Diário de bordo: Japão
Algumas semanas de viagem revelam que passado e futuro não apenas convivem lado a lado, mas somam forças para melhorar o presente
Enquanto circulo por Tóquio em um carro que combina a conveniência do transporte por aplicativo com a cobrança previsível do taxímetro, penso no equilíbrio da cultura nipônica. A todo instante o Japão mostra uma convivência harmoniosa e produtiva entre passado e futuro. Nas ruas, templos budistas milenares são tão comuns e apreciados quanto robôs servindo café em restaurantes.
Precisamos lembrar que o Japão foi devastado por uma guerra e duas bombas atômicas há menos de cem anos. A reconstrução do país, com amplo apoio norte-americano, não apagou suas raízes. Ao contrário. Não há rivalidade entre o antigo e o novo — há soma, diálogo e respeito. A paciência, a escuta, a disciplina e o rigor são valores fundamentais para a sociedade japonesa, não importa a geração, profissão, região ou classe social.
A inovação vem desse caldo. Por isso mesmo, boas ideias são ouvidas com atenção, mas não espere uma resposta rápida e muito menos imediata. Antes de dizer sim ou não, a ordem é pensar, analisar e, então, responder. Parece óbvio, mas quantas vezes, movidos pela ansiedade de performance, expomos um ponto de vista antes de ouvir o interlocutor até o final? Quantas vezes deixamos a pressa por resultados pautar uma decisão ou projeto? Os japoneses sabem aguardar e têm foco no longo prazo.
É claro que eles também querem vender e lucrar. As campanhas publicitárias, aliás, são criadas nessa direção, sem almejar exclusivamente premiações. O consumo e a experiência são características do país, onde há uma gama incrível de produtos e serviços a cada esquina. Em um dos passeios ao Teamlab Tokyo, me vi deitado no chão em uma espécie de planetário, onde folhas pareciam cair das árvores digitais e aromas da floresta pairavam no ar. A sensação foi indescritível. Essa experiência e tantas outras que a capital japonesa proporciona não impedem o país de ter que lidar com uma realidade muitas vezes desafiadora. O território é pequeno, a população, gigantesca, há risco de tsunamis e terremotos. É obrigatório ser pragmático e criar soluções confiáveis para esses desafios.
A inovação está voltada para resolver questões concretas. Trens-bala saindo da capital para várias cidades a cada 15 minutos são um ótimo exemplo disso. Talvez por isso não exista uma big tech japonesa e nem um impulso frenético para mudar de marcas o tempo todo, como acontece no Brasil e nos Estados Unidos, conhecidos pela sede de novidades. Marcas consagradas há décadas continuam em alta.
Projetos ultramodernos de mobilidade, arquitetura, agricultura e segurança, entretanto, não bastam. O que faz tanta gente viver tão bem em pouco espaço são os valores e as atitudes. Estrangeiros perdidos no metrô são prontamente abordados por locais, que se dispõem a ajudá-los. Nas filas e até em elevadores há regras para a circulação de pessoas. Estruturas e processos bem definidos norteiam as empresas, as cidades e o país como um todo. As regras não apenas existem, elas são cumpridas. A adesão aos combinados é impressionante. A coletividade é soberana. Solidariedade e gentileza são práticas diárias, especialmente com os mais velhos.
Sem dúvida há partes tristes e difíceis dessa realidade, como por exemplo a busca por igualdade de gênero, mas, para um brasileiro que mergulha na vida japonesa, o contraste entre os dois países é o que salta aos olhos. Na lista de lições interessantes para os ocidentais, destaco o poder da paciência oriental. Essa habilidade preciosa combate o individualismo e o imediatismo. E mais: possibilita unir passado e futuro em favor do presente.