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O apagão em São Paulo e a crise reputacional da Enel

Especialistas discutem desgaste da imagem da concessionária, que pode extrapolar para o setor elétrico

i 19 de dezembro de 2025 - 6h00

Nesta quarta-feira, 17, a Enel, companhia responsável pela distribuição de energia na Grande São Paulo, anunciou um investimento de R$ 10 bilhões para acelerar a substituição da rede elétrica da região por uma estrutura subterrânea. O investimento também envolveria a digitalização da fiscalização e o aumento das medidas preventivas.

O apagão em São Paulo

Apagão em São Paulo deixou mais de 2,2 milhões de clientes sem energia elétrica (Crédito: Yauheni-Kazlou-shutterstock)

A nota emitida pela concessionária, no entanto, destaca que a solução requer um plano estruturado e coordenado com as autoridades públicas. “A empresa está disposta a realizar esses investimentos como parte de uma estratégia compartilhada com todas as instituições envolvidas”, apontou o comunicado.

O anúncio é a primeira manifestação da Enel desde a reunião realizada na terça-feira, 16, entre os governos federal, estadual e municipal que decidiu pelo início do processo de extinção, a caducidade, do contrato com a fornecedora de energia.

O encontro reuniu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o ministro de Estado de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Na sequência, Silveira enviou um ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica para formalizar a abertura do processo de análise de falhas da concessionária que pode levar ao fim do contrato.

Na última semana rajadas de vento, causadas por um ciclone extratropical, causaram queda de árvores, cancelamento de voos e um apagão em São Paulo. Na quarta-feira, 10, mais de 2,2 milhões de clientes ficaram sem energia elétrica. Cinco dias após o episódio, a companhia afirmou que o fornecimento teria sido normalizado, mas 53 mil imóveis permaneciam sem energia elétrica.

Segundo uma estimativa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp), o prejuízo para o setor pode chegar a R$ 100 milhões. Já a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), estimou que o comércio pode ter deixado de faturar até R$ 93,4 milhões. O Procon de São Paulo multou a concessionária em R$ 14,2 milhões por infrações às normas de defesa do consumidor.

A marca Enel

Um evento dessa dimensão, naturalmente, impacta a marca da concessionária. “Do ponto de vista da marca, isso mostra que houve uma incapacidade da marca de exercer uma interlocução mais direta e confiável com os poderes estabelecidos, que são os poderes que estão sendo pressionados pela população, assim como houve uma lacuna de comunicação da Enel com a população”, analisa Patricia Gil, professora de comunicação corporativa, especializada em gestão de crise da ESPM.

Para ela, o principal dano reputacional para a Enel seria a inviabilização dos seus serviços na região. Sócio e CEO da CBA B+G, Luis Bartolomeu explica que a construção do valor de uma marca passa por três etapas: a promessa, a narrativa atrelada à promessa e a concretização na entrega.

Quando um dos elementos falha, a marca perde fôlego. “Apesar de não serem necessariamente a mesma coisa, valor e reputação normalmente caem juntos. Serviços essenciais não podem se dar ao luxo de não cumprirem sua promessa como provedores do básico e a Enel, infelizmente, tem reincidido no não cumprimento”, pondera. Neste ano, a Enel passou por um processo de rebranding.

Em contrapartida, para o sócio e diretor-presidente do Gad’, Luciano Deos, a natureza do negócio pode amenizar os riscos. “É muito relativo, porque não estamos falando de uma marca de consumo, uma marca que o consumidor tem escolha. Estamos falando de uma utility regulada, sem opção de escolha”, reconhece.

Contaminação do setor

Outro possível efeito colateral da crise envolvendo Enel seria que o dano à reputação extrapolasse a marca da concessionária e atingisse todo o setor de energia. Nesse sentido, pesa a complexidade de que, embora muitas empresas estejam envolvidas no processo (geração e transmissão de energia), o consumidor se relaciona apenas com a distribuidora.

“O consumidor só entende o que aciona seu interruptor, chuveiro, geladeira, wi-fi e portão de garagem. Ou seja, a reputação de um setor inteiro se resume à ponta do iceberg, mais especificamente à marca que acompanha o boleto”, descreve o CEO da CBA B+G.

A professora de comunicação corporativa da ESPM lembra que, nos apagões de 2023 e 2024 em São Paulo, organizações setoriais se manifestaram na mídia reforçando a importância do setor elétrico.

“Desta vez, não estamos vendo até este momento um movimento do setor novamente em defesa da Enel. Talvez por uma precaução para que as outras empresas não tenham uma contaminação de reputação, considerando que há um cansaço generalizado em relação à qualidade de serviços ofertados pela Enel”, aponta Gil.

Ela ainda acredita que a discussão possa se estender para o modelo de concessão.  “O setor elétrico no Brasil é constituído a partir de um marco regulatório, uma condição regulatória que não é eficiente para garantir serviços bons e retorno ao investidor privado. Nesse sentido, é muito esperado que isso se aprofunde. Uma discussão que vai extrapolar a condição específica da Enel para discutir o modelo de concessão do serviço de energia e talvez uma revisão desse modelo”, opina.