Opinião

A Lei Rouanet e a consagração de Wagner Moura

Sem esse sistema de fomento cultural, O Agente Secreto, mais um longa brasileiro aclamado em festivais internacionais, não existiria

Vanessa Pires

CEO da Brada 11 de dezembro de 2025 - 14h00

Há 34 anos, o Brasil deu um passo decisivo para a consolidação de uma política cultural moderna, democrática e plural. A promulgação da Lei Rouanet, em 1991, representou um marco na forma como o País enxerga, financia e distribui cultura. Ao longo dessas mais de três décadas, milhões de brasileiros tiveram acesso a espetáculos, exposições, livros, mostras de cinema, concertos, ações formativas e projetos que, de outra forma, dificilmente sairiam do papel.

Como CEO da Brada, uma instituição que acredita profundamente na força da cultura como ferramenta de transformação econômica e social, tenho acompanhado de perto a evolução desse mecanismo e colaborado ativamente na viabilização de programas de impacto positivo. Porém, é evidente que o sistema precisa ser atualizado para enfrentar os desafios de um País em constante movimento.

Entre os ganhos para o Brasil nesses anos, a Lei Rouanet estimulou a diversidade de linguagens e expressões apoiando desde orquestras sinfônicas até grupos de cultura popular. Milhões de empregos diretos e indiretos foram gerados na cadeia produtiva de cultura, novos públicos foram formados em regiões com pouco acesso à arte, que por sinal ganhou visibilidade e transparência.

Mesmo com esses avanços, no entanto, a legislação ainda precisa de uma série de revisões. A primeira delas é a descentralização real dos recursos: hoje, 70% deles estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste, reforçando uma desigualdade histórica, limitando o potencial criativo de outros estados.

Pulverizar investimentos significa valorizar a cultura que nasce nas ruas, nas favelas, nos quilombos, nos territórios indígenas e nos grupos tradicionais. No entanto, esses coletivos enfrentam dificuldades técnicas e burocráticas para acessar o mecanismo. Nesse sentido, linhas simplificadas e editais segmentados podem mudar o cenário.

Em paralelo à atualização dos critérios e processos da Lei Rouanet, cabe ao poder público conscientizar a sociedade sobre a utilização das leis de incentivo, tema esse frequentemente distorcido e que gera insegurança entre patrocinadores e artistas. O discurso deve ser didático, contínuo e precisa reforçar que o direcionamento de recursos provenientes de impostos a serem pagos pelas empresas é auditado e tem impacto socioeconômico comprovado.

A Lei Rouanet não pode ser carregada de um significado pejorativo e a população precisa entender exatamente qual é a função desse mecanismo. A desinformação é tamanha que a opinião pública acaba associando grande parte das leis de incentivo à Lei Rouanet, atribuindo a essa legislação, produções como o longa O Agente Secreto”, estrelado por Wagner Moura e reconhecido mundo afora.

A obra contou com financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), vinculado à Agência Nacional do Cinema (Ancine), com apoio do Ministério da Cultura (MinC) e de associações internacionais. O FSA capta recursos de empresas do mercado cultural, como produtoras, emissoras de TV, operadoras de telecomunicações e existe para fortalecer a produção audiovisual no Brasil, desde a criação dos roteiros até a exibição dos filmes. Sem esse sistema, mais um longa brasileiro aclamado em festivais internacionais não existiria.

Não assistiríamos à salva de palmas de 13 minutos ao fim da exibição de O Agente Secreto, em Cannes. Não seríamos representados no Oscar 2026 e não nos orgulharíamos pelo prêmio de melhor ator, concedido a Wagner Moura no New York Film Critics Circle. Um feito histórico, pois é a primeira vez que um latino recebe esse reconhecimento em 90 anos da premiação.

Leis de incentivo como a FSA e a Lei Rouanet são, de fato, os instrumentos de fomento cultural mais longevos e bem-sucedidos do mundo.