Futebol aquece disputa na TV aberta
Mudança de perfil do público e pulverização dos direitos abre espaço para experimentações
Mudança de perfil do público e pulverização dos direitos abre espaço para experimentações
Valeria Contado
7 de junho de 2023 - 18h42
A exibição de conteúdo esportivo se transformou. Se, antes, os canais da TV aberta eram os principais detentores dos jogos, agora, esse tipo de conteúdo está completamente pulverizado. A ponto de ser difícil identificar quais jogos ou campeonatos estão em determinada emissora, streaming ou canal do YouTube. Há opções de consumo para todos os gostos assim como existe conteúdo espalhado por todas as plataformas. O que dificulta a vida dos distribuidores e do público. Parte dessa mudança se deve ao fato de que o perfil do consumidor se modificou nos últimos anos. O público já não está apenas à frente dos aparelhos de TV, mas também conectado nos smartphones, smart TVs, tablets e outros dispositivos ligados à internet. Isso tudo associado à oferta disponível nos serviços de streamings fez com que até mesmo os eventos ao vivo encontrassem vaga numa dessas plataformas.
Outro motivo que deu impulso à pulverização dos direitos de transmissão foi o acerto da Lei 14.204, chamada de Lei do Mandante, sancionada em setembro de 2021. Essa legislação alterou as regras de negociação dos direitos de transmissão de futebol no País e atribuiu exclusivamente ao clube mandante de cada partida o direito de arena, ou seja, dá ao time o poder de negociar a exibição de seu jogo com os veículos de comunicação que desejar.
Mesmo com a disputa intensificada pela atenção dos torcedores, os eventos esportivos — especialmente o futebol, que é um dos esportes mais populares no Brasil — são importantes para as grades das emissoras. Prova disso é a renovação do interesse das emissoras da TV aberta pelos campeonatos. O que faz com que os pacotes de mídia variem conforme o tipo de contrato assinado com a distribuidora. Exemplo disso é o Campeonato Paulista. Tanto o feminino quanto o masculino tiveram cotas comerciadas para as diferentes frentes de transmissão: TV aberta, por assinatura, YouTube e streaming.
A Globo, por exemplo, além de deter direitos sobre o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil — nesta, divide as transmissões com o Prime Video, da Amazon —, recupe-rou a Libertadores. A competição, que ficou por três anos com o SBT (nas temporadas de 2020, 2021 e 2022), retorna ao canal como um dos carros-chefes do horário nobre, após a novela das 21h. Nesse caso, a emissora compartilha as transmissões apenas com canais pagos e streaming — Disney (ESPN e Star+) e Paramount+ —, e tem como patrocinadores Chevrolet, Claro, Esportes da Sorte, Santander e Shopee. Clubes como Atlético- MG, Athletico-PR, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Internacional e Palmeiras (Série A do Brasileirão) representam o País na competição. A emissora detém os direitos do Brasileirão Feminino, Copa do Mundo Feminina, além de modalidades como vôlei e outras que entram na programação do Verão Espetacular e Esporte Espetacular.
A emissora afirmou, em comunicado, que os eventos esportivos são importantes para a grade da emissora, que é uma das maiores investidoras em conteúdo esportivo. “A Globo é a casa do futebol nacional há mais de cinco décadas, num compromisso permanente com o desenvolvimento e fortalecimento dos clubes e do futebol brasileiro. A modalidade é estratégica e os direitos de transmissão são negociados com olhar multiplataforma, considerando os objetivos de cada canal e a experiência oferecida para o público”.
Já o SBT tem na grade a UEFA Champions League, UEFA Europa League, UEFA Europa Conference League, UEFA Super Cup, Conmebol Sul-Americana e Copa do Nordeste. A emissora transmitiu, recentemente, a UEFA-Conmebol Finalíssima Feminina e as últimas edições da Copa América Feminina e Masculina. A RecordTV, que transmitiu o Campeonato Paulista e, no ano passado, deteve os direitos sobre o Campeonato Carioca, agora aposta numa proposta multiplataforma. O canal trabalha esse estilo de transmissão desde 2021. Apesar de se tratar de competições estaduais, a Record-TV pensou em cotas de âmbito nacional e regional. Uma das estratégias foi transmitir pelo aplicativo de streaming PlayPlus e pelo portal R7 com os humoristas Carioca, Bola e o narrador Silvio Luiz na transmissão. A diretora de conteúdo digital e transmídia da RecordTV, Bia Cioffi, disse em entrevista ao Meio & Mensagem, recentemente, que a emissora pensa o conteúdo levando em conta como será o desempenho. “A partir de estudo, percebemos que os comentários de um jogo de futebol são muito intensos no Twitter, por exemplo. O primeiro desafio foi como fazer isso de maneira diferente, de trazer essas pessoas que vivem no mundo digital para comentar o nosso jogo”.
O Campeonato Carioca foi adquirido pela Band, que transmitiu a temporada deste ano do estadual do Rio de Janeiro. A emissora que voltou a exibir eventos nacionais detém também os direitos da Série B do Brasileiro e já transmitia o Campeonato Alemão. Segundo o diretor de esportes da Band e BandSports, Denis Gavazzi, a importância desses eventos é fundamental. Apenas com o estadual, a Bandeirantes alcançou 10,8 pontos de média de audiência, com base nos dados do Painel Nacional de Televisão (PNT). A emissora do Morumbi transmite ainda a Fórmula 1, NBA, UFC, Fórmula E, Stock Car, Copa Truck, Porsche Cup e SFT.
Evolução multiplataforma
O futebol é uma das modalidades que mais evolui quando se trata da pulverização da transmissão. A Copa do Mundo do Catar, no final do ano passado, por exemplo, ficou marcada por ser a primeira vez em que a competição mundial foi exibida em tantas telas. Na ocasião, Casimiro Miguel, por meio da CazeTV, no YouTube, o Fifa+, aplicativo streaming da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e a Globoplay foram canais “alternativos” para parte dos jogos.
Diferentemente do futebol feminino que, pelas próprias peculiaridades, já tem proposta multiplataforma, a qual contempla canais próprios dos clubes, serviços de streaming e plataformas alternativas, o futebol masculino tem descoberto a diversidade dos meios de transmissão apenas recentemente. Com isso, as emissoras conseguem pensar em novos formatos comerciais para atrair os anunciantes.
Geralmente, tanto as emissoras de TV quanto as marcas trabalham com a perspectiva de audiência somada à rentabilidade comercial na hora da negociação. Com base nisso, os veículos “tradicionais” de transmissão esportiva avaliam as métricas para construir pacotes diferenciados para cada tipo de transmissão. “Toda negociação desenvolvida pelo Grupo Bandeirantes contempla que a entrega seja feita em todas as plataformas do Grupo, de acordo com a linguagem de cada uma”, explica o diretor- geral de comercialização do Grupo Bandeirantes de Comunicação, Cris Moreira. As cotas também são pensadas para atender as necessidades desses anunciantes. No caso da Band, empresas como Betano, Betnacional, Esportes da Sorte, GM, Pagbet, Vivo, Zé Delivery e MtJack.Bet, no Campeonato Carioca e da série B, figuram nas transmissões da emissora.
Em casos como esses, a Band reforça que é necessário levar em consideração as estratégias e dores das marcas, sem que haja conflito entre os cotistas. “Vamos estudando os modelos de negócios que tenham rentabilidade. O Campeonato Carioca, por exemplo, foi um sucesso comercial e conquistou ótimos índices de audiência em todo o Brasil”, avalia Gavazzi, diretor de esportes da Band e BandSports.
Além disso, o esporte também é oportunidade para as marcas e emissoras se aproximarem dos fãs. No caso do futebol, a garantia de pouco mais de 90 minutos de atenção é algo que chama a atenção das marcas e abre a possibilidade da realização de projetos tailor made, ou seja, feitos sob medida. O diretor de negócios e marketing do SBT, Fred Müller, afirma que a emissora tenta entender a jornada de consumo dos torcedores com o objetivo de entregar estratégia de distribuição diversificada. Para as marcas que estão em seus pacotes comerciais, entre as quais estão nomes como Heineken, Sportingbet, Dorflex, Amazon Prime Video, Pepsi Black (nas competições UEFA), GM, Pagbank/Pagseguro, Assaí, Embracon, Brahma, SportingBet (na Copa do Nordeste), Claro Multigrip, Ypê, Banco do Brasil (na Finalissíma), General Motors, SportinBet e Sanofi (Sudamericana), crescem as oportunidades na TV, no portal Sbtsport.com, na plataforma SBTVideos e nas redes sociais do SBT. “Os anunciantes têm total abertura para personalizar e/ou propor entregas di-ferentes daquelas que constam em nossas cotas padrões, principalmente para o meio digital, cujas possibilidades comerciais são diversas”, afirma o diretor.
Além do futebol
O futebol é, provavelmente, o evento esportivo mais popular do Brasil, mas os esportes, em suas diversas modalidades, é um produto, em geral, bem-visto pelos brasileiros e por espectadores do mundo todo. Não à toa, o relatório anual divulgado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), do ano passado, apontou que os Jogos Olímpicos de Tóquio, que aconteceram em 2021, contaram com audiência global de mais de três bilhões de espectadores. A edição foi impulsionada, também, pelos novos formatos de cobertura, que registrou recorde em relação às frentes de transmissão. A entidade afirma que a cobertura televisiva aumentou em 33%, enquanto a produção digital cresceu 34% em comparação à Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016. À época, relatório de expectativa produzido pela Globo — emissora que era a detentora dos direitos de transmissão da Olímpiada naquele ano — apontou que 79% dos respondentes pretendiam assistir aos jogos em 2021. Desses, 82% disseram que o fariam por meio da TV aberta. E foi nessa transmissão que a emissora começou o projeto de fazer cobertura multiplataforma. Na ocasião, a expectativa era de entregar 200 horas na TV aberta, nos canais pagos e no streaming Globoplay.
Outra empresa que tem investido em amplas frentes de transmissão é a National Basketball Associa-tion (NBA), que é a liga americana de basquete. No Brasil, a liga se identifica como empresa de mídia e investe em diferentes canais de exibição. Na TV aberta, está com a Bandeirantes, na TV por assinatura, ESPN e TNT Sports, canal que também exibe a competição no YouTube. Na internet, Gaules é o responsável pela entrega através do canal da Twitch e no streaming, no Prime Video. Para a modalidade, essa é uma forma de atingir as diferentes camadas de fãs, já que o perfil das pessoas que acompanham basquete é bastante variado.
O head de value creation da RedeTV, Amilcare Dallevo Neto, avalia que o evento esportivo tem importância muito grande em relação ao conteúdo ao vivo e, comercialmente, faz sentido para os anunciantes. A emissora transmite os jogos da NFL e distribui esse conteúdo pela programação. Por isso, o executivo acredita que, em curto espaço de tempo, os canais de televisão passarão a avaliar que tipos de parcerias podem ser boas para a distribuição de seu conteúdo. “Para o anunciante, traz visibilidade não vista nessa propriedade. À medida que os direitos ganham maturidade, esse é um caminho natural para que possa se exercitar novos modelos de negócios”, afirma.
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