“Diretor de filme não pode ser apenas um executor”

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“Diretor de filme não pode ser apenas um executor”

No topo do ranking de novos talentos da produção na pesquisa feita por Meio & Mensagem, Douglas Bernardt (Stink) fala sobre referências, prêmios e caminhos do mercado


20 de setembro de 2019 - 6h57

Douglas Bernardt: “Há dois anos, eu era apenas um moleque que ficava com a câmera na mão” (Crédito: Arthur Nobre)

Crescer na extinta videolocadora dos pais, em Porto Alegre, despertou cedo a paixão pelo cinema em Douglas Bernardt, primeiro colocado no ranking dos dez novos talentos da produção publicitária brasileira, segundo levantamento realizado por Meio & Mensagem. Aos 16 anos, pisou pela primeira vez nos sets de filmagem, primeiro como estagiário de pesquisas, depois como assistente de direção e, segundo ele, resolvedor de “BOs” na produtora Zeppelin. Lá foi assistente de direção de Ian Ruschel (atual sócio da Iconoclast), que mais tarde o levou para a Stink. Antes de chegar à produtora atual, onde trabalhou como assistente da dupla Jones + Tino, estudou direção de fotografia na School of Visual Arts, em Nova York.

O primeiro trabalho de grande projeção foi o minidoc “Cristian”, criado pela DM9Sul para Olympikus, que dirigiu pela produtora Santa Transmedia. Como diretor da Stink, a estreia foi com “Forgotten Heroes”, para a Comic Com. O filme mostra a trajetória de super-heróis falidos, vivendo memórias do passado e com uma rotina nada emocionante. “O briefing era apenas para construir em cima de um roteiro de 30 segundos, mas eu fiz um tratamento totalmente diferente. Além de um bom treino de ficção, foi o trabalho que mostrou que a convicção pode me ajudar a vender uma outra proposta para os clientes”, afirma Douglas.

Em 2019, sua carreira mudou de patamar com o clipe “Bluesman”, criado pela AQKA e Coala.lab para o álbum homônimo do rapper Baco Exu do Blues, e que conquistou o Grand Prix de Entertainment for Music do Cannes Lions. “É um momento muito louco. Há dois anos, eu era apenas um moleque que ficava com a câmera na mão, enchendo o saco de todo mundo para fazer as coisas do meu jeito. E agora tenho recebido muitos convites para trabalhos de todos os tipos. O desafio é não se perder e tentar equilibrar a questão do business com a essência dos trabalhos que eu realmente gosto de dirigir”, analisa.

Doug tem também outros prêmios na carreira. Além de ser indicado em 2016 ao Young Director Awards em Cannes, conquistou o Best Music Video no Ciclope e ganhou Ouro no festival irlandês Sharks Awards Kinsale pelo clipe “Rastro de Pó”, de Tagua Tagua, projeto solo do compositor e produtor musical Felipe Puperi. Na entrevista abaixo, o diretor fala sobre suas referências, o momento bom e ao mesmo tempo delicado de sua carreira e os valores que acredita para a construção de uma história com real capacidade de engajar o público.

“Do nada você é o diretor legal do momento, mas isso passa. Minha carreira não pode ser sobre isso”

Meio & Mensagem – Quais são as suas principais referências estéticas?
Douglas Bernardt – Eu comecei como fotógrafo, fazendo still e utilizo muito isso em meus filmes até hoje. Eu procuro evitar referências de Vimeo e comerciais, por mais que existam trabalhos virtuosos nesse sentido. Não sou muito de me inspirar em imagens com movimento. Eu prefiro pegar referências visuais mais estáticas, como retrato e escultura, e daí criar vida e movimento para elas. Acho mais interessante isso no processo de criação do que partir de um filme já.

Qual foi o trabalho que abriu as suas perspectivas de criação?
Em 2016 fiz um minidoc chamado “Cristian” para a Olimpikus. O filme contava a história de um corredor chileno cego, um personagem com uma história de vida muito foda. E me aproximei muito do cara e me envolvi com a sua trajetória. Levei parte dessa experiência para o meu trabalho, de fazer coisas mais pessoais e intimistas, valorizando a história e os aspectos humanos. E ainda era o início dessa onda de minidocumentários e branded content em comunicação de marcas. Foi um processo de descoberta. Eu fazia muita publicidade, tinha muito senso estético, mas nunca havia trabalhado com uma narrativa dessa forma. Os trabalhos do momento tinham muito esse lance de câmera rápida e dinâmica, mas fui contra tudo isso. Descobri que o que eu gosto de fazer também pode dar certo e que não existe um único jeito de fazer. A partir desse filme eu fui contratado oficialmente como diretor.

O que você pode dizer sobre o processo criativo de Bluesman?
No início, era para ser apenas um clipe de três minutos em cima da música Bluesman, que é a principal do álbum homônimo. Já tínhamos até um roteiro encaminhado, mas o Baco nos levou ao estúdio para ouvir o restante do disco. Vimos que havia muita coisa para ser dita e que, se juntássemos um pouco de cada coisa que estava nas músicas, poderíamos contar a história do álbum inteiro. Foram quatro meses de produção, pré-produção, roteiro entre outros processos. Foi outro trabalho que me trouxe um grande aprendizado sobre como é sempre possível ir além do briefing, ainda mais quando você está cercado de pessoas que acreditam no que estão fazendo.

Como você definiria o atual momento da própria carreira?
É o momento de maior projeção e é muito louco. Eu não imaginava dar entrevista e ganhar tanta coisa como agora. Há dois anos eu era um moleque que ficava com câmera, enchendo o saco de todo mundo para fazer as coisas do meu jeito. E agora as pessoas parecem que me ouvem. Não se perder é o desafio. É muito tempo e muita energia para fazer cada filme, então é preciso saber canalizar tudo isso. Existem um boom, muita coisa para fazer e isso é empolgante. Ao mesmo tempo, é importante se perguntar: eu quero ser um diretor bem-sucedido ou fazer o que realmente gosto? É preciso equilibrar isso. Eu gosto de contar histórias e estar conectado com causas humanas. E tenho que acreditar no que eu faço e estar cercado de pessoas que acreditam em coisas parecidas. Do nada você é o diretor legal do momento, mas isso passa. Minha carreira não pode ser sobre isso.

 Qual é a representatividade das premiações para você?
Todos os prêmios são um reconhecimento e uma prova de que você está no caminho certo. Ao mesmo tempo, ganhar prêmios é quase um estudo comportamental humano. Tem muito trabalho que as pessoas pareciam não gostar antes dele ser premiado… E depois passaram a gostar. Precisamos também estar ligados que o reconhecimento é a melhor coisa, mas em muitos casos os critérios avaliados nos festivais favorecem um estilo ou outro. Os meus filmes agradam esse lado comercial e de premiação, mas tem muita gente que faz um trabalho foda, estilizado, mas que não é visto e não agrada o festival. Sem contar que as vezes as pessoas ficam tentando emular a fórmula do reconhecimento, mixando uma série de métodos bem executados para ganhar prêmios… Mas o trabalho perde toda a essência.

Como você vê o momento do mercado brasileiro de produção?
Me parece bom. As produções se adequaram aos novos tempos e budgets melhores. Estamos começando a enxergar que dá para fazer as coisas de um jeito diferente. Já vivemos períodos de bonança e de crise, e agora estamos chegando a um meio termo. Vejo o momento com bons olhos, mas ao mesmo tempo estou receoso. Porque todo mundo quer fazer as coisas, mas fica muito preso no que é pautado pela agência ou o anunciante. As vezes sobra vontade de fazer, mas falta um pouco mais atitude. O mercado pode ser mais audacioso, trazer gente nova, ouvir quem está dirigindo os filmes. O profissional de audiovisual não pode ser apenas um executor. Tem muita gente querendo me contratar por conta do meu trabalho autoral, mas na hora da execução não consigo fazer nada de autoral, porque sou impedido de fazer qualquer movimento mais natural e orgânico. E aí o filme vai morrendo e vira a mesma coisa de sempre.

Qual é a diferença, em sua concepção, de dirigir filmes com e sem marcas envolvidas?
É um processo diferente. Mas tem como achar uma solidez, mesmo com todos os interesses envolvidos. No final das contas é sobre a história. Se o interesse for maior do que isso, se sobressair, vai ser como uma injeção no público, e daí vai perder a essência e virar uma propaganda comum. E chega a ser feio. O trabalho não é sobre pegar o rosto e a vida das pessoas e vender produtos tentando emocionar. É preciso rolar uma troca verdadeira. Não pode ser uma via de mão única. O conteúdo de marca é sempre um território onde é necessário ter delicadeza. E como projeção de carreira, é disso que tenho que cuidar, a partir de agora.

Imagem de topo:Jakob Owens/ Unsplash

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