Amplificando narrativas femininas nos podcasts, com Branca Vianna
A presidente e cofundadora da Rádio Novelo fala sobre como abordar questões de gênero nesse tipo de mídia
Amplificando narrativas femininas nos podcasts, com Branca Vianna
BuscarA presidente e cofundadora da Rádio Novelo fala sobre como abordar questões de gênero nesse tipo de mídia
Lidia Capitani
8 de maio de 2024 - 14h20
Desde os primórdios da revolução digital, a mídia tem passado por uma metamorfose constante, e entre as várias formas de expressão que emergiram, os podcasts se destacam como um meio de comunicação versátil e poderoso. Nesse cenário em constante evolução, Branca Vianna surge como uma figura proeminente, moldando o panorama dos podcasts brasileiros com uma perspectiva feminina — e feminista — única e incisiva.
Hoje, ela preside a produtora de podcasts Rádio Novelo, com DNA jornalístico, fundada em 2019 pela própria ao lado de Paula Scarpin, diretora de criação, e Flora Thompson DeVoe, diretora de pesquisa. A Novelo tem mais de vinte podcasts próprios e para clientes. Entre os originais estão Crime e Castigo, sobre a justiça no Brasil; Tempo Quente, que discute quem se beneficia com a crise climática; Projeto Querino, que traz um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil; e a “Rádio Novelo Apresenta”, podcast semanal narrativo. Todos os últimos lançados em 2022.
Já entre suas produções para clientes se destacam A República das Milícias e Collor versus Collor, para o Globoplay, e Retrato Narrado, para o Spotify e a revista Piauí. Além destes, a Novelo também é responsável pela produção de podcasts das revistas Piauí, Quatro Cinco Um e de diferentes organizações, como Repórter Brasil, Instituto Igarapé, Japan House SP e Gife.
Branca não é uma recém-chegada ao mundo dos podcasts. Seu envolvimento começou em 2018, quando produziu Maria Vai com as Outras para a revista Piauí. Este programa pioneiro, que explorava questões de gênero e mercado de trabalho, foi o ponto de partida para sua jornada no universo. Foi um dos primeiros podcasts da revista, lançado junto ao Foro de Teresina, e que perdurou até meados da pandemia, em 2020.
A presidente da Rádio Novelo lembra que o áudio não era um terreno inexplorado por ela. Sempre foi mais do que apenas um meio de comunicação; era uma paixão. Com quase 30 anos de experiência como intérprete de conferência, ela viu o formato como parte essencial de sua vida. “Uso muito o áudio para distração e, antes mesmo dos podcasts se popularizarem, já era fã de audiolivros”, conta.
Desde os dias das fitas cassete até a era dos podcasts, Branca nutriu um amor pelo formato, reconhecendo seu poder não apenas como entretenimento, mas também como ferramenta educacional. Como intérprete, ouvir diferentes línguas e sotaques era parte importante do seu trabalho. Por isso, o áudio se tornou a melhor forma de aprender. Depois de mergulhar nos audiolivros, Branca passou a ser uma consumidora assídua de podcasts, hábito que incorporou no seu cotidiano há pelo menos quinze anos.
Ao lado das colegas Paula Scarpin, que apresentava o Maria Vai com as Outras com Branca, e Flora Thompson DeVoe, elas enxergaram uma oportunidade de mercado que encontrava suas vontades criativas de criar algo novo e único. “Decidimos, então, que para realizar nosso desejo de inovar e ter liberdade criativa, a melhor solução seria fundar nossa própria empresa.”
No início da incursão, um de seus primeiros podcasts sob a Rádio Novelo foi o Praia dos Ossos, que narra o caso do assassinato da socialite Ângela Diniz, em 1976. Com mais de 4 milhões de downloads desde seu lançamento, a produção se consolidou como uma referência no estilo de podcast narrativo.
Tanto Maria Vai com as Outras quanto Praia dos Ossos abordam histórias femininas sob uma perspectiva feminina, um tema de grande interesse para a produtora. “Eu não sou política nem pesquisadora, mas o que posso fazer é explorar esses temas por meio dos podcasts. Com a Novelo, buscamos criar conteúdos que sejam ao mesmo tempo informativos e divertidos, como fizemos com Maria, Praia, Crime e Castigo, e, agora, com o Rádio Novelo Apresenta. O objetivo é proporcionar entretenimento enquanto informamos e provocamos reflexões sobre questões importantes, como a igualdade de gênero”, afirma.
Na visão de Branca, falar sobre questões de gênero não se trata apenas de levantar uma bandeira feminista ou observar o tópico desde o ponto de vista social, mas de também abordar questões econômicas. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 50,8% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Já sobre a questão salarial, elas ganham em média 19% a menos que os homens no Brasil, segundo o 1º Relatório de Igualdade Salarial do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado em março deste ano.
“Isso afeta diretamente a economia, pois famílias lideradas por mulheres tendem a ser mais pobres, o que impacta o acesso das crianças a saúde, educação e outras oportunidades essenciais”, alerta Branca. “No fundo, alcançar a igualdade de gênero pode impulsionar o PIB e o desenvolvimento do país”, defende.
“Apesar disso, quero enfatizar que, embora seja criado por mulheres, o conteúdo é destinado a todos, incluindo os homens”, reforça a produtora. Segundo Branca, trazer os homens para a discussão é ainda mais urgente quando abordamos a violência de gênero. “Eles precisam participar ativamente na busca por soluções, pois são, em grande parte, os perpetradores dessa violência. Nós, mulheres, já conhecemos os dados, sentimos as consequências e observamos o sofrimento ao nosso redor.”
Por isso, Branca deixa o convite para que mais homens ouçam podcasts como o Praia dos Ossos, que, inclusive, tem uma audiência muito ampla. “Atrai progressistas e conservadores, feministas e não feministas, jovens e idosos, e até pessoas que lembram do caso da Ângela Diniz, o que demonstra a capacidade de alcançar uma ampla faixa etária.”
As produções da Rádio Novelo abordam uma variedade de temas importantes. Não apenas as questões de gênero, mas também crise climática, política, justiça, entre outros. Contudo, mesmo quando traz assuntos relacionados a gênero, sua abordagem busca se comunicar com diferentes públicos. “Acredito que uma maneira eficaz de dialogar com qualquer grupo é evitar ser dogmática ou arrogante, e sim tentar compreender as circunstâncias e os pontos de vista das pessoas”, reflete.
Como uma mulher à frente de uma empresa majoritariamente feminina, Branca não enfrentou discriminação no mercado de podcasts. Pelo contrário, ela encontrou apoio e admiração por seu trabalho. Até porque quando ingressou no mundo dos podcasts, já havia mulheres que pavimentaram este caminho, como as apresentadoras do Mamilos, Juliana Wallauer e Cris Bartis. Nos últimos anos, entretanto, Branca enxerga um aumento significativo na presença feminina no mercado de podcasts brasileiro, o que reflete uma expansão mais ampla dos podcasts no país.
“Nos últimos seis ou sete anos, o mercado de podcasts no Brasil cresceu exponencialmente, mudando de um cenário onde a maioria era produzida de maneira independente e caseira para um ambiente mais profissional”, avalia a presidente da Novelo. “Com isso, o número de mulheres podcasters aumentou significativamente, refletindo também a facilidade de se produzir conteúdo nesse formato, sem enfrentar barreiras estruturais, mas sim o desafio de ganhar audiência e visibilidade.”
Para Branca, ter mulheres apresentadoras e produtoras de podcasts é crucial para promover a igualdade de gênero em todas as esferas da sociedade. “Na produção de podcasts e em qualquer outra profissão, mulheres deveriam estar presentes, refletindo nossa proporção na população de forma igualitária, com os mesmos direitos e deveres que os homens”, defende.
Enquanto o mercado de podcasts continua a crescer e evoluir, Branca Viana está na vanguarda, moldando o futuro desse tipo de mídia com sua voz única e visão progressista. Sua jornada é um testemunho do poder da inclusão e da diversidade na narrativa contemporânea, inspirando uma geração de mulheres a contar suas próprias histórias e reivindicar seu lugar no mundo dos podcasts.
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