Entre o sonho e a preguiça

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Opinião

Entre o sonho e a preguiça

Está cientificamente provado que a pressa, assim como a paralisia, é inimiga da criação


31 de janeiro de 2017 - 9h00

Foto: Reprodução

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Voltou dos feriados cheio de projetos, mas ainda não conseguiu dar aquele gás na execução? Está difícil produzir aquela ideia incrível que rolou durante o recesso? Pois é, também comecei assim, com esse texto dançando em volta da mente, empurrando a tarefa para os últimos minutos antes do meu prazo de entrega. Uma ideia levando a outra, em cadeia, abrindo um assunto novo cada vez que me aproximava de completar um raciocínio. Saiba que não estamos sozinhos, tem muita gente boa dividindo esse barco conosco. A dança da execução acontecia com monstros como Miles Davis e Picasso, então, isso não tem a menor chance de ser um problema.

No dia de seu maior discurso, a Marcha Sobre Washington, o brilhante Martin Luther King Jr. ainda não estava pronto. No palanque, enquanto esperava sua vez de falar, trabalhava no texto. Ele arrumou, fuçou, mexeu, rabiscou, corrigiu sua fala até o momento de abrir o microfone e mandar, numa pancada, uma das frases mais demolidoras que já se ouviu: “I have a dream”. Com ela, arrebatou milhares de sonhadores presentes, e logo outros milhões, mudando nossa perspectiva para sempre. Uma frase definitiva que nem sequer estava escrita em seu roteiro.

Grant fala sobre como procrastinar levemente pode conduzir a ideias genuínas. Procrastinar é aquela atitude de deixar para amanhã o que não precisa ser feito hoje. Segundo ele, estatísticas demonstram que aqueles que fuçam ideias um pouco erraticamente, quebrando estruturas e linhas de tempo, acabam em soluções muito poderosas

O processo criativo de Martin Luther King Jr. foi revelado em entrevista ao TED Radio Hour por Adam Grant, psicólogo organizacional autor de Originals e Give and Take, ambos best-sellers do jornal The New York Times. O histórico de Grant inclui uma enorme mancada — declinou a oportunidade de investir na Warby Parker quando ainda era o projeto startup de um de seus alunos, porque pirou que os caras não conseguiam cumprir nenhum deadline. Achava que perdiam tempo em coisas sem importância e não conseguiam colocar um website para funcionar quando, na verdade, estavam resolvendo os detalhes mais importantes da experiência e encontrando o nome perfeito. O inovador website de vendas de óculos foi avaliado em 2015 em U$ 1,2 bilhão. Errar catastroficamente incomoda muito os cientistas. Então Grant partiu para descobrir por que os preguiçosos podem ser tão geniais.

Grant fala sobre como procrastinar levemente pode conduzir a ideias genuínas. Procrastinar é aquela atitude de deixar para amanhã o que não precisa ser feito hoje. Segundo ele, estatísticas demonstram que aqueles que fuçam ideias um pouco erraticamente, quebrando estruturas e linhas de tempo, acabam em soluções muito poderosas. Em contraste, os sabe-tudo que partem apressados na solução de um processo criativo tendem a correr atrás das ideias mais óbvias porque são mais fáceis de serem organizadas e produzidas. Um padrão parecido acontece para os procrastinadores crônicos, que enrolam até o final e também acabam sem tempo para explorar qualquer coisa que não seja a primeira ideia, que nem sempre é a mais interessante. Está cientificamente provado que a pressa, assim como a paralisia, é inimiga da criação.

Mas é importante separar a procrastinação da preguiça porque aquilo não tem nada a ver com falta de compromisso. Tem a ver com a exploração de raciocínios divergentes, incubação e teste de ideias

Mas é importante separar a procrastinação da preguiça porque aquilo não tem nada a ver com falta de compromisso. Tem a ver com a exploração de raciocínios divergentes, incubação e teste de ideias. Grant gosta da ideia de provocar situações de procrastinação para bombar criatividade. Pode parecer contraditório, mas acho que prazos de entrega combinam perfeitamente com o processo de enrolação proposto por ele. Embora eu seja um atrasado incurável, gosto de deadlines como catalisadores. Gosto tanto do clima da entrega apertada que acabei viciado em processos criativos como os sprints e hackathons, que extrapolam deadlines em série, uma forma de criar o desconforto explicado por Grant em prazos curtíssimos. Somos criativos, não cientistas. Contradições e confusões são muitas vezes bem-vindas no nosso trabalho.

O deadline foi o melhor amigo de Luther King. Aposto que passou o café da manhã testando ideias porque sabia que na sua hora tinha uma chance única de mudar a história de um país. Ele estava perseguindo a entrega, não fugindo dela. Valeram todos os minutos que ele investiu em pensar e repensar uma palavra, uma entonação, uma pausa e um olhar. Ganhamos todos nós.

Agora vamos lá botar a mão na massa e nos distrair um pouco, quem sabe tiramos aquelas ideias da inércia.

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