Pyr Marcondes
16 de abril de 2018 - 8h16
Não foi a suspeita de mal uso da grana da empresa que demitiu Sorrell, fomos todos nós. Toda nossa indústria. Cada um de nós demitiu esse inglês genial, que criou o maior grupo de agências do mundo e ajudou a construir um setor poderoso e bem sucedido por incontáveis anos.
Isso porque fizemos questão de ignorar o que ele mesmo afirmou há mais de 5 anos no evento MIXX, do IAB, em Nova Iorque: “Nosso negócio não é mais de comunicação. É de tecnologia”.
Foi ele quem disse (não fui eu), mas nem ele, nem nenhum de nós, prestou a atenção devida aquele aviso, que não vinha dele, mas do futuro. Ele só, brilhantemente, teve a coragem e a perspicácia de perceber.
Não será apenas o WPP que terá que fazer uma lição de casa importante para rever suas práticas de gestão, são todos os grandes grupos de agências do mundo. Não para investigar mal uso de recursos, mas para refletir profundamente sobre o que será esta indústria nos próximos não dez, mas cinco anos.
A chegada do Sadoun no Publicis parece algo num caminho certo. Em entrevista a repórter Isabella Lessa, na edição de aniversário dos 40 anos de M&M, desta semana, Sadoun fala muito de futuro e resume o que, em sua opinião, será a necessidade básica dos anunciantes nos anos que virão: “engajamento dos consumidores uma a um, em escala”.
É um baita statement. E um sólido começo. Nada que o Google não tenha dito há mais de 10 anos. Mas um líder da indústria do porte do Sadoun repetir esse mantra é, sim, bom para o nosso negócio. Antes tarde do que nunca.
O Grupo DAN foi o que melhor percebeu esse caminho há já algum tempo, mas carece do porte necessário para fazer vibrar essa dinâmica para o restante da indústria.
E, ao contrário do que Sadoun diz em sua entrevista ao M&M, que tamanho não importa, importa sim. E muito. Aliás, será o tamanho uma das grandes questões a serem colocadas em cheque nos próximos anos.
Isso porque muitas companhias vão se fundir, muitas vão sumir e o setor vai se consolidar, impactando no tamanho de tudo a nossa volta. Inclusive no do Publicis. E de todos os demais.
As estruturas das centenas e centenas de agências do grandes grupos terão que ser menores, integradas verdadeiramente, e bem mais ágeis do que hoje para atender a demandas que são velozes, mutantes e disruptivas a cada novo dia.
Com o modelo operacional vigente, pensado há décadas para servir anunciantes de um passado que nem existe mais, os grandes grupos de agência padecerão de seu porte, seu peso, sua própria inércia e, se não se moverem rapidamente, serão alvos cada vez mais fáceis para os mísseis do futuro.
E o que são esses tais mísseis do futuro?
Você sabe. Eu sei. Basta olhar a nossa volta. Está tudo aqui e agora.
A tecnologia, como sacou Sorrell, é a base de transformação não do nosso negócio, mas de toda a sociedade contemporânea. De cada um de nós, seres humanos, cidadãos e consumidores. E de todas as empresas e negócios.
Pra facilitar sua vida, Inteligência Artificial e Internet das Coisas. Esses são os mísseis do futuro.
Imaginar que nossa indústria não será atingida por eles e que é uma ilha, só se for a de Bikini, campo de teste dos experimentos nucleares da década de 50.
Nossa indústria sempre fez questão de dizer que espelha e conversa com seus públicos porque os entende e sabe comunicar-se com eles de forma próxima. Pois esqueceu de fazer a lição de casa em seu próprio negócio e foi deixando de perceber a profundidade e velocidade das mudanças tecnológicas e comportamentais do Planeta.
A migração das verbas para o digital não é o tema aqui. Isso é peanuts.
Sorrell, ano passado, no report que fez aos acionistas e para justificar o pior resultado da companhia em anos, usou como justificativa a redução de investimentos dos anunciantes e a migração para o digital.
Isso é a ponta do iceberg.
A transformação digital e tecnológica afeta todas as cadeias de negócio de todas as economias do mundo, a sua forma de produção, os seus canais de distribuição, disrompe todas as indústrias e todo o varejo, muda a forma como cada um de nós vive e viverá.
Migração para o digital é piada.
Ah! Só para não deixar de fora um elo mega-importante, na verdade vital, da nossa cadeia, que poderia, estupidamente, se julgar fora desse desastre todo: as áreas de marketing dos anunciantes e seus gestores estão igualmente nesse radar inexorável das ogivas da transformação.
Ninguém está com seu empreguinho garantido, nem mesmo o marketing parece, como atividade, algo tão inexpugnável assim. Não há bunker para a Transformação Digital. Nada, nem ninguém, está blindado.
Você pode ser o Sorrell de amanhã.
Finalizando, não gostei nada dessa história do Sir Martin e não acho que isso será bom para nenhum de nós.
Pois continuarei aqui do meu palanquinho, como faço há pelo menos uma década, avisando sem que ninguém me dê muita atenção, que a Transformação Digital é inevitável, que poderíamos ter feito a nossa transição como indústria ao longo desse período todo e, mesmo que Sorrell tivesse sido atingido hoje, como foi, pelos mísseis do futuro, isso não teria o impacto que vai ter agora.
Todos para a trincheira. É, sim, uma guerra.