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Quais serão os desafios das agências em 2026?

Lideranças femininas do mercado publicitário avaliam o cenário do ano que se aproxima

i 17 de novembro de 2025 - 9h38

Por Dimalice Nunes

Toda virada de ano a cena se repete: cálculos, planilhas, balanço do que foi, planejamento do que poderá ser. Para 2026, entram nesta sofisticada equação itens tão subjetivos quanto desafiadores. Ano de eleição no Brasil, Copa do Mundo e o aprofundamento de um rearranjo global que inquieta até os mais experientes estudiosos. Aumento da incerteza regulatória e pressão por transparência, ao lado do uso massivo da inteligência artificial (IA) generativa, compõem o cenário de quem equilibra os pratos para administrar a pressão constante dos custos e manter intacto o principal ativo da publicidade, a criatividade.

Um caldo encorpado que exige soluções coletivas e inovadoras para repensar estratégias que contemplem o uso da tecnologia com humanidade e intencionalidade. “O importante é ser capaz de oferecer a criatividade a serviço de soluções que conectem cultura, emoção, engajamento e conversas autênticas, com foco em resultados para o negócio”, resume Camila Hamoui, presidente da Wieden+Kennedy SP. “As agências estão diante de um novo triângulo de forças: estratégia, criatividade e tecnologia. Em 2026, o equilíbrio virá de conectar esses três pontos com propósito e método”, completa Carol Boccia, copresidente da BETC Havas.

Em 2026, o equilíbrio virá de conectar esses três pontos com propósito e método

Em 2026, as agências devem conectar estratégia, criatividade e tecnologia com propósito e método, aponta Carol Boccia, da BETC Havas (Crédito: Divulgação)

O cardápio de desafios se mostra tão farto quanto as verbas. De acordo com o estudo Previsão de Marketing 2026, da WGSN, autoridade global em tendências, o investimento global em publicidade chegará a US$ 1,24 trilhão até 2026, cifra que vem depois de um crescimento de 7,7% em 2025. O valor se deve, principalmente, a canais em ascensão, como redes sociais, mídias de varejo e smart TVs. Da fatia prevista para o ano que vem, 23,6% irão para as redes sociais. Para o Brasil, a projeção é de crescimento expressivo, especialmente no digital. O investimento em mídia deve crescer de US$ 15,98 bilhões em 2024 para US$ 22,18 bilhões até 2028, segundo previsões da Dentsu.

Investimento em alta, pressão por redução de custos também. A saída? “Estruturas mais inteligentes e leves, com revisão de modelos de remuneração e coragem para repensar valores e prioridades”, sugere Gláucia Montanha, CEO da Artplan São Paulo e da Convert Digital Business. Equilibrar, no entanto, não significa fragmentar, mas integrar com propósito. “O cliente cobra agilidade, mas avalia pela qualidade. Essa lição resume bem o nosso desafio: unir velocidade com profundidade. Estratégia e criatividade não caminham sozinhas, se complementam”, completa.

Mulheres à frente

Os desafios de liderar uma agência de publicidade em 2026 estarão muito ligados à reconstrução da confiança, um valor que tem se tornado cada vez mais essencial, avalia Renata Bokel, CEO da WMcCann. Na sua visão, a desinformação se espalha com agilidade e sofisticação, afetando instituições, marcas e pessoas. “Liderar, nesse contexto, é aprender a atravessar o ruído sem perder a coerência entre o que se diz e o que se faz”, afirma a executiva.

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“O cliente cobra agilidade, mas avalia pela qualidade. Essa lição resume bem o nosso desafio: unir velocidade com profundidade”, avalia Gláucia Montanha, da Artplan São Paulo (Crédito: Divulgação)

Ao olhar para o Brasil, Renata vê um país em transição, que busca estabilidade, mas ainda convive com desigualdades profundas e uma confiança social que se recompõe pouco a pouco. Trata-se de um momento que pede escuta, empatia e uma leitura atenta das emoções e dos comportamentos das pessoas, que hoje fazem escolhas mais conscientes e baseadas em valores. E as marcas, assim como as lideranças, também atravessam um processo de reconstrução. “As empresas que souberem equilibrar performance e transparência continuarão a ser relevantes”, completa.

Buscar clareza num cenário de incerteza é o objetivo de Marcia Esteves, CEO e sócia da Lew’Lara\TBWA, para o ano que vem chegando, de alta complexidade política e econômica, com pressões sobre custos e margens, mas também com a necessidade de manter o olhar atento à reputação e à cultura organizacional. “Será preciso tomar decisões com base em dados, sem perder a intuição humana”, pondera.

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Camila Hamoui, da W+K São Paulo: O importante é ser capaz de conectar cultura, emoção, engajamento e conversas autênticas, com foco em resultados para o negócio (Crédito: Divulgação)

Carol, da BETC Havas, vai na mesma linha: manter o foco estratégico em meio à volatilidade. Diante de uma economia que tende a oscilar, com a fragmentação da atenção e discursos radicalizados, é preciso equilibrar serenidade e capacidade de resposta rápida, protegendo a cultura da empresa de ruídos externos, transformando incerteza em oportunidade. “Liderança será o antídoto à dispersão”, afirma.

Carol lembra, ainda, de um desafio típico dos nossos tempos que não pode sair da mira: administrar a cobrança por agilidade sem perder profundidade. Filtrar as pressões externas para manter o ambiente interno saudável e produtivo é outro ponto de atenção no radar das líderes. Karina Ribeiro, CEO da VML Brasil, vê na manutenção de um espaço interno seguro e equilibrado um dos antídotos contra as incertezas que chegam de fora. “É garantir que as pessoas possam dar o melhor delas com segurança diante de pressões por resultados e volatilidade”, reforça.

Oito em cada dez profissionais de marketing já incorporam ferramentas de IA em suas rotinas, mostra o estudo “Decodificando os Desafios da IA no Mercado de Publicidade Digital”, realizado pelo IAB Brasil em parceria com a Nielsen. E, segundo o relatório Media Reactions 2024, da Kantar, 62% dos consumidores e 68% dos profissionais de marketing têm uma visão positiva da IA generativa. No entanto, quando o assunto é a publicidade gerada por IA, o entusiasmo é menor. Globalmente, 41% dos consumidores expressam desconforto com os anúncios que usam IA, percentual que é de 31% no Brasil.

Karina Ribeiro, da VML Brasil: “É preciso garantir que as pessoas possam dar o melhor delas com segurança diante de pressões por resultados e volatilidade” (Crédito: Divulgação)

Karina Ribeiro, da VML Brasil: “É preciso garantir que as pessoas possam dar o melhor delas com segurança diante de pressões por resultados e volatilidade” (Crédito: Divulgação)

“A tecnologia não é mais opcional ou passageira, é um acelerador que potencializa escala e impacto, mas sempre a serviço da experiência humana”, resume Gláucia, da Artplan. Potencializar também foi a palavra usada por Camila, da Wieden+Kennedy, Carol, da BETC Havas, e Marcia, da Lew’Lara\TBWA.

Na visão de Camila, a tecnologia é um recurso para potencializar a criatividade e a eficiência da entrega. Ela explica que com as ferramentas de IA é possível lapidar melhor as ideias e ganhar agilidade. “Isso impacta diretamente o ambiente de trabalho, dando espaço para que as pessoas usem seu tempo de maneira mais eficiente e, consequentemente, mais inteligente. Sempre a serviço de enaltecer e melhorar a entrega humana”, reforça.

Marcia Esteves (Crédito: Divulgação)

Em um mundo que muda diariamente, a agilidade vem da clareza de propósito, não da pressa”, diz Marcia Esteves, da Lew’Lara\TBWA (Crédito: Divulgação)

Para Carol, “a liderança mais humana é a que sabe traduzir complexidade em direção, que integra algoritmo e intuição num ambiente em que a tecnologia potencializa pessoas, não as substitui”. E, de acordo com Marcia, a tecnologia deve potencializar a estratégia e liberar a criatividade, nunca o contrário. “O papel do líder é criar ambientes onde a criatividade possa florescer com o apoio da tecnologia, não substituí-la. Em um mundo que muda diariamente, a agilidade vem da clareza de propósito, não da pressa”, defende a CEO da Lew’Lara\TBWA.

Renata Bokel, da WMcCann: “Se a tecnologia trouxe velocidade e precisão, a estratégia oferece direção, a criatividade dá significado, e a intuição também é uma forma de dado” (Crédito: Divulgação)

Estratégias firmes em conexão com o que a tecnologia pode oferecer por melhores resultados é a receita de Karina, da VML. “Conectados com a tecnologia, sim, mas sempre entendendo que a criatividade é o centro de tudo que fazemos”, pontua a executiva, reforçando que o papel da IA é de impulsionadora daquilo que as pessoas já fazem. “Com a tecnologia cada vez mais comoditizada, ela tem que ajudar a alimentar a criatividade. A tecnologia não está à frente, ela impulsiona o capital humano”, reforça.

“Equilibrar estratégia, criatividade, tecnologia e intuição humana começa por reconhecer que nenhuma dessas dimensões atua sozinha”, avalia Renata. “Se a tecnologia trouxe velocidade e precisão, a estratégia oferece direção, a criatividade dá significado, e a intuição — muitas vezes subestimada — também é uma forma de dado”, pondera a executiva da WMcCann. “O papel da liderança é integrar essas forças de forma orgânica. É usar a tecnologia como meio, não como fim, para expandir a capacidade humana de pensar, criar e emocionar”, conclui.