Bye bye, so long, farewell
Entre memórias, erros e acertos, um olhar honesto sobre responsabilidade, luto e transformação
Sem delongas, sem uma explicação precisa, mas ao som do Guilherme Arantes, que cantava “adeus também foi feito para se dizer”, escrevo o meu último texto neste segundo ciclo como articulista do Meio & Mensagem. Então, tentarei fazer dessas próximas linhas uma despedida digna de todo o carinho e da liberdade que este espaço me proporcionou.
Desde 2012, eu redijo linhas de pensamento por aqui. Algumas tortas, outras imprecisas, mas todas com o mais profundo canto do meu interior, como o poeta Emicida já cunhou. Escrevo porque preciso tirar de mim, com a esperança de que isso ecoe em mais alguém. Escrevo porque foi a forma que aprendi a lidar e abraçar o caos como quem acalenta suas próprias tempestades. Escrevo com cabeça, coração e vísceras, nem sempre nessa ordem de importância. Escrever é um acordo feito com o menino que já fui um dia. É também para ele que eu escrevo.
Não falo aqui das escolhas acertadas que a vida nos oferece. Essas são simples de bater no peito e falar: eu fiz. Torcer para o Flamengo, por exemplo, mostrou ser um desses acertos, mesmo quando não tinha a maturidade para entender o significado desse amor. Sair do Rio para trabalhar em São Paulo foi uma boa escolha, mesmo que eu tenha demorado anos para entender a cidade, e ainda não tenho certeza se a entendi nos seus detalhes. Escolher gostar de azeite depois de burro velho, escolher tocar para acalmar os demônios, escolher não bater de frente em determinadas discussões, escolher quem vai comprar as suas brigas, mesmo nas horas mais incertas.
Toda escolha certa é facilmente assimilável, é uma fonte de prazer interno. É saber que você foi feliz naquele momento. Como quando eu olho para a minha pequena grande família e vejo todas as escolhas de ambos os lados que nos levaram até aquela configuração.
Difícil é digerir as escolhas equivocadas, as doloridas. E a gente sabe quais são essas danadas. Aquelas que, quando você já está quase dormindo, surgem ao lado de um balão enorme de pensamento: por que você não fez diferente? Isso para não falar de toda uma sorte de punições que advêm com esse remoer de coisas passadas. Foram anos e anos de terapia para poder chegar a um entendimento sobre a pior delas. É sobre ela que escolho falar agora.
O ano era 2012. A minha carreira estava com o pacote completo do plano de conquistas. Tudo parecia dar certo, nada no horizonte sugeria uma tormenta. Nem chuvisco eu vislumbrava. Era aquela zona perigosa onde a confiança esquece uma lição valiosa: a vida sempre se impõe de formas inesperadas.
Em abril daquele ano, minha mãe descobriu um câncer no pulmão. Nada no meu plano de voo, na minha onipotência previu isso. Como assim? Minha mãe era um furacão imparável, uma força da natureza, o meu plano de conquistas já estava renovado. Como assim?
O que acontece em junho no mercado publicitário? Pois bem. A cirurgia foi marcada exatamente nesta semana. Boa parte da criação estava em Cannes, eu estava com uma infinidade de reuniões importantes, minha mãe estava com câncer. Só essa frase já demonstra os pesos das coisas.
Parece muito simples escolher onde eu deveria estar com a cabeça concentrada. Mas espera aí. Minha mãe é uma força da natureza, eu sou multitarefa, está tudo dando muito certo, eu dou conta de tudo e ainda ganho Leão.
Então, eu acompanhei a cirurgia, mas no dia seguinte, estava de volta para exercitar a minha onipotência. Aquele sentimento de que essa reunião não seria a mesma sem a minha presença. A reunião foi ótima, a cirurgia foi um sucesso. A minha mãe estava em casa, no Rio, sob cuidados de uma equipe inteira. Então, a vida se impôs. Dias depois, recebi a ligação para a qual nunca se está preparado. Eu lembro de sentar no chão da agência. E lembro de enviar um arquivo de trabalho antes de todo o périplo que se iniciaria. Um arquivo.
Não vou entrar nos detalhes que ditam o tempo a partir dali. Em linhas gerais, eu entrei em um luto raivoso. Eu culpei a agência, as reuniões, o universo, o meu plano de conquistas que veio sem esse asterisco. Os meus textos exalavam isso, eu exalava isso.
Foram anos e anos de terapia para chegar em um lugar: e a minha parte nisso tudo? Qual era? Afinal, era uma escolha. E uma reunião não poderia ter o mesmo peso. Não naquele momento, não naquela balança. Eu terceirizei a responsabilidade daquela escolha até o limite. Eu passei o B.O. para quase todos ao meu redor. E, apenas muito tempo depois, consegui tocar na parte que me cabia daquela escolha. Eu fiz aquela escolha.
Escolher é saber lidar com o ônus do que vem a seguir. Escolher é perder, como já contou o Jô Soares em um episódio com o seu filho em uma livraria. Quando o filho veio com doze livros, o pai disse: pode levar metade. E o filho respondeu: então, eu prefiro não levar nenhum. O pai perguntou: por quê? O filho retrucou: porque escolher é perder sempre.
Ao escolher contar esta história da minha mãe, eu perdi para sempre a proteção que existia ao redor dela. Ao escolher contar esta história, eu perdi também o medo que a cerca. São escolhas ao nosso redor.
Hoje, eu escolhi que este seria o meu último artigo. Hoje, eu escolhi que pode ser que, em um dia mais distante, eu volte.
P.S.: estou pensando em reunir alguns artigos escritos aqui para um livro. Se há algum texto que te tocou e você acha relevante estar contemplado, me manda um alô. Vai ser de imenso valor.