Por que a conciliação sobre modelos de trabalho é complexa?
Casos recentes envolvendo a volta ao presencial expõe dilema envolvendo anseios das empresas e dos funcionários

Empresas têm exigido o retorno dos funcionários presencialmente por mais dias (Crédito: Monkey Business Images/Shutterstock)
Modelos de trabalho flexíveis sempre existiram, porém, por uma questão de saúde pública, a pandemia de Covid-19 acabou levando essa realidade para um número ainda maior de empresas. E, mesmo com o fim do isolamento, modelos de trabalho remotos e híbridos se mantiveram em alguns setores e companhias.
No entanto, nos últimos anos, o retorno às jornadas presenciais é perceptível. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o número de pessoas que trabalham em home office caiu de 2023 para 2024, passando de 8,2% da população para 7,9%. O IBGE considera o local onde a pessoa mais atua como principal, ou seja, se o modelo é três vezes por semana no escritório, ele se encaixa no presencial.
Fato é que diversas empresas estão,, nos últimos anos, exigindo que seus funcionários retornem aos escritórios, o que tem gerado insatisfação por parte dos colaboradores que já haviam se habituado a um regime mais flexível. O estudo global “Talent Trends 2025”, da Michael Page, uma das maiores consultorias especializadas em recrutamento de executivos, mostra que 60% dos profissionais brasileiros procurariam um novo emprego se fossem obrigados a aumentar a presença no escritório.
Inclusive, recentemente, dois exemplos disso foram parar na mídia. No início de setembro, o Itaú demitiu cerca de mil funcionários que atuavam no regime híbrido ou remoto após uma “revisão criteriosa” de condutas relacionadas ao trabalho à distância, que incluiu atividades realizadas nas plataformas internas e divergências entre registros de jornada.
Outro exemplo foi o Nubank que, no início deste mês, anunciou uma mudança no seu modelo de trabalho remoto atual para um regime híbrido. O descontentamento de seus funcionários foi tamanho, originando uma carta-manifesto contra o fim do modelo remoto e a favor da recontratação de 14 profissionais demitidos por justa causa. Desses desligamentos, segundo o Nubank, 12 foram motivados por má conduta durante video-chamada realizada para informar sobre as novas regras de trabalho, realizada no último dia 6.
Na época do ocorrido, o Nubank disse em comunicado que “reafirma que trabalha para preservar canais e rituais abertos para o livre debate entre seus funcionários, mas não tolera desrespeito e violações de conduta”.
“O empregado expressa insatisfação quando há uma mudança unilateral no regime de trabalho, especialmente se havia uma expectativa de permanência do regime remoto”, destaca Mariana Piva, advogada especializada em direito trabalhista no Marcos Martins Advogados.
Do lado do empregador, na visão de Mariana, a principal insatisfação reside na quebra da confiança e na insubordinação. “O empregador precisa de flexibilidade para determinar o regime de trabalho e se ressente de qualquer ato que configure recusa direta a uma ordem específica ou que exceda os limites da razoabilidade na crítica à gestão”.
Inclusive, as percepções sobre como local de trabalho interfere na produtividade se diferem entre empregador e empregado. De acordo com o estudo, 41% dos funcionários informaram que rendem melhor trabalhando em casa, mas apenas 19% das empresas concordaram com essa afirmação.
Um dilema complicado
O dilema em torno de modelos de trabalho não é novo. Para Mariana, a conciliação entre empregador e empregado é tão complicada por conta da rigidez dos contratos frente à dinâmica das necessidades empresariais, e pela ausência de clareza prévia sobre a exclusividade do regime ou a possibilidade de mudança do modelo a qualquer momento.
“O fato é que a decisão final sobre o regime de trabalho depende do que foi especificamente acordado entre o empregado e o empregador no contrato, e não de uma regra geral”, aponta a advogada. “Se esse acordo é vago ou não existe, a palavra-chave é negocial, o que já pressupõe dificuldade”.

É o fim do home office?
No entanto, Lucas Oggiam, diretor-executivo da Michael Page, acredita que não haverá um modelo ideal e viável para ambas as partes, justamente porque isso significaria que haveria somente uma opção de como fazer as coisas e que todos estariam acordados em seguir determinada linha. “Assim como em outros pontos culturais de cada empresa, a presencialidade é, e continuará sendo, um ponto no qual algumas pessoas se encaixam, e outras não”, completa.
Apesar disso, o futuro, para Mariana, aponta para a necessidade de modelos com regras de governança mais claras sobre a reversibilidade do regime (remoto para presencial) e as condições específicas em que isso pode ocorrer. “A segurança jurídica virá da exaustão das possibilidades e do alinhamento entre a gestão e autonomia do empregador sem excluir o direito do empregado”, diz.
Por fim, ser flexível é uma grande característica para um profissional de sucesso, na visão de Oggiam. “Caso uma empresa seja interessante e tenha um projeto de trabalho que pode ser relevante para sua carreira, trabalhar dias a mais ou a menos no escritório não deveria ser uma questão para você. Salva exceção daqueles que, por intercorrências pessoais, não podem ir ao escritório trabalhar”, conclui.
