Coronavírus e o efeito viral

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Opinião

Coronavírus e o efeito viral

O sucesso está tão grande que o volume de informações recebidas diariamente nos faz perder a noção do que é fato ou fake


10 de março de 2020 - 14h23

“O novo vírus é perigoso, muito mais letal que uma gripe comum, mas, no fundo, não é esse o problema, ou melhor, o fator de sucesso desse viral.” (Crédito: XiFotos/iStock)

Quem trabalha com comunicação há um pouco mais de tempo já teve a oportunidade de ouvir inúmeras vezes o pedido: quero um viral. Um pedido que, não importa o segmento, tamanho da marca e quantidade de verba, era sempre o mesmo.

Ainda bem que esse termo anda em desuso nos dias de hoje. Agora, o pedido para fazer uma ideia se espalhar como um vírus a um custo baixíssimo continua atual, como sempre, mas ganhou outros adjetivos ao longo dos anos: buzz, hacking, meme e assim por diante.

Então, em 2020, o coronavírus, me fez relembrar o significado e a abrangência daquele singelo pedido de produzir um viral, com o perdão do trocadilho.

O efeito do coronavírus é devastador. Não estou falando da doença, mas sim do viral.

Um bom viral preenche quatro pré-requisitos para ter êxito. O primeiro é a Oportunidade. Nesse caso, a oportunidade é clara: há um novo vírus circulando.

O segundo pré-requisito de um bom viral é a Relevância. E qual a relevância de ter um novo vírus circulando? Você, eu e todos podem morrer. Check. Relevância altíssima.

Mas, indo um pouco mais a fundo na relevância, descobrimos que o perigo de morte não é tão grande assim. Três meses após o início do surto, o índice de mortalidade do Covid-19 está em torno de 3%, se comparado ao MERS, que beira os 34%, ou ao SARS, que atinge os 9,6%, esse surto não é tão perigoso assim.

Então, eu e você não vamos morrer.

Calma.

Se o compararmos a uma gripe comum que mata, em média, somente 0,13% dos seus infectados, o coronavírus é 20 vezes mais letal que nossa gripe de cada dia.

O novo vírus é perigoso, muito mais letal que uma gripe comum, mas, no fundo, não é esse o problema, ou melhor, o fator de sucesso desse viral.

Com isso em mente, vamos ao terceiro pré-requisito: Timing. Timing é estar no lugar certo, na hora certo, com o conteúdo certo. O timing correto é muito difícil de ser acertado, pois ele é uma fração de tempo, se vacilarmos, ele passa. Mas, com o coronavírus, o timing perfeito é a todo momento, pois todo mundo está sujeito a pegar esse vírus a qualquer hora. Você o contrai por contato físico ou proximidade com pessoas infectadas, certo? Ou você fica isolado em casa e se protege ou você está sujeito a ser infectado na próxima viagem agendada, na próxima reunião de trabalho, na próxima festa de família ou até mesmo num simples passeio de fim de semana no shopping que você está prestes a fazer. Você pode pegar o vírus a toda hora, em qualquer lugar. Por isso, para o coronavírus, qualquer hora tem o timing perfeito, toda hora é prime time.

Esses três pré-requisitos juntos fazem dele um bom viral? Não.

Ele precisa de um último e que, no caso do Covid-19, foi muito bem explorado: o Storytelling. Já adianto: o sucesso do storytelling do coronavírus não foi uma história muito bem contada, com começo, meio e fim. O pulo do gato foi a fragmentação e a não linearidade dessa história e, principalmente, uma capacidade incomum de aglutinar saúde com entretenimento. O coronavírus, por questões óbvias, encheu o prato dos jornalistas com muita informação nova a cada momento. Se parasse por aí, seria uma cobertura tradicional de um surto como qualquer outro, uma cobertura extensa, mas meramente jornalística.

Mas, o que ninguém esperava, foi a estranha e perfeita combinação de tragédia e comédia.

Esse surto virou entretenimento desde o seu nascimento. Por não ser uma doença tão grave assim, os criadores de plantão se sentiram em casa para criar verdades, mitos e memes.

Quem não recebeu uma piadinha com a cerveja Corona logo nos primeiros dias de surto?

E quando começou a ficar sério o negócio, quem não recebeu o meme das máscaras para respirar de luxo? Corona vírus ostentação com máscaras assinadas por Louis Vuitton, Prada, Lacoste e cia.

E quando o vírus começou a se alastrar para o mundo, quem não recebeu a piadinha dos italianos? “Coronavírus é igual macarrão. A China inventou e os italianos vão espalhar.”.

Os países aguardavam temerosos a chegada do novo vírus em suas terras. Um assunto sério, só que não. Um amigo de Portugal compartilhou um meme de um estúdio de uma redação de um famoso jornal em festa com a notícia de que o vírus tinha chegado em terras lusitanas., como se estivessem celebrando a audiência que estava por vir.

Claro que esse post era fake, mas meme não tem compromisso com a verdade, e sim com o entretenimento.

O sucesso desse viral está tão grande que o volume de informações recebidas diariamente nos faz perder a noção do que é fato ou fake, do que é informação ou entretenimento, do que é uma marolinha ou um tsunami.

Que o digam as bolsas de valores.

Em meio a tantas dúvidas, finalizo com duas certezas:

1 – O coronavírus vai, de meme em meme, se tornando a doença mais viral de todos os tempos.

2 – Mesmo depois de tanta repercussão, ainda não estou certo se devo me preocupar ou não.

Como diz um amigo, talvez seja esse o primeiro vírus que vamos ser infectados através da multi-informação.

Parabéns aos envolvidos!

 

*Crédito da foto no topo: JBKdviweXI/ Unsplash

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