o formato televisivo, notadamente TV Paga, e daí arrancam uma receita em alguns casos maior do que a gerada pelas bilheterias.
Muito bem, a base de produção dessa indústria são os chamados estúdios de Hollywood, como FOX, Columbia (leia-se Sony), Universal (leia-se NBC), Warner (leia-se Time-Warner, comprada semana passada pela AT&T, a primeira maior operadora de telefonia e de internet dos EUA, outro setor que vai invadir a indústria da TV em breve, o de telecom), MGM, Paramount (leia-se Viacom) e Disney. O conjunto de conteúdos produzidos por essa mega-estrutura é o mesmo que assistimos aqui no Brasil, em nossos pacotes de tv por assinatura. A eles vieram somar-se as produções das próprias TVs Pagas, sendo a HBO (Game of Thrones, entre tantos outros) um dos grandes destaques nesse ambiente, que quebra a lógica tradicional da cadeia de conteúdos originais, já que TV Paga sempre foi prioritariamente entendida até então como um setor apenas de distribuição e não de realização.
Pois foi por essa janela que entrou inicialmente a Netflix e, mais recentemente, a Amazon. Outras virão.
Em ambos os casos, estamos falando de outsiders dessa indústria, penetras que têm duas grandes características que os identificam: vem do mundo digital e tem os bolsos muito cheios de dinheiro.
Vamos focar prioritariamente em Netflix, o real grande player da TV dos tempos contemporâneos. E do futuro da TV.
Netflix e a transformação definitiva da TV (TV?)
Netflix nasceu como um serviço de distribuição de conteúdo via streaming, ou seja, OTT, ou seja, Over The Top, ou seja, via web e não pelo cabo, nem pelo sinal de satélite tradicional.
E assim, quebrou de cara a dinâmica de distribuição da indústria televisiva em todo o mundo (no Brasil também, não se engane caro leitor que aqui é uma ilha isolada por conta do BV e da estratificação televisiva que temos, porque não é). Quebrou também a indústria do DVD e a Blockbuster, lembram-se disso?
Mas não se contentando com esse chutão na porta, Netflix saiu quebrando outras lógicas e outros modelos, porque começou a produzir seus próprios conteúdos originais e também pagar alto por conteúdos produzidos pelos estúdios de Hollywood, antes nas mãos das TVs Pagas tradicionais como seu único canal de distribuição.
Os originais de Netflix (que todos conhecemos, como House of Cards, Narcos, Orange is The News Black, etc.), além do sucesso de público e crítica (ganharam dezenas e dezenas de Emmys este ano, o prêmio que reconhece a excelência dessa indústria), foram negócios extremamente bem sucedidos e lucrativos. Custam muito caro para serem produzidos, mas rendem muito mais e deixam em casa um caixa azulzinho de dar gosto aos seus produtores e de deixar vermelhos de inveja e muita raiva os estúdios tradicionais.
Este ano, Netflix investiu US$ 6 bilhões na produção de originais (serão mais de 30 novos produtos, não mais apenas séries, mas também talk shows, shows de humor, etc., isso só em 2016) e na compra de produções de outros estúdios, a ponto da publicação especializada em cinema e TV, The Hollywood Report (THR), ter feito recentemente uma matéria admitindo a hipótese de que Netflix possa vir a ser, na verdade, o grande monopólio da indústria em algum tempo (não fui eu quem disse, tá?). No artigo, entrevistados da THR chegam a comparar Netflix para o mundo do entretenimento com o Google no âmbito da busca web e Amazon no campo do varejo online.
Netflix teve um lucro líquido de quase US$ 7 bilhões em 2015. Tem hoje 83 milhões de assinantes em 190 países, com conteúdos distribuídos em 20 idiomas diferentes. Está agora entrando com o mesmo entusiasmo e caixa na produção de originais para o cinema, tendo Brad Pitt e Will Smith como astros de suas duas grandes obras para a grande tela em 2017. Jogo pesado.
É disso que estamos falando.
Na indústria de entretenimento de Hollywood todos torcem para que Netlix quebre. Que Amazon consiga ser seu grande oponente, reduzindo seu ímpeto de crescimento. Que os próprios estúdios consigam de alguma forma contrabalançar essa avassaladora ocupação de mercado com soluções inovadoras. Pode até ser que tudo isso aconteça, mas algo é já totalmente irreversível: Netflix mudou a indústria da TV (e deve mudar também a do cinema) para sempre. O gosto de sangue foi provado. Os próprios players da cadeia tradicional admitem que o que a companhia fez em pouco mais do que 7 anos de vida é transformador e é definitivo.
Informações dão conta de que Disney pagou US$ 1 bilhão para ter um terço de propriedade da BAMTech, que detém os direitos de transmissão dos jogos da liga nacional de basquete nos EUA para o mundo digital. Veja, mundo digital.
Como parte do negócio Disney estaria planejando lançar seu próprio serviço de streaming (olha os estúdios reagindo aí, gente!) para a programação esportiva de sua propriedade ESPN. Some-se a isso o fato de ter comprado também um pedaço (o grupo WPP comprou outro) da Vice Media ano passado, mostrando claramente que a companhia está mais do que de olho no setor OTT. TV virando internet (como você deve ter lido no artigo anterior desta série).
Mas isso tudo aí é TV? Sim, é TV. Mais que isso, é o futuro da TV.
No próximo artigo, vamos falar de Google e You Tube (embora sejam do mesmo grupo, ambos têm estratégias diferentes de ocupar o espaço da TV), Microsoft, Apple e Facebook. Para finalmente concluir com alguns caminhos que a TV no Brasil poderia adotar para enfrentar esse tisunami, que não se enganem, está definitivamente invadindo nossas belas praias tropicais.
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