Por que a China deverá quebrar o Google e o Facebook

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Opinião

Por que a China deverá quebrar o Google e o Facebook

Monopólios são ruins para inovação e desmanchá-los ajudaria a competitividade global, por Howard Yu


8 de fevereiro de 2019 - 6h00

Havia um tempo em que a internet era parecida com a economia estadunidense da histórica fronteira oeste no começo do século XIX: não regulada, cheia de oportunidades e intocada por grandes empresas. A rede mundial de computadores era nova e o ciberespaço era, em sua maioria, cheio de informações inúteis. “É muito provável que, ao procurar um produto mesmo com uma boa ferramenta de pesquisa, você encontrará uma maioria de resultados irrelevante”, afirmou Kate Delhagen, analista da Forrester Research of Cambrigde, em 1997.

Assim como nos primeiros dias da indústria petrolífera dos EUA há dois séculos, players comerciais habitando a internet eram caóticos em sua natureza e tinham uma expectativa de vida curta. AOL, Netscape, Myspace e ICQ eram nomes amplamente conhecidos e, em algum momento, deixaram de existir no instante seguinte. Era a crença de que a velocidade da internet havia tornado qualquer vantagem competitiva passageira. Era necessário ser ágil. Ficar grande era uma possibilidade. Tal crença não deixou que o público percebesse o crescimento assustador de uma ferramenta de busca (Google), de uma livraria (Amazon) e de uma rede social (Facebook).

Hoje, esses monopólios dominam a internet, assim como a economia estadunidense do fim do século 19 foi dominada por empresas de petróleo, aço e tabaco. E, assim como elas, essas empresas gigantes estão passando por escrutínio público, que visa o desmantelamento delas para, assim, proteger os consumidores e outras empresas. Ainda assim, há outra ameaça à economia dos EUA que traz uma razão maior para pressionar essas empresas que não existiam durante a primeira rodada de quebra de confiança: o aumento da competição vinda da China.

Uma economia que depende de um punhado de grandes empresas essencialmente coloca seu futuro na mão de alguns poucos CEOs. E, inevitavelmente, grandes empresas só podem ser disruptivas uma vez

A última vez que um setor de tecnologia estadunidense enfrentou tal ameaça foi nos anos 1980, quando grandes companhias como a Westinghouse, Fairchild e RCA estavam sofrendo ataques constantes de seus pares japoneses. Mas não foram elas que lutaram e conseguiram restaurar a economia do país. Foi a geração seguinte de empreendedores, saídos do Vale do Silício, que ajudaram os EUA a galgar o caminho de volta ao topo da era da informação.

O Japão não foi capaz de responder a essas empresas porque, historicamente, seus sistemas bancário e regulatório favorecem grandes empresas. Sony, Toshiba, Sharp e muitas outras foram, um dia, disruptivas. Mas o país confiou demais em uma única geração de companhias de sucesso. Uma economia que depende de um punhado de grandes empresas essencialmente coloca seu futuro na mão de alguns poucos CEOs. E, inevitavelmente, grandes empresas só podem ser disruptivas uma vez.

O famoso físico Geoffrey West observou que cidades exibem um crescimento super linear. Ou seja, conforme as cidades iam ficando maiores, todos seus moradores se tornavam mais produtivos. Entretanto, as empresas apresentam a tendência contrária. Companhias quase sempre são mortas pela burocracia e pelo protagonismo da administração ao invés da criatividade e inovação. Isso porque, dentro de uma empresa, “alguém tem que cuidar dos impostos, das contas, limpar o chão e fazer a manutenção predial, além de todo o resto”.

Esse é o porquê de, após a Standard Oil ser dividida em 1911, o resultado disso — Exxon, Mobil, Chevron e seus outros braços — valia o dobro da companhia original no período de um ano. Depois de poucos anos, essa taxa foi para cinco vezes o valor da empresa. E, assim como a Standard Oil antes de quebrar, a habilidade de inovação dessas gigantes da internet já diminuiu por causa de seu tamanho.

A internet já não é mais liderada somente pelos EUA. Na medida em que aplicações digitais vão aos setores de transporte, aviação, saúde e energia, a China vai tomando protagonismo em áreas específicas da inteligência artificial, robótica e e-commerce.

Inovação chinesa
Quando visitei Shenzhen em 2018, um gerente da telecom Huawei me explicou que boa parte da infraestrutura da cidade logo se tornaria digital e que a empresa iria saturá-la com conexão 5G. Isso resolveria diversos problemas de velocidade e latência para computadores usando essa rede. Como resultado, a capacidade de processamento necessária em um carro autônomo, por exemplo, seria reduzida massivamente. A força da operação seria transmitida à infraestrutura da cidade pela nova tecnologia de conexão.

Na corrida pela inteligência artificial e pelo IoT, nos quais a China está se tornando uma rival formidável, os EUA precisam de um remédio mais forte para reviver suas proezas de inovação

Isso é uma mudança radical na forma de ver o problema, diferentemente do que vem fazendo a Intel na Califórnia, que acredita que irá dominar o mercado de carros autônomos ao desenvolver um microchip muito mais potente. A ideia da Huawei para carros conectados deixará a estratégia da Intel sem lastro, na China e em outros lugares também.

Esse tipo de exemplo mostra como os EUA estão precisando urgentemente da próxima geração disruptiva. O Google pode até falar de suas ambições com o projeto moon-shot, mas sua empresa de carros autônomos, a Waymo, ainda está iniciando sua tração comercial. A Apple pode falar sobre suas proezas tecnológicas, mas está apenas observando enquanto sua receita cai, assim como seu mercado na China. O Facebook pode até falar sobre realidade virtual como a próxima interface do usuário, mas é incapaz de tirar notícias falsas de sua timeline. Há um limite para a velocidade que as gigantes da internet conseguem inovar.

Alguns observadores podem ver a resposta em mais uma onda de softwares livres que qualquer um poderia usar ou adaptar para restaurar a antiga inocência e dinamismo da internet. Mas, na corrida pela inteligência artificial e pelo IoT, nos quais a China está se tornando uma rival formidável, os EUA precisam de um remédio mais forte para reviver suas proezas de inovação. E a história é um guia, é hora de quebrarmos as gigantes.

*Traduzido por Salvador Strano.

**Foto da imagem no topo: Tom Williams/CQ Roll Call

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