Opinião

Sobre Friends, Seinfeld e chefes

O home office nos empurrou para pequenas ilhas isoladas. Ganhamos liberdade, tempo, cachorro no colo, mas, no entanto, uma certa solidão silenciosa

Rafael Merel

ECD, CD e Redator 16 de dezembro de 2025 - 14h00

“Não quero nem saber. Se meu telefone tocar vocês estão ferrados”. Essas foram as palavras de apoio de um chefe quando falei que estava dando problema em uma campanha. O simpático episódio (contém ironia) me fez pensar como ter alguém do seu lado faz toda a diferença. Uma coisa tão importante, que Shoji Morimoto resolveu fazer disso uma profissão.

Um dia, meio de brincadeira, esse ex-tutor de escola japonês anunciou no Twitter que estava disponível para “emprestar sua presença” a quem precisasse. Para quê? Basicamente para não fazer nada. Só estar ali. Ou como ele publicou: “Alugo alguém que não faz nada (eu). Aceito aplicações continuamente. A tarifa de pedido é 10 mil ienes, mais gastos de transporte da estação Kokubunji e despesas com comida e bebida (se houver). Para pedidos e perguntas, por favor DM. Não posso fazer nada além de comer, beber e responder a perguntas de forma simples.”

Adivinha? O “Do Nothing Guy”, como ele ficou conhecido, não parou mais de receber convites. Estar do lado de uma mulher na hora de assinar a separação, acompanhar um executivo com crise de ansiedade no caminho até o trabalho, acenar para uma pessoa na janela de um trem como nos filmes, ver um adulto se balançar em um playground e até mesmo cheirar uma pessoa que suspeita exalar um odor particular.

Nada de conselhos. Nada de tarefas. Nada de julgamentos. O seu trabalho era somente estar ali.

Nessa hora meu cérebro quase automaticamente começa a tocar “I’ll be there for you”, a música de abertura da série Friends. Um hino sobre amizade que merecia ser estudado como tese sociológica. Porque, além das xícaras gigantes de café que ninguém pagava, todo episódio nos mostrava uma ideia simples: a importância de ter gente por perto. Ter um sofá, literal ou metafórico. Ter gente. Ter quem esteja ali, nos altos, baixos e, por que não, nos meios-termos da vida para falar sobre tudo ou sobre nada.

Aqui sou teletransportado do Central Perk para o Monk’s Café para lembrar de Seinfeld. O eterno “show sobre nada”. Na verdade, uma série inteira provando que estar junto, mesmo sem propósito, mesmo que seu vizinho seja o Kramer, já é o suficiente. Para uma série ou para a vida.

O trabalho remoto nos empurrou para pequenas ilhas isoladas. Ganhamos liberdade, tempo, cachorro no colo, mas, junto, uma certa solidão silenciosa. Video calls viraram arquipélagos, cada um isolado no seu quadradinho iluminado. E ter alguém ali pra gente, pra gente mesmo, não com a gente, mas respondendo e-mail, não fazendo a reunião e mais 500 coisas, faz ainda mais diferença.

Na mesma agência do início da história, depois do chefe não querer nem saber, veio o chefe do chefe. Falou para ficar tranquilo que ele estava lá. E foi para a reunião com o cliente, o maior cliente da agência, defendeu a ideia, ajudou a resolver a encrenca e ainda acabou com um: “essa aqui é minha turma. E com a minha turma ninguém mexe”.

Friends, Seinfeld, Do Nothing Guy, amigos, chefes, colegas. Ter alguém do seu lado faz toda a diferença. Porque no fim, “o I’ll be there for you” nunca quis dizer “vou resolver seus problemas”. Quis dizer “vou estar aqui”, se você precisar.

Num mundo em que ninguém está aí para nada, estar do lado de alguém é o que sempre fez e vai fazer toda a diferença. Mesmo que seja só para não fazer nada.