Recuperando-se do burnout: o que acontece depois do afastamento
Ao reconhecer o adoecimento provocado pelo esgotamento como um desafio corporativo e apenas individual, empresas e colaboradores devem buscar soluções conjuntas
Recuperando-se do burnout: o que acontece depois do afastamento
BuscarAo reconhecer o adoecimento provocado pelo esgotamento como um desafio corporativo e apenas individual, empresas e colaboradores devem buscar soluções conjuntas
Lidia Capitani
19 de setembro de 2023 - 8h57
O burnout ocorre na vida de uma pessoa como um sinal de alerta. O corpo e a mente sinalizam que chegaram ao seu limite. Neste momento, o profissional é convocado para reavaliar as condições nas quais trabalha e muito provavelmente, afastar-se e buscar tratamento. “Só entendemos o que aconteceu conosco muito tempo depois”, lembra Patricia Ansarah, fundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica, que além de estudar o assunto, também passou por um burnout.
Desde o ano passado, a síndrome de burnout é classificada como uma doença ocupacional, ou seja, relacionada ao trabalho, quando foi oficializada no CID-11, Classificação Internacional de Doenças. Uma pesquisa da Vittude, plataforma de soluções para saúde mental para indivíduos e empresas, revelou que 10% das mulheres estão enfrentando níveis graves ou extremamente graves de estresse, um índice mais alto do que o observado nos homens, em que esse sintoma aparece em 6,66% dos casos.
Já de acordo com um levantamento feito pelo Trench Rossi Watanabe, escritório de advocacia, as reclamações trabalhistas relacionadas ao burnout aumentaram 72% entre 2020 e 2022, quando tramitaram pouco mais de 4 mil processos. O valor de causa das ações ativas e arquivadas sobre o assunto entre 2014 e 2022 somavam R$ 2,48 bilhões – uma média de R$ 306 mil por processo.
Quando o esgotamento bate na porta e a profissional é afastada, uma nova preocupação surge no horizonte: o retorno ao trabalho. Voltar às mesmas condições é uma armadilha pronta. O medo de receber o carimbo do burnout na testa e até de perder o emprego são iminentes. Tanto profissional quanto empresa precisam propor mudanças e se sentar na mesa para ter conversas difíceis.
O burnout não é algo que ocorre da noite para o dia, mas sim um processo insidioso que se instala ao longo de meses. É um caminho de pólvora que queima lentamente e silenciosamente até chegar em seu alvo explosivo. É como se estivessem “fora de compasso”, explica Patrícia Ansarah. Ambos colaboradores e líderes devem estar atentos aos sinais como alterações de humor, apetite, distúrbios de sono, dificuldade de relacionamento e diminuição da capacidade de análise crítica.
“Só depois de muito tempo que conseguimos olhar para trás e nos perguntar: por que eu permiti aquilo? Por que eu não fiz isso? Porque tinha um medo por trás”, afirma Ansarah. O medo é a pólvora que alimenta o fogo, tudo o que ele precisa é de uma faísca. “O medo consome a nossa energia psíquica e quando isso acontece, entramos num estado de paralisia, de sobrevivência”, alerta a especialista. Medo de se expressar, de errar, de não ser competente, de perder o emprego e de outras pressões relacionadas ao trabalho podem ser responsáveis por desencadear o burnout. Apenas quando identificamos esses gatilhos que podemos provocar mudanças.
“A primeira coisa que precisamos observar ao retornar ao trabalho é se essa volta gera alguma ansiedade”, aconselha Ana Tomazelli, fundadora do Ipefem, Instituto de Pesquisas e Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas. “Qualquer manifestação de ansiedade pode ser um sintoma de que algo te ameaça”, continua. Nesse momento, vale a reflexão sobre o que te ameaça. Afinal, existe algo daquele contexto que te fez adoecer.
Além de identificar os fatores no ambiente de trabalho e das relações que podem ter contribuído para o esgotamento, a pessoa também precisa examinar sua relação com a profissão que exerce e se ela ainda lhe traz satisfação, adverte Tomazelli. “Pode chegar um momento em que alguém que era jornalista, por exemplo, anseia por uma mudança radical, como se tornar taróloga, piloto de barco ou terapeuta”, diz. Ao não parar para avaliar essa insatisfação, a pessoa corre o risco de forçar a si mesma a seguir numa profissão que já não lhe traz satisfação.
“É fundamental que o indivíduo diagnosticado com burnout reconheça o problema e seja acompanhado por um psicólogo. Eventualmente pode ser necessário um trabalho multidisciplinar, com apoio de um psiquiatra e intervenção medicamentosa”, aconselha Tatiana Pimenta, CEO e fundadora do Vittude. “A psicoterapia é um processo que vai ajudar a pessoa a identificar os gatilhos que a levaram ao estado atual, entender limites e refletir sobre a segurança psicológica das relações”, continua.
No mundo corporativo, onde ainda reina o imperativo da produtividade e da disponibilidade, o burnout é sintomático de um contexto de trabalho insustentável. A solução, portanto, caminha no sentido oposto — da vida offline. “A gente precisa entender que descanso é uma necessidade básica humana”, ressalta Ana Tomazelli. Isso vale para uma pausa no horário de almoço para uma refeição tranquila ou dormir cedo para ter suas oito horas de sono necessárias. “É necessário priorizar o autocuidado e inserir atividades que contribuam com um melhor gerenciamento do estresse, como exercícios físicos, meditação ou qualquer outra coisa que possa proporcionar bem-estar”, afirma Tatiana Pimenta.
Por fim, o apoio da família também desempenha uma função essencial nesse processo de recuperação. Tomazelli enfatiza a importância de estabelecer acordos e comunicar suas dificuldades com todas as partes envolvidas, incluindo a família, para manter o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
O diálogo aberto é uma peça-chave para fazer do retorno ao trabalho após um burnout uma transição mais tranquila. “No mundo ideal, fazemos uma matemática básica de tempo, esforço, energia e de acordos”, reflete Tomazelli. Entretanto, sabemos que a realidade é mais complicada. “Dar limite é sobre assumir o risco de desagradar alguém que pode ter mais poder que você e pode decidir o seu destino e futuro. A minha orientação é sempre partir da pergunta e do diálogo”, afirma a especialista.
O uso de perguntas serve para compreender o grau de prioridade de cada tarefa e para chegar a acordos claros. Manter registros e confirmar acordos por e-mail são medidas adicionais para evitar mal-entendidos. Tomazelli finaliza sua orientação enfatizando que, ao confrontar escolhas difíceis, é preferível arriscar-se a definir limites do que aceitar sobrecarga constante.
A saída de um profissional com burnout é também um alerta para a empresa. A gestão e lideranças desempenham um papel crucial na recuperação e na recolocação desse profissional em burnout. Em primeira instância, a empresa precisa sentar-se com esse profissional e ter conversas francas sobre o que aconteceu e propor um plano de retorno. “Em geral ainda há muita desinformação, tabu e preconceito sobre o tema. O que é mais comum neste retorno é a empresa não saber o que fazer e colocar a pessoa para executar as mesmas atividades, como se estivesse retornando de férias, sem nenhum tipo de adaptação, redução de jornada ou revisão das atribuições”, reflete Tatiana Pimenta.
Para a especialista em segurança psicológica, Patrícia entende que as empresas não podem mais ignorar os impactos resultantes da incessante busca por resultados a qualquer custo, uma vez que isso gera sofrimento e custos significativos, tais como licenças médicas, demissões e uma baixa no engajamento dos colaboradores. “Essas empresas precisam prestar contas para o mercado, stakeholders, acionistas e conselheiros. Mas elas também precisam prestar conta para as pessoas”, afirma Ansarah.
Em conversas com profissionais de RH, Tatiana percebe como a maioria das empresas não está preparada para lidar com o retorno de um profissional que passou por um burnout. Assim, o foco em educação sobre o tema se torna primordial. “Acredito que um passo inicial é investir em um programa estruturado de saúde mental, que conte com estratégias de educação e capacitação em saúde mental para profissionais de RH, saúde corporativa e lideranças”, afirma.
Nestes treinamentos, a liderança capacita-se para lidar com a vulnerabilidade, emoções e saúde mental, além de saber identificar sintomas e quando encaminhar um colaborador para receber assistência especializada. Nesses casos, os canais de suporte e auxílio para colaboradores com desafios relacionados à saúde mental são fundamentais.
Essas políticas e programas de apoio à saúde mental podem incluir subsídio a sessões de terapia, gerenciamento de estresse e de bem-estar, além de campanhas de conscientização, rodas de conversas e de acolhimento para todos os colaboradores, de modo a reduzir a desinformação e o estigma e promover ambientes mais saudáveis.
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