Não siga seus sonhos. Construa sua história
Existe um relógio da vida que não se alinha com a ansiedade do agora. E quem tenta viver fora desse tempo se frustra
Existe um relógio da vida que não se alinha com a ansiedade do agora. E quem tenta viver fora desse tempo se frustra
6 de junho de 2025 - 11h16
(Crédito: Shutterstock)
Siga seus sonhos. Essa talvez seja a frase mais repetida em discursos de formatura, posts motivacionais e até conversas bem-intencionadas entre pais e filhos. Mas o tempo e a experiência vão mostrando que apesar de bonito, esse conselho pode desviar energia, tempo e foco de onde está a verdadeira construção de uma vida.
Quando comecei a minha carreira, eu não sabia exatamente para onde estava indo. Eu queria dar certo. Ser independente. Assinar meu nome em algo. Ser respeitada. Esse era o meu sonho, talvez mais pé no chão, mais objetivo do que o que vemos hoje nas gerações que estão entrando no mundo do trabalho. O meu caminho para “chegar lá”, como se diz, não foi feito de grandes revelações, mas de pequenas e corajosas decisões.
O que me guiou, na verdade, foram as oportunidades. Surgia um projeto? Eu dizia: “Eu faço”. Mesmo sem saber exatamente como. Depois, corria atrás, estudava, perguntava, me virava. Com o tempo, entendi que quando a gente se compromete com a missão de construir valor, a coragem aparece. E nessa delicada química entre coragem e oportunidade, o caminho se desenha.
Não foi fácil. No meu primeiro estágio, eu cortava batata e limpava banheiro. Aprendi que para saber liderar, você precisa respeitar quem está do outro lado. Para saber mandar, tem que saber fazer. Para construir valor, tem que colocar a mão na massa. Comer areia. Errar. Acertar. E sobretudo ter clareza de que a jornada é longa. Nada acontece de um dia para o outro.
É por isso que acredito que seguir um sonho pode ser, frequentemente, uma armadilha. Porque o sonho — esse grande ideal espetacular — vai sendo moldado ao longo do caminho. A vida não é um atalho. É um processo. E nesse processo, a gente precisa experimentar, testar, aprender, cair, levantar. Descobrir onde a gente tem talento. Onde a gente “mata no peito”. A visão do professor Scott Galloway de que paixão é consequência, não ponto de partida, sempre fez sentido para mim. Quando você se compromete com aquilo que faz bem e se desenvolve com consistência, é comum que a paixão venha depois, junto com a maestria, o reconhecimento e o propósito. Essa ordem dos fatores, embora menos romântica, é mais realista. E muito mais sustentável.
Fui aprendendo que a paixão nem sempre vem primeiro. Às vezes, ela nasce do compromisso com o que você faz bem. Quando você se torna muito bom em algo, a paixão pode vir como consequência. E aí sim, um sonho pode se realizar. Não como fantasia, mas como construção.
Vejo muitos jovens começando com expectativas irreais: querem a posição, o título, o impacto imediato. Mas sem passar pelos perrengues, pelas pressões, pelos ambientes hostis, não se ganha a senioridade necessária para tomar boas decisões no futuro. Existe um relógio da vida que não se alinha com a ansiedade do agora. E quem tenta viver fora desse tempo se frustra.
Porque seguir um único sonho pode cegar para tudo aquilo que a gente ainda não conhece. Os caminhos mais transformadores da minha vida não estavam nos meus planos. Vieram das encruzilhadas, dos convites inesperados, das conexões de confiança que construí ao longo do tempo. Foram as pessoas certas, nos momentos certos, que me ajudaram a sair de enrascadas, abrir portas e enxergar caminhos. Nada se faz sozinho. É tudo sobre parceria, rede, troca. E sobre saber pedir ajuda.
No fim, o sonho muda. E que bom que muda. Porque a gente muda. Vai ganhando mais consciência, mais repertório, mais clareza sobre o que realmente nos move e onde somos bons de verdade. O importante não é o sonho com letra maiúscula, mas o caminho que a gente constrói todos os dias. A vida não é feita de momentos espetaculares. É feita de escolhas consistentes.
Bonnie Hammer, autora do livro 15 mentiras que contam para as mulheres no trabalho e uma das executivas mais influentes do entretenimento global, diz que existe uma diferença entre ter sonhos e ser possuído por eles. Eu acredito nisso. E acrescento: quando a gente transforma o sonho em obsessão, corre o risco de se fechar para o mundo. Mas quando a gente encara o sonho como horizonte, e não como ponto de partida, a caminhada fica mais rica, mais generosa, mais aberta ao que a vida oferece. Nada substitui a estrada. Nada se compara à força de quem constrói uma história com verdade, com entrega, com talento. Mesmo que o sonho inicial tenha sido outro.
E talvez seja essa a beleza de tudo: perceber que a história que a gente constrói, com consistência, é muitas vezes mais poderosa do que qualquer sonho que a gente já teve.
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