A corrida do ouro das séries no Brasil

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A corrida do ouro das séries no Brasil

Opinião: Artigos de lei e linhas de financiamento mudaram a TV paga, mas a eficácia da indústria americana só virá quando canais e criadores tiverem o comprometimento criativo que torna o setor sustentável


12 de fevereiro de 2014 - 2h43

Por Jacqueline Cantore

 

A euforia na produção de séries de TV americanas hoje em dia é contagiante. Personagens complexos, sutis e de moralidade dúbia em enredos brilhantes proporcionam, para taxonomia da imprensa, uma “era de ouro”. Enquanto isso, no Brasil, e em tosca comparação, vivemos ainda uma “corrida do ouro”. Há igual euforia, mas causada mais por modelos de negócios do que por grandes ideias ou roteiros geniais. Também é um mercado em ebulição, mas que urge amadurecer criativa e financeiramente.

Nunca se discutiu tanto o processo criativo e nunca se quis tanto melhorar a qualidade do que se produz. Os artigos de lei e linhas de financiamento foram cruciais para começar a mudar o cenário de televisão por assinatura, mas a eficácia industrial como a americana só virá quando canais e criadores tiverem o mesmo comprometimento criativo que faz o mercado sustentável. Isto é, audiência, produtos que gerem negócios e formatos que virem franquias. Até agora se produziu barato para cumprir cotas e caro porque se podia. Isso não sustenta um mercado.

Motivada por minha experiência de executiva de canais, encontrei em uma produtora, Panorâmica, e na Globosat, maior programadora brasileira, parceiros ideais para o que consideramos que seria um passo definitivo para o amadurecimento do mercado de ficção e lançamos um evento anual exclusivamente para roteiristas de TV, o Programa Globosat de Roteiristas. Trouxemos ao Brasil criadores de sucesso para compartilharem suas experiências consagradas e deixarem um pouco de seu legado.

A primeira edição do evento resultou em 12 projetos, dos quais quatro foram escolhidos pela Globosat para entrarem em desenvolvimento, dois deles, usando o processo de criação americano, o writers’ room. Tive a oportunidade de supervisionar os dois últimos: uma comédia para o canal Viva e um drama para o GNT. Mesmo que os resultados de audiência ainda estejam por vir, a experiência foi transformadora.

O erro mais comum no Brasil até então era esperar que no primeiro dia de trabalho roteiristas começassem a escrever o primeiro episódio de uma série. Um convite ao fracasso: sem parâmetro de onde vai a história ou do que é bom, o roteirista trabalhava sozinho e só depois de enviar seu roteiro para o produtor ou canal é que recebia algum comentário. Com a urgência de entrega e financiamento garantido, a qualidade da história geralmente ficava em segundo plano.

Criar um roteiro não é um processo linear e no writers’ room não se escreve, mas o retorno é instantâneo. Há um olhar crítico coletivo, não há distração externa e as ideias que não servem ao grupo, comprometido exclusivamente com a história, rapidamente dão espaço para outras com mais força e substância. Não é uma rinha de galos, porque o ego fica do lado de fora e trabalha-se em cima de conceitos técnicos. A prioridade é a série, o autor são vários e o contraste de evolução para o processo individual é enorme. Talvez seja a única forma de criar na TV, um meio no qual a colaboração impera.

O passo seguinte será o de cultivar a figura do showrunner, gestor artístico da sala e quem dá unidade à série, administrando-a do roteiro à produção. Por enquanto, a figura central ainda está no diretor que, por tradição, se sente obrigado a dar sua “marca” autoral, às vezes até em detrimento à história. Talvez o Brasil implemente esse processo quando diretores começarem a contar suas próprias histórias ou roteiristas administrarem suas criações inteiramente. Mas para chegar lá ainda precisam enriquecer colossalmente suas personagens e aperfeiçoar tremendamente o que escrevem.

Se no writers’ room de Breaking Bad, os oito roteiristas na sala levavam até duas semanas discutindo os dilemas morais que passavam pela cabeça do multidimensional Walter White de um único episódio, como um roteirista brasileiro que não conhece Aristóteles ou Heidegger pode contar uma história sobre redenção?

Canais, produtores e roteiristas ainda têm um longo caminho a percorrer. Todos esses termos americanos que começam a pipocar por aqui identificam as ferramentas no processo de criação, mas não significam nada por enquanto. Vamos chegar lá, sim, mas quando a “corrida do ouro” acabar e a prioridade for a qualidade das histórias na tela.

Jacqueline Cantore é executiva de TV nas áreas de desenvolvimento, produção e direção, e uma das idealizadoras do Programa Globosat de Roteiristas 

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