Musk, Twitter, liberdade do conteúdo e a liberdade do capital

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Opinião

Musk, Twitter, liberdade do conteúdo e a liberdade do capital

A compra do Twitter pelo Musk, semanas atrás, num país como os EUA, de liberdade do capital, não é crime


11 de maio de 2022 - 15h16

Responda-me aí, você que me lê: a liberdade do capital afronta a liberdade do conteúdo?

Vou facilitar sua resposta, dando-lhe duas opções clássicas.

1. Sim, afronta, porque a liberdade do capital, historicamente nas sociedades, vem associada ao controle pela classe dominante dos meios de produção e daí decorre que a cultura dominante é a cultura da classe dominante. Conteúdo incluso. Não há liberdade, há ideologia e indução. Essa é a resposta marxista.

1. Não, não afronta, porque a liberdade do capital é a base da democracia e a democracia assegura aberta e franca produção e distribuição do conteúdo. Essa é a resposta neoliberal.

Ambas podem estar certas ou erradas dependendo de quem você seja, como pensa, em que momento da história esteja, em que regime econômico gravita ou em que país vive.

A compra do Twitter pelo Musk, semanas atrás, num país como os EUA, de liberdade do capital, não é crime. Ele jogou abertamente com as regras da bolsa. Você e eu poderíamos, com grana, termos feito o mesmo. Chama-se hostile takeover. Em português castiço, a tradução seria, sai da frente que eu vou te engolir com o meu capital. Glup! Hummm, qui diliça!

Neste momento, enquanto o mundo especula o que o Musk vai fazer com o Twitter, jogo mais querosene na fogueira das vaidades: o que o Bezos fez com o Washington Post?

O que todos temíamos (eu no meio) seria que ele transformasse o jornal em seu brinquedinho de luxo para influenciar a opinião de seus leitores a favor de sua visão empresarial do mundo. Não rolou.

Bezos comprou o Post por US$ 250 milhões em agosto de 2013. Na época, nos chocamos porque além de tudo, jornal é uma indústria com um futuro (de negócios) comprometido.

Um ano depois de sua compra, Bezos concordou, em entrevista ao jornal alemão Berliner-Zeitung, que havia uma coisa da qual ele tinha absoluta certeza sobre sua aquisição: “Não haverá jornais impressos em 20 anos. Talvez como itens de luxo em alguns hotéis que querem oferecê-los como um serviço extravagante. Os papéis impressos não serão normais em 20 anos.”

Susto algum. Ele já disse algo parecido sobre a Amazon. Que ela não existirá em alguns anos.

Bezos transformou um jornal enterrado em dívidas numa operação de negócios lucrativa e totalmente integrada numa visão 2.0 da produção de conteúdo, utilizando os mesmos racionais digitais que levaram a Amazon ao sucesso que conquistou.

Marty Baron, editor do Post desde que Bezos o comprou, e que deixou a empresa ano passado, declarou à The New Worker: “Quando Jeff Bezos adquiriu o Post, ele mudou fundamentalmente nossa estratégia – e isso era deixar de ser uma organização de notícias focada principalmente em nossa região, para ser uma organização de notícias que seria nacional e até internacional. Ele disse na época, e estava certo, que estávamos em uma posição ideal para fazê-lo, porque estamos na capital do país. Essa é uma boa base para isso. Temos o nome The Washington Post, que pode ser alavancado em escala nacional, ao contrário de muitos outros nomes de publicações pelo país. E temos uma história e uma herança que moldam nossa identidade, que é, voltando a Watergate, iluminar cantos escuros. Com isso, nos tornamos nacionais.”

E lucrativos, Baron deixou de acrescentar.

Bezos e Musk estão numa viagem muito particular que o mundo do livre capital permite a quem acumula muito… capital. Viagem ao espaço, por exemplo, é uma delas. Algo em que ambos estão investindo muito mais bilhões do que com a compra do Twitter ou do Post. Uma viagem egóica que, como diria o Mastercard, não tem preço. Os dois experimentando os limites do que ter mais dinheiro do que alguns países têm permite.

Sempre existiram magnatas bilionários. E muitos deles compraram empresas de conteúdo. Ou fundaram as suas próprias. Nada de novo, efetivamente, em ambos os casos.

Musk é mais doido e dele podemos esperar não só as extravagâncias que sua fortuna – e o sistema em que ele habita – lhe permitem, mas também todas as surpresas que uma mente brilhantemente lunática como a dele pode produzir.

Você deve saber, mas um dos programas mais avançados de inteligência artificial para a transformação de humanos em cyborgs, através da implantação de chips no nosso cérebro, é do Musk. Chama-se Neuralink e foi criado em 2016.

Também não vou gostar se o Musk fizer alguma barbaridade com o Twitter. Mas afinal, o que é uma barbaridade? Para mim, é uma coisa. Para você, outra.

Estamos todos aqui discutindo o que ele fará com o Twitter (por isso, o título aí de cima chamou sua atenção e eu fiz isso de propósito, exatamente para chamar a sua atenção, na verdade para dizer o que vou dizer a partir de agora) mas talvez estejamos deixando de observar o big picture.

Não se fazem mais magnatas como antigamente. A inusitada e inédita concentração de capital em poucas empresas globais (e seus donos) que dominam nossas vidas (conteúdo no meio) e cada vez mais partes relevantes das economias internacionais é um fenômeno único e novo para todos nós. Para os novos magnatas também.

Também eles são produto do país, cultura e ideologia em que viveram e da posição socioeconômica que conquistaram. E há mérito empreendedor e empresarial nisso tudo no caso de ambos.

No entanto, somos nós, não eles, que devemos refletir sobre o que queremos da vida. E da sociedade em que vivemos e queremos viver no futuro. Podemos deixá-la como está ou transformá-la em algo que acreditemos melhor. Cabe a nós. Twitter e Post são apenas a ponta do iceberg.

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