O tao do marketing digital

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Opinião

O tao do marketing digital

Devemos questionar sempre as regras que surgem como verdades absolutas


5 de novembro de 2020 - 13h24

(Crédito: DrAfter123/ iStock)

O termo surgiu de forma tão avassaladora, que acabou motivando a abertura de centenas das ditas empresas de Marketing Digital pelo país (milhares pelo mundo). Fiz até um curso de especialização na Kellogg School para me atualizar, mas o próprio professor que batizou o curso como Digital Marketing Strategies – um indiano seek com neurônios em profusão sob o turbante, autor de vários livros e consultor de grandes empresas como Google, AT&T, Adobe, Microsoft, entre outras – resistia ao termo. Já na primeira aula, explicou que o nome foi escolhido em função da forma como as pessoas procuram pelo curso e não por ser a melhor definição para aquele conteúdo. No dia a dia, preferia chamar de Marketing no Mundo Digital.

O fato é que os fundamentos do marketing não mudaram com o surgimento das novas plataformas digitais, apenas ganharam amplitude. É praticamente impossível reduzir todas as frentes do marketing apenas ao universo digital, embora algumas empresas sugiram fortemente essa prática. Em tese, é até possível desenvolver um produto genuinamente digital, precificá-lo para vender apenas no e-commerce e promovê-lo somente nos canais digitais. Mas, se isso fosse suficiente, o FAANG, grupo de empresas digitais formado por Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google, não seria o segundo maior anunciante da TV aberta nos Estados Unidos (estudo do Video Advertising Bureau da Nielsen Adintel – 2018).

A meu ver, a grande revolução digital começou de fato com os buscadores, que transformaram as nada saudosas páginas amarelas das companhias telefônicas em uma ferramenta on-line ágil e poderosa para as empresas. Depois, evoluiu com as redes sociais e atingiu o seu auge com a captura de dados, que permite mensuração e análises imediatas, facilitando a busca pela performance máxima das campanhas publicitárias. Foi necessária até uma nova lei para regular o uso desses dados, tamanho o poder de posse, manipulação e automação dessas informações. E é exatamente aí que mora um velho perigo. A profusão de testes e a sanha para economizar décimos de centavos por click pode levar os anunciantes a uma cilada em médio prazo. Por vezes, esquecemos que uma grande marca se constrói com propósitos, valores e, principalmente, emoção. Está cada vez mais frequente a demanda da mídia digital por vídeos de até seis segundos, porque impedem as pessoas de “pularem” o anúncio, obrigando-as a assistir a uma mensagem eufórica, geralmente gritando um call to action de forma desesperada para caber naquele tempo reduzido, que interrompe a busca pelo conteúdo realmente desejado pelo consumidor.

De maneira alguma quero aqui desmerecer formatos como o bumper ou desdenhar dos testes AB e da mídia de performance, ferramentas que indicamos e utilizamos com segurança para nossos clientes, mas elas devem ocupar o seu devido lugar dentro do funil de vendas, com criações específicas e complementares para esses espaços. O que não é nada razoável é pegar o comercial institucional, criado para conquistar um lugar no coração dos consumidores, reduzi-lo a poucos segundos e esperar que tenha o mesmo efeito. As marcas precisam, acima de tudo, criar vínculos emocionais e, acreditem, é praticamente impossível emocionar em seis segundos.

Isso me lembra uma outra encruzilhada pela qual passou a propaganda no final dos anos 1950. As modernas técnicas de pesquisa e tabulação de dados estavam em voga, promovendo a pasteurização das mensagens, sempre baseadas no que os consumidores esperavam ouvir. Bill Bernbach, então vice-presidente de criação da agência Grey, estava tão contrariado com esta tendência, que escreveu uma carta aos acionistas, que acabou se transformando em uma peça antológica na história da publicidade. Dizia ele que “estava preocupado com as novas técnicas da publicidade, que criavam regras e que poderiam endurecer as artérias criativas da agência. Elas nos dizem como um anúncio pode alcançar mais leitores (ou visualizações) ou o tamanho que o título deve ter ou, ainda, que o texto precisa ser dividido em partes para deixar a leitura mais convidativa. Estamos virando cientistas da propaganda. Mas há um pequeno problema. Publicidade é fundamentalmente persuasão, e a persuasão não é uma ciência, mas uma arte. Estamos tão preocupados em agradar a opinião pública, que nos esquecemos de que podemos moldá-la”. Os acionistas demoraram a responder a carta e, nesse meio tempo, surgiu a DDB (“B” de Bernbach), agência que revolucionou o mercado com comunicação inteligente, próxima e sedutora, que deixou um grande legado de cases de sucesso e continua ativa (e criativa) até hoje.

É nossa obrigação como profissionais de marketing, planejamento, mídia e criação utilizar de forma inteligente e responsável os dados e os recursos digitais para atender a todas as necessidades das empresas, seja gerando resultados expressivos de vendas no curto prazo ou aumentando as margens no longo prazo, por meio da construção de marcas admiradas e confiáveis. Mas devemos questionar sempre as regras que surgem como verdades absolutas, criadas por sistemas que identificam o comportamento de manada nas redes e propõem o acompanhamento passivo. Como nos mostrou Lao Tse, antigo filósofo chinês, autor do livro de Tao (Tao te Ching), a sabedoria está no equilíbrio. Na força do conhecimento aliada ao poder da intuição. No marketing e na comunicação, no virtual e no físico, no yin e no yang, tudo está ligado. Tudo é Tao.

*Crédito da foto no topo: iStock

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