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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Roberto Valerio: “Mais gente com as competências para fazer as profissões”

CEO da Cogna Educação participou do SXSW com foco, principalmente, na aplicabilidade da inteligência artificial no segmento


17 de março de 2023 - 6h00

Antes de vir para Austin, Roberto Valerio, CEO da Cogna Educação – dona das marcas Kroton, Platos, Saber e Vasta Educação / Somos Educação – um dos maiores grupos educacionais do País, fez uma parada em Seattle. Lá, a agenda era um encontro com profissionais da Microsoft para falar sobre a ferramenta de inteligência artificial da OpenAi com a qual a companhia fundada por Bill Gates está trabalhando e saber das suas possíveis aplicações no business da educação.

Já no SXSW, o tema AI continuou na pauta e no raio de interesse de Valerio. Na entrevista a seguir, ele mostra uma visão otimista sobre o futuro em que a inteligência humana conviverá com a artificial.

Roberto Valerio veio ao SXSW com outras seis pessoas de diferentes áreas da companhia (Crédito: Roseani Rocha)

 

Meio & Mensagem – O SXSW começa com o Edu, mas vocês seguem aqui na etapa Interactive do evento. O que se aprende com cada uma delas? Dentre os assuntos ligados a educação e mesmo os mais adjacentes, o que te interessou mais?

Roberto Valerio – Educação é parte do nosso dia a dia. É natural participarmos de todas as palestras. Estamos com um time mais focado no Interactive porque tem muita coisa nova rolando, especialmente AI, que é algo que estamos estudando muito. Semana passada, fomos para Seattle, à sede da Microsoft, para falar com eles sobre OpenAI, que é a ferramenta que eles estão usando. Como conseguimos integrar nos nossos sistemas, modelo acadêmico, página de atendimento ao aluno. Viemos para cá com essa cabeça de “como é que a gente entende a AI e aplica na realidade da educação?”. Tive uns clicks muito legais. A própria Amy (Webb) falou na apresentação dela que é a mesma dúvida que as pessoas tinham em relação à calculadora eletrônica ou computador, em que as pessoas não sabem exatamente quais os cálculos sendo feitos lá dentro, mas sabem operar. A próxima etapa é como nós, na educação, entendemos como operar a AI e fazer disso um benefício para nosso aluno em todos os perfis, desde o AB, que compra nossos sistemas de ensino, até o aluno que está procurando melhorar em sua carreira ou mudar e busca um curso para conseguir um emprego novo. Viemos com um time de sete pessoas de áreas diferentes para capturar interesses diferentes. Tem gente de martech, de PR, de produto, o time de crescimento. Nossa ideia de participar do Interactive é muito mais para ter os clicks e pensar fora da caixa.

M&M – Como o quê?

Valerio – Participei de um painel que falava daquelas BCIs (brain-computer interfaces), chips que estão sendo testados e incorporados ao corpo de maneira que você possa movimentar braços ou pernas, por exemplo, só com o poder do pensamento. Fui lá pensando como é que isso um dia – e não será seis meses ou um ano – poderá influenciar a educação. Será que a gente vai poder aprender com os chips sem ter que, necessariamente, estudar? Aquele conhecimento já vai vir incorporado? Na palestra, ficou claro que isso não é um negócio próximo. Eles estão numa primeira geração, mais para fazer com que uma pessoa que tenha alguma deficiência física possa ter um nivelamento do gap dessa deficiência. Mas os de segunda e terceira geração serão mais isso “Será que vamos construir alguns super-heróis? Algumas pessoas vão ter algumas capacidades mais que outras?” É um negócio que a gente via em ficção científica, mas agora está cada vez mais próximo da realidade.

M&M – Tem-se falado muito sobre tecnologia aqui, especialmente após o avanço da IA, e os desafios educacionais que isso traz e podem aprofundar desigualdades sociais no mundo. O que empresas como a sua pensam em fazer a respeito? As próprias empresas de educação não podem ser ameaçadas nesse futuro?

Valerio – A tecnologia, sim, tem sempre um viés de que as pessoas que não têm acesso vão ficar mais distantes e ter mais dificuldades de conseguir se desenvolver e arrumar um bom emprego. Mas, ao mesmo tempo, o acesso é mais facilitado. O exemplo do computador e da calculadora é ótimo. A gente já vive isso hoje. As pessoas que não têm condições de estudar ou de usar um computador para trabalhar têm uma dificuldade competitiva? Têm. Mas isso é acessível? Não é inacessível, porque os preços estão cada vez menores, tem uma série de programas que facilitam esse tipo de coisa. Outra questão é como a inteligência artificial e a tecnologia vão potencializar ou distanciar alguém de um determinado ponto de partida. Mas, na minha visão, não é impossível que as pessoas possam evoluir. Esse é um pouco do nosso papel, como a gente simplifica o uso de AI e leva essas ferramentas para as pessoas que não têm acesso de uma maneira simples. Ficou muito na nossa cabeça como a gente cria ou ensina um método para que as pessoas possam conseguir escrever um bom prompt, fazer as perguntas corretas para a ferramenta de AI responder. Conversando com um amigo, ele contava que fez uma foto que era uma cena na costa amalfitana. A pergunta era “uma foto na costa amalfitana, eu em cima de um morro, no pôr-do-sol com alguns barcos ao longe, com uma lente (porque ele é fotógrafo) x, com filtro tal”. Ele não sabe construir, mas sabe fazer um prompt, um roteiro de uma pergunta e vai sair uma coisa muito melhor produzida do que só “foto da costa amalfitana”. Então, na minha cabeça, é muito mais qual o método pra que você possa fazer um bom prompt e responder essa pergunta. Esse é um primeiro ponto, ter as competências.

M&M – E os demais?

Valerio – Se vai ter acesso a um computador que tem acesso a AI e tal, essa é uma dificuldade inerente à sociedade desde sempre. Nem todo mundo teve todos os recursos na vida para fazer tudo. Isso faz parte de todas as sociedades e vai continuar sendo um desafio. Vejo até de maneira mais simples. Hoje, temos muitos alunos que querem entrar no ensino superior e fazer, por exemplo, engenharia. Mas ele tem que estudar cálculo em profundidade, senão não consegue avançar. Com AI ele não necessariamente precisa entender cálculo, saber a conta que está por trás; precisa saber fazer a pergunta correta. Na minha visão, isso é um facilitador e não um dificultador. É mais simples fazer a pergunta do que produzir a resposta. E o Ian Beacraft, completando o que a Amy Webb falou, disse “Eu não acho que as profissões vão acabar ou vão mudar. Acho que vai ter mais gente com as competências para fazer as profissões”. Vou dar um exemplo. Vamos lançar um produto, então, precisamos ter uma competência que é customer insights, preciso descobrir qual o mercado desse produto e quais as dores do cliente. Preciso de um cara que é formado e vai gerar customer insights. Depois, preciso de alguém para fazer um business plan, um outro skill; depois, alguém que faça um PMO para implementar isso. São profissões diferentes. Mas uma pessoa que saiba fazer bons prompts consegue extrair da inteligência artificial esses skills e executar. Então, passei a ter três profissões com uma única formação. Vai ter mais gente que vai poder ser jornalista, executivo. É como se você multiplicasse o acesso às profissões. Achei sensacional. Então, para fechar, não acho que seja uma ameaça. Se a gente descobrir, e não me parece ser tão difícil, se soubermos fazer as perguntas e, portanto, os prompts corretos, a gente consegue dar as respostas. E esse, na minha cabeça, é parte do treinamento e do que vem pela frente. Claro que sempre tem que ter educação de base, senão, não sabe fazer as perguntas corretas. Se é alguém que vai trabalhar AI de imagem, vamos ensinar a ele como fazer as perguntas corretas nesse segmento, um pouquinho de fotografia, de iluminação, de direção, de qual contexto quer dar. E para as escolas, as pessoas sempre vão precisar aprender algum skill. Pode ser o do cálculo matemático ou o do prompt, mas precisa saber fazer. Ainda que os conteúdos estejam disponíveis na internet, organizar, curar e entregar de maneira produtiva é o que as escolas, na prática, sempre fizeram, desde a Grécia. Sempre vai existir um papel  –  pode até não se chamar universidades – para organizações que fazem essa curadoria, preparação e entregam esse conhecimento.

M&M – Vocês também operam no B2B. Quais as principais linhas de atuação nessa frente e quem são os principais clientes?

Valerio – Nossa empresa é muito diversa. Fazemos b2c, que é vender direto pro consumidor, para o aluno em ensino superior; fazemos o b2b, porque vendemos sistemas de ensino e soluções de educação para donos de escolas, como Anglo e Ph, que eles implementam; e fazemos o b2g, porque vendemos para o governo também. Nossas editoras Saraiva e Scipione produzem 30% dos materiais didáticos que são vendidos para o governo federal através do Programa Nacional do Livro Didático, que oferece esses livros às escolas públicas. São mais de 22 milhões de alunos impactados. Mais 1,5 milhão impactados pelo b2b, que são os sistemas de ensino para escolas; e mais de 1 milhão no ensino superior. Então, estamos presentes na jornada das pessoas por muitos anos. Vendemos produtos para crianças de sete a 16 anos, para adultos, produtos de graduação regulados e não regulados. Revisitamos nosso propósito há um ano. Anteriormente era “transformar as pessoas através da educação”, mas agora fomos mais específicos. Nosso propósito é “impulsionar as pessoas a construírem uma melhor versão de si”. Quer dizer que sempre tem uma coisa a mais que você pode aprender, se educar, e te levar a uma melhor versão. E não é “a” versão, porque não é única. É constantemente uma evolução. Se a pessoa começa a se relacionar com a gente aos sete anos ou aos 30 ainda tem uma jornada muito grande, porque as pessoas são produtivas. É o life long learning, todo mundo precisa continuar aprendendo. Mesmo uma pessoa que hoje está super consolidada numa determinada profissão vai ter que aprender sobre AI nos próximos três anos. E onde vai aprender? É parte de onde entendemos que nós podemos ajudar.

M&M – Durante a pandemia, o EAD tornou-se a única opção. Isso parece ter ajudado de um lado a popularização do ensino remoto, mas não acostumou os consumidores a um ticket médio mais baixo que o dos cursos presenciais? Qual é a dinâmica agora?

Valerio – Usando o propósito de impulsionar as pessoas, somos agnósticos à modalidade. Se é presencial ou EAD, tanto faz, do ponto de vista de qual é a solução. Do ponto de vista de negócios, você tem duas características, o presencial tem um ticket mais alto, só que você precisa de uma quantidade grande de alunos para formar uma turma e ela ser rentável. Não pode ter um professor com três alunos, precisa ter 25 a 30 alunos. Na educação a distância, apesar de as mensalidades serem menores, como esse curso está disponível para o Brasil inteiro, você matricula milhares de alunos. A contribuição individual por aluno é menor, mas no total, é mais rentável. Nossa estratégia, até porque a pandemia desmistificou a educação a distância, tirou muitos preconceitos, mostrando que tem qualidade e muita tecnologia hoje em dia, focamos em cursos digitais e híbridos. A estratégia não é necessariamente vender presencial e EAD, mas cursos digitais e híbridos, porque é o que tem demanda. É o que as pessoas podem pagar no Brasil e tem uma rentabilidade suficiente para gente continuar melhorando nosso resultado.

M&M – Apenas 20% dos brasileiros têm educação formal, muitos dizem entender a importância da educação, mas não a colocam como prioridade na prática – alguns por questão cultural outros porque têm prioridades igualmente ou mais urgentes, como sobreviver. Como lidar com essa realidade?

Valerio – Tem uma questão da capacidade de pagamento, porque, especialmente as pessoas com menos renda têm que abrir mão de alguma coisa para fazer isso, mas gosto sempre de dizer que estudar é difícil para todo mundo, independentemente da faixa de renda. Estudar, para alguém que tem menos renda, e fazer uma faculdade no Brasil é difícil. Estudar numa universidade nos EUA, para quem tem renda, também é difícil. Porque a energia dispendida é muito grande. O aspecto mais importante é como você gera esse engajamento, como as pessoas continuam vendo valor naquilo que estão estudando e no que isso vai contribuir no longo prazo. Tem um aspecto de resiliência muito importante. Usamos indicadores valiosos, para nós, como tentar aumentar a taxa de formatura ano após ano, as taxas de rematrícula… no final da cadeia é a formatura, antes é a rematrícula, a cada semestre, e durante o semestre, o engajamento nas aulas. Como tudo hoje em dia se faz através do ambiente virtual de aprendizagem sabemos quantas vezes acessou, quais exercícios fez, quais fez e não foi bem e precisa repetir. O uso do conceito de experiência do cliente com inteligência de dados, que é o conceito do ensino adaptativo, é: você fez determinado conteúdo e aprendeu; eu fiz o mesmo e não aprendi, então, vou ver esse conteúdo num outro formato, para garantir que estudei. Isso só é possível através do uso de tecnologia. Trabalhar o aspecto do aprendizado e do engajamento é constante para nosso time de experiência e de produto, que está sempre tentando fazer com que as pessoas não desistam. Um indicador-chave para nós é taxa de formatura, que queremos, ano após ano, ir aumentando.

M&M – O novo governo tem analisado retomar o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O que isso muda para o setor privado de ensino?

Valerio – Nesse momento, não temos muita visibilidade de como e quando seria, qual o tamanho do programa. O que a gente sabe é que o governo, assim como no histórico, no passado, investe em educação. Escolheram boas pessoas para liderar o Ministério da Educação, o que é muito bom. E tem um grupo de estudos discutindo como seria esse novo Fies, para quais formatos e modalidades, só graduação ou outras. Não temos muita informação, mas tem muita gente no Brasil que gostaria de estudar, mas mesmo num curso 100% online, não consegue pagar, por exemplo. O financiamento vai fazer com que mais brasileiros tenham acesso à educação. E, claro, no final, isso pode ser uma oportunidade para a gente de ter uma base de alunos maior. Mas não temos muita informação neste momento.

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