Opinião

O feitiço (da falta) do tempo

Rotina acelerada, excesso de estímulos e pressão por resultados minam a capacidade de transformar o mundo interior e exterior

Fernando Murad

Editor de Meio & Mensagem  15 de dezembro de 2025 - 6h00

O cotidiano nas grandes cidades é marcado por contrastes sociais e econômicos. Num contexto de abundância para alguns e de escassez para muitos, talvez um ponto de encontro seja a questão do tempo — ou da falta dele. Seja na luta para enfrentar o trânsito e chegar no horário a um compromisso importante ou para descolar um espaço na agenda para fazer aquele passeio que há tempos ficou apenas no campo das ideias.

A proximidade do Natal e do Ano Novo, com férias escolares, confraternizações corporativas, encontros com amigos e reuniões familiares, sempre enseja um clima de balanço. Nesse momento, é comum a sensação de que o ano “voou” ou que “passou num piscar de olhos”. Essa percepção costuma ser referendada por listas de projetos ou desejos que não saíram do papel ou das intenções. A impressão é a de que o ano não foi suficiente para dar conta de todas as demandas pessoais e profissionais.

Parece que à medida que se envelhece, os anos vão ficando cada vez mais curtos, quase como se o Carnaval já emendasse com a Black Friday, faltando poucos dias para esperarmos a visita do bom velhinho. Mas, ao invés de uma ininterrupta festa, esse grande pequeno ano é uma espera por algo ao mesmo tempo desconhecido e temido, mas muito desejado.

A jornada phygital tem sua contribuição. Expostos a estímulos o tempo todo — e em todas as telas —, olhar para o lado ou observar de forma descompromissada o entorno soa como uma atividade muito arcaica. Na ânsia de não perder nada, os áudios tocam na velocidade 2x. Os vídeos com notícias ou informações são os mais curtos possíveis. Mesmo no momento da diversão, os filmes ou vídeos longos são acelerados. Há uma angústia causada pela ideia de perda de tempo — recurso tão precioso que parece até um despropósito compará-lo ao dinheiro.

A produtividade — causa e/ou efeito da eficiência no trabalho — é, assim como cada indivíduo economicamente ativo, hiperestimulada. As redes sociais e seus feeds infinitos entretêm, informam, desinformam e contribuem para uma rotina que, em muitos casos, prejudica a saúde física e mental, afetando a autoestima devido à comparação constante e à busca por validação.

No clássico do cinema O Feitiço do Tempo (Groundhog Day), Phil Connors, um arrogante meteorologista de um canal de televisão, interpretado por Bill Murray, é enviado a Punxsutawney, na Pensilvânia, para fazer uma matéria especial sobre o celebrado “Dia da marmota”. Pretendendo ir embora o mais rapidamente possível, o personagem fica preso numa espécie de túnel do tempo, condenado a reviver indefinidamente o mesmo dia até que mude suas atitudes.

Na vida real, muitas vezes, o cotidiano parece pregar peças, como se a cada novo dia realmente vivêssemos um “Dia da Marmota” para chamar de nosso. Não é preciso se perder no espaço-tempo para repensarmos nossos comportamentos e procedimentos. Às vezes, nada melhor do que “matar o tempo” para realmente termos mais tempo e sermos produtivos. Estimular a subjetividade, com suas experiências, emoções e singularidades, é fomentar a criatividade e a capacidade do ser humano de transformar e inovar — tanto no CPF quanto no CNPJ.